quarta-feira, 28 de outubro de 2020

UM ESCREVEDOR FALA DE MEMÓRIA MUSICAL - V.

 

Um Escrevedor Fala de Memória Musical – V - O que tocava no rádio – 1972.

 

Esta é já a quinta incursão na memória musical daquele que escreve estas linhas. O ano de 1972 era o ano em que completaria 12 anos; naquele ano ele fora reprovado sem ter sido avaliado; também fora naquele ano que tivera o primeiro contato com a fé protestante, ao ser levado para ouvir uma “conferência evangelística”, realizada na antiga Primeira Igreja Batista de Alagoinhas, então presidida pelo pastor Jamim Nascimento. Tal conferência fora proferida pelo pastor Edivaldo Santiago – salvo engano da grafia do seu nome -, em data que não é possível precisar, sabendo-se apenas tratar-se de período escolar. Daquele ano brotam da memória deste garatujador, inúmeras reminiscências, algumas delas confusas e desconexas. Mas há algumas que são impressionantemente claras, consistindo em cheiros, paladares e, claro: sons.

O Brasil vivia o seu oitavo ano de “Regime Militar” e discutia com o mundo ocidental, questões relacionadas ao uso do “Espaço Marítimo”, não só para a pesca, como também para a prospecção de petróleo. Fincava pé no que chamava direito às “200 milhas” das “águas territoriais”, que se limitava às “100 milhas”. Com o “ame-o ou deixe-o” do governo Médici, também o ufanismo de uma parte da elite brasileira, resultou em campanhas nos jornais e revistas de grande circulação nacional – devidamente chancelada pela “censura federal” -, encetada no sentido de obter êxito no pleito às tais “100 milhas marítimas” adicionais. Como grande parte da população permanecia analfabeta, o rádio e a música seriam convocadas para entrar naquela querela, que, saliente-se, nada ou pouco traria de benefício à população como um todo, pois, ao que parece, tratava de disputa levada a termo, com base em interesses militares.

Para tanto, Eliana Pittman interpretou uma música com o título bem sugestivo de “Das 200 para lá”, rebatizada de “Este Mar é Meu”. Em um ano eleitoral em que o “regime dos generais” intentava manter sob seu máximo controle o espectro político nacional, aquela campanha serviria – acreditavam – para levantar o “patriotismo” dos eleitores que, como consequência, elegeriam os candidatos preferidos pelo generalato, às prefeituras e às câmaras municipais.

 

https://youtu.be/45J4efcUUe

 

Aquele também era um tempo em que a teledramaturgia começava a moldar o modo de agir e de pensar de grande parte dos brasileiros que, antes tivera o rádio como formador de uma certa “opinião pública”, sobretudo, aquela que possuía pouca ou nenhuma escolaridade. Desde então, passava a contar com a televisão e com a sua programação, para o processo de construção da maneira de perceber e conceber o mundo, daquilo que se conheceria como “brasileiro médio”. A influência da televisão naquele processo de criação de um outro conjunto de elementos formadores de uma dada “opinião pública”, se dera tanto através do seu jornalismo enviesado, quanto através da produção e exibição de dramaturgias romanescas, marcadamente no tocante ao gosto musical que passava a ser determinado a partir das músicas tocadas nas novelas, majoritariamente, as músicas ligadas aos personagens mais “amados” pelos telespectadores. Estas, por sua vez, em grande medida, eram compostas e interpretadas por artistas e/ou grupos musicais internacionais.

O grande sucesso da televisão brasileira de 1972, que acabava de ganhar a sua versão “a cores”, fora “Selva de Pedra”, escrita pela dramaturga Janete Clair, que, no seu bojo, ao menos duas músicas de sua trilha internacional, estiveram entre as cem mais tocadas naquele ano. Aqui, o link para elas.

 

https://youtu.be/2TKCJjGwTac

 

https://youtu.be/4KSLfhx_10M

 

Enquanto o mundo de então se encantava com o poema interpretado por John Lennon, que apontava para o desejo de um mundo de utopias e anseios de paz e harmonia entre os terráqueos – https://youtu.be/5MV_x5Y3zzk - , a televisão brasileira continuava o seu processo de despolitização do povo, negando-lhes informações importantes do seu cotidiano marcado pelas torturas e desaparições  daqueles que ousaram não se submeter à sanguinolência dos que mandavam e desmandavam no país, deixando de municiar a população de elementos que a fizessem pensar no voto que depositariam nas urnas em 15 de novembro, como sendo instrumento de transformação da história, e não com maneira de reforçar  a letargia social e política em que estava mergulhada a sociedade civil, regida por um “anticomunismo” estéril e histérico que levara o o regime a endurecer-se ainda mais contra estudantes, professores, advogados, alguns jornalistas, como bem demonstraria mais tarde o assassinato de Vladimir Herzog (1937-1975).

Mas, o rádio ainda era a maior força da comunicação no Brasil daqueles “anos de chumbo”. Por ele era levado aos brasileiros a “música”, o “esporte” e a “notícia”, conforme bordão brandido por muitos anos pela rádio Globo do Rio de Janeiro. Não obstante a televisão interferir de modo cada vez mais profundamente no gosto estético e artístico das pessoas, o rádio AM tinha a versatilidade e a maior capacidade de penetração nos estratos sociais mais diversos da população, sem falar no fato de que poderia ser ouvido em espaços urbanos e rurais mais longínquos do território nacional. Portanto, é no rádio que a música “esperanças Perdidas”, interpretada pelos “originais do Samba”, chega a um público ouvinte politicamente inserido no contexto construído pelos versos de sua composição.

 

https://youtu.be/pG2BXpFAqbI

 

Mesmo a composição de Vinícius de Morais e interpretada por ele e Toquinho, cheia de suubliminaridades e de conteúdo fortemente marcado pela genialidade do seu autor, conseguira chegar aos rincões mais remotos do Brasil, pela força do rádio.

 

https://youtu.be/gUsgVqu8XfQ

 

E o que dizer da letra excepcionalmente construída de forma a fazer brotar uma poesia erudita, da lavra de Antônio Carlos Jobim, magistralmente interpretada por Elis Regina “Águas de março”? Pois é: o rádio levou aos ouvidos de indistintos ouvintes pelo chão do Brasil a fora.

 

https://youtu.be/WEuDVcXnElc

 

Em um disco bastante executado nos rádios de grande parte dos brasileiros, Roberto Carlos, deixando a “jovem guarda” cada vez no passado, interpretando uma bela composição de Antônio Marcos – que mais tarde também a interpretara -, pergunta:

 

https://youtu.be/jH2xaxibpmM

 

E por fim, naquele mesmo ano de 1972, já quase no seu término, este escrevedor e o seu irmão mais velho, “In Memoriam” (1954-1974), caindo a tarde e principiando a noite, ouviam a rádio Globo do Rio de Janeiro, que executava as músicas mais pedidas durante a programação da emissora. Aquelas audições eram aguardadas com ansiedade pelos dois irmãos, visto que as músicas ali tocadas muito aguçavam o gosto melódico de ambos. Duas delas marcaram indelevelmente a memória deste escrevedor, pois naquele ano Antônio Carlos completara dezoito anos e, cumprira o seu dever e exercera o seu direito de votar. As músicas nunca saíram da lembrança deste que vos escreve, uma vez que ainda hoje são executadas nas rádios e, ao ser ouvida, ainda desperta as mesmas lembranças e as muitas saudades daquele ano. Não se imaginava que menos de um ano e meio depois, não o tinha mais como companhia para ouvir as “mais pedidas”, que tanto marcaram a programação do rádio, por mais alguns anos.

 

https://youtu.be/YnbcTCBB_M4

 

https://youtu.be/tykNOKKsZAc

 

Professor Jorge Damasceno – 28 de outubro de 2020.

 

 

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