domingo, 28 de junho de 2020

Rádio Emissora de Alagoinhas: algumas notas memorialísticas - I


Quando a rádio era “emissora” e as “ondas eram médias”. – Alagoinhas, 1954-1974.

A memória dos alagoinhenses que já dobraram o “cabo da boa esperança”, é marcada pelas músicas, pelos programas e pelos apresentadores que fizeram chegar aos cantos e recantos da cidade, através das ondas médias da Z.Y.C.31, prefixo que identificava a rádio Emissora de Alagoinhas.
Quando este escrevedor passou a ouvir rádio com regularidade, os estúdios da rádio Emissora estavam instalados à Rua Dom Pedro II – 117 -, para onde fora transferida logo após um incêndio que irrompeu em suas instalações, então situadas à rua Rodrigues Lima.
Cabe salientar que aquele não fora o único acidente com fogo que marcou a trajetória da referida rádio. Os seus transmissores, instalados no conjunto Pinto de Aguiar, também sofreu um incêndio, que quase ceifou a vida daquele que era responsável pelo funcionamento da unidade irradiadora. Graças à rápida compreensão do que se passava no local, a despeito da precariedade das comunicações da época e ao rápido intervir das pessoas que acorreram para o local sinistrado, logo o fogo foi combatido e o mal minorado.
Voltando ao rememorar aqui proposto, salienta-se que a sua programação era fundamentalmente constituída por músicas – cuja diversificação era estabelecida de acordo com os horários e/ou apresentadores -, novelas gravadas – como Irmãos Coragem de Janete Clair, em uma adaptação radiofônica -, esporte – marcadamente limitada aos jogos no Carneirão (embora o campo da LDA e o campo do Curtume tivessem sido palcos de algumas partidas irradiadas) - e algumas notícias, mormente a Voz do Brasil.
No entanto, ao se mencionar o campo da “notícia”, convém salientar que a rádio Emissora de Alagoinhas levara ao ar, por um bom tempo – talvez o da vida do seu apresentador -,um programa que talvez fosse único por ela transmitido, conforme a memória de quem escreve estas linhas. Trata-se do “Alagoinhas em revista”, que entrava no ar as treze horas, sob a direção e locução de Célio Machado. Como o rememorador era muito tenro, não saberia dizer exatamente qual o teor do programa; entretanto, é preciso no fato de que a única música que tocava era, na abertura, nas pausas comerciais e no fechamento, que se dava, crê-se, as quatorze horas, “Moonlight Serenade”, tocada pela orquestra de Glen Miller.
 https://youtu.be/rjq1aTLjrOE
Tais acordes, ao serem ouvidos por este escrevedor, imediatamente o remete àquele programa, que, certa vez o recebera para uma entrevista, acompanhado de uma de suas professoras - talvez fosse a professora Inis  Farani de Freitas, que bem mais tarde, este escrevinhador veio a saber tratar-se da irmã do candidato a governador do Estado baiano, o engenheiro Lauro Farani de Freitas, sinistrado em queda de avião durante a campanha eleitoral em 11 de setembro de 1950, na cidade de Bom Jesus da Lapa.
Aquele menino, ao ser entrevistado no programa “Alagoinhas em Revista”, ainda se limitava a dar respostas monossilábicas, talvez intimidado pelo vozerio do entrevistador ou pelo microfone que, em sua memória tátil, se lhe afigura como uma gerigonça metálica, com dentes cumpridos, bem abertos  e dispostos no sentido vertical, dando-lhe a impressão que o poderia morder!
Antes de ser levado ao ar pelas ondas médias daquela rádio que levaria a sua voz ainda incerta e em processo de mudança de registro, sabia-se lá até onde, o entrevistado mirim passara pela sala do diretor que o recebera e mantivera uma conversa amigável com aquele menino – não se tem registro de outra conversa entre estes interlocutores, depois de um deles ter se tornado adulto.
Em um espaço impregnado do forte odor de fumo, devido ao fato de que o locutor era um tabagista inveterado, se desenrolou um pequeno diálogo entre os dois, talvez, se tratasse de um meio que o entrevistador utilizasse para conhecer o seu entrevistado e lhe formular as perguntas no momento mesmo da entrevista.
Uma outra marca da rádio Emissora de Alagoinhas foi, conforme lembra este escrevedor, o programa “Parabéns pra você: o carnê social da cidade”, irradiado, crê-se que ao meio dia, de duração curta durante a semana, porém, um pouco mais alongado aos domingos. Nele, os ouvintes – crê-se que mediante alguma quantia em dinheiro, talvez simbólica – pedia que fossem tocadas músicas que seriam oferecidas aos aniversariantes do dia. Além das efemérides natalícias, havia irradiação do programa em datas especiais, como por exemplo, “dia das mães”, “dia dos pais”, entre outras possibilidades.
As músicas pedidas, executadas e oferecidas aos aniversariantes, eram selecionadas de acordo com as demandas feitas por parentes e amigos dos homenageados -, certamente, eram escolhidas de acordo com o gosto musical de quem receberia os “parabéns”. Variava do “sucesso” do momento – como os interpretados por Roberto Carlos, Nelson Ned (Domingo a Tarde), Jerry Adriani (Coração de Cristal; O quanto te quero), Antônio Marcos (Oração de um jovem triste), Erasmo Carlos (Sentado à beira do caminho”, entre outros -, passava por aquelas que quase não eram mais tocadas – como aqueles interpretados por Emilinha Borba, Orlando Dias, Francisco Alves, dentre outros -, construindo um mosaico de gostos e ritmos.
Havia algumas músicas e intérpretes que tinham presença constante em quase todas as edições do “Carnê Social da Cidade”. Entre tantos, poder-se-ia mencionar “A Triste Partida”, toada de Patativa do Assaré, com magistral interpretação de Luiz Gonzaga; Carequinha (O passarinho do relógio), presença quase certa, quando os homenageados eram crianças, os mais maduros eram brindados com execuções primorosas de Dilermando Reis (Som de Carrilhões). Muitas outras memórias certamente emergirão daqueles que se dignarem a ler estes rabiscos de reminiscências.
E, em se falando do virtuoso violão de Dilermando Reis, salta ao rememorar deste rabiscador, um célebre programa que por muitos anos foi levado ao ar pelas ondas médias da Rádio Emissora de Alagoinhas. Trata-se de um desfilar de seresteiros da cidade, que em algum dia da semana que este rememorar não consegue precisar, em maviosas execuções ao violão e, em algumas ocasiões, com interpretação vocal, enchiam os ouvidos daqueles que acompanhavam atentos, quer em suas casas, quer no auditório onde o programa se desenrolava.
Este lembrador tem bem nítida a locução de Raimundo Rollemberg, com sua voz marcantemente impostada e o seu primoroso português, anunciando os participantes e os números que executariam ou interpretariam. Nomes como os de Raimundo Espinheira, Diógenes, Wilson Dantas, entre outros, formavam o conjunto harmônico que fechava a programação da rádio, por volta das 22 horas.
Uma última marca da Rádio Emissora de Alagoinhas que aqui se quer rememorar, é aquela que talvez tenha sido a mais longeva das apresentações de programas da transmissão em “ondas médias”. Trata-se do programa “ídolos do Nordeste”, inicialmente idealizado e apresentado por L Curi – a quem este escrevedor não chegou a escutar, pois falecera antes de 1970 -, depois apresentado por Lourival de Andrade – até o seu falecimento ou próximo disto -, levado a diante por J França e Everaldino Souza, como os seus últimos apresentadores. Levado ao ar das seis às sete da manhã, fazia desfilar as músicas entendidas como “nordestinas”, tais como aquelas interpretadas pelos “3 do Nordeste”, Elino Julião, Marinês e sua Gente, “Trio Nordestino”, “Abdias”, “Gerson Filho”, além daquele que Lourival de Andrade anunciava como sendo “Luiz Lua Gonzaga”. Também não faltavam as músicas e gracejos do lendário Coronel Ludugero, cuja presença era indispensável naquela programação, visto encarnar o “nordestino” típico que povoava o imaginário popular.
AS notas, os abraços e os “alôs” que enviavam para os diversos ouvintes residentes nas paragens onde a transmissão radiofônica em “ondas médias” alcançava, fazia o ouvinte do centro e das adjacências saber da existência dos muitos recantos da urbe alagoinhense: Cangula, Oiteiro, Tucum, Espinho, além de fazendas, sítios, distritos   e outros espaços rurais, para os quais se imagina que tal programação era dirigida.
Os “reclames” comerciais ficavam por conta do “Armarinho São João”- tecidos, miudezas e aviamentos em geral -,”Bazar  Imperial”, “Café Verde e Amarelo – “Na xícara cheiroso, na boca saboroso””, ”Café O Barão”, “Mobiliaria Santo Antônio”, “Maru Cena – o paneleiro da cidade”, “Livraria São Jorge”, “Livraria Lacerda”, “A Nova Azi – tecidos e confecções -, “Magazine São João”, “Fercam” – eletrodomésticos -, que rivalizava com a “CMDantas” e a “Fislar”, bem como a “Suprema Móveis” – tudo para o seu lar -, o “Cine Azi, depois mudado para Capitólio”, com os filmes que estavam em cartaz, diariamente propagandeado em diversos horários da programação, entre muitos outros.
Enfim, há ainda alguns “rememorares” que poderiam fazer parte deste arrazoado. No entanto, já vai um pouco longa esta crônica de um lembrador contumaz, obrigando-o a abrir outra página mais adiante, com o fito de deslanchar mais reminiscências daquela rádio que fora única na cidade a trazer entretenimento e informação para a sua população, até o advento da Catuense FM, já lá pelos idos dos finais dos oitenta, para os inícios dos anos noventa, daquele século que viu surgir o rádio como o meio mais versátil de comunicação social.

Professor José Jorge Andrade Damasceno

quinta-feira, 25 de junho de 2020

A "feira do pau" - meu trajeto de ida para o Brasilino Viegas e volta para casa.


Quando a Feira era “do pau” e a rádio era “Emissora” – Alagoinhas 1969-1981.

Prestes a completar cento e sessenta e oito anos de emancipação político-administrativa, em seu marchar desde o estabelecimento do núcleo populacional nas proximidades da estação ferroviária aberta ao tráfego em 1863, trazendo consigo a feira que já funcionava na antiga povoação, até a consolidação das bases urbanas do município no atual “comércio”, Alagoinhas  construiu marcas indeléveis no imaginário dos seus moradores, que teimam em se manter vivas a despeito dos anos e das mudanças na configuração espacial da cidade.
Memorialistas, cronistas e poetas que insistiram em descrever e cantar a cidade “terra da laranja”, trouxeram ao público com leveza e elegância, muitos elementos espaciais que ficaram entranhados no seu rememorar, que, em grande parte dos casos, não reste mais do que alguns vestígios em forma de fotografias e imagens descritas por gente da estirpe de Salomão Barros, Naylor Bastos, Joanita Cunha, Olívio Paranhos, Roque Costa, Iraci Gama Santa Luzia, Maria Feijó, dentre outros alagoinhenses que se deram ao trabalho de divagar sobre os “lugares de memória” que tanto os impressionara.
Alguns destes lugares de memória ainda estão preservados, em alguma medida, a despeito das precariedades de suas instalações, como é, por exemplo, o caso da imponente estação São Francisco, em cujas dependências se encontra o rico acervo da Fundação Iraci Gama.
Por ali, passaram muitos homens e mulheres, ao longo de mais de cem anos, nos seus diversos afazeres e labores: eram maquinistas, fiscais, bilheteiros, passageiros demandando os vários destinos atendidos pelas ferrovias que tinham o seu terminal de passageiros e/ou cargas naquela gare; também vendedores de lanches e guloseimas, repastos e refrescos; carregadores de bagagens, e tantos outros transeuntes que circularam naquele espaço de sociabilidade dos tempos auspiciosos daquela Alagoinhas tornada entreposto ferroviário.
Daquela estação também partia e chegava uma indefinida gama de mercadorias, parte delas destinada à comercialização na feira livre da cidade.
Quando aos nove anos incompletos este escrevedor iniciara os seus lidares com as atividades escolares, também passara a tomar contato com a já centenária “Feira do pau”, localizado ao longo da Rua Alcindo de Camargo, estendendo-se até o Largo do Tamarineiro; nas sextas e nos sábados, ela ocupava todo o muro do grupo escolar Brasilino Viegas, espraiando-se por toda a rua Francisco Batista, até chegar na frente do prédio do Paço Municipal.
Por ali, precisava passar todos os dias, demandando o Brasilino Viegas, transitando por um longo passeio que ficava à direita daquele que ia no sentido do prédio onde eram realizados os cultos da então primeira Igreja Batista de Alagoinhas. Ao longo do trajeto, logo no início do aludido passeio, ficava o espaço onde eram comercializadas as aves – galinhas, galos, pirus – que faziam a sua natural algazarra, alegrando por demais os sentidos do menino que se encaminhava para a escola. Quando era sexta feira, o trajeto ficava um pouco mais difícil, visto ser grande o contingente de pessoas a circular, bem como o era maior o número dos que comercializavam seus produtos, naquele espaço exíguo, onde também estava instalados os prédios de açougues, armazéns onde se vendia querosene e cachaça, odores que chegavam ao aguçado olfato daquele tenro estudante, cuja memória não se apagou, a despeito dos muitos anos já decorridos.
Nas sextas feiras, o retorno para casa era por dentro da feira, experimentando farinha, bafando amendoins, camarões sêcos para ser comido com os muitos punhados de farinha, surrupiados à guisa de “provar”.
Entretanto, aquela movimentada feira escondia entre as suas barracas de madeira, seus caçuás de farinha, sacas de feijão e capoeiras de aves diversas,, um de seus braços, que se estendia na direção à rua Teresópolis, como se fosse pegar o trem que se dirigia ao “Timbó”, como se quisesse alcançar a distante Propriá.
Esta parte da feira era a afamada “Feira do Pau”, onde as noites de sexta para sábado e o final dos trabalhos de mercadejar da tarde do último dia de feira, era brindado com folguedos, bebidas e alegríssimas danças que varavam a noite, aguardando a chegada do domingo. Os recursos auferidos na realização da comercialização de frutas,aves de todo o tipo, verduras, carnes, queijos, farinhas, vários tipos de feijão, além de produtos de época, como milhos, laranjas e amendoins, abundantes por ocasião dos festejos juninos, em grande parte, era dissolvido nas biroscas de venda de cachaça e nos espaços onde as atividades sexuais eram desenvolvidas até o raiar do domingo.
Ali, muitas mágoas de amor foram afogadas em copos e copos de aguardente; em braços de amantes que muitas vezes sequer conheciam os amados; nos leitos de há muito conhecidos pelos que a eles recorriam para abandonar-se ao “amor” alugado por alguns “tostões”, que por sua vez, aqueles “tostões” aliviavam a fome daquelas que alugavam os tais “amores” e de sua quase sempre numerosa prole, fecundada, parida e criada ali mesmo, desenvolvendo uma população quase invisível, sem que porém assim o fosse.
No final dos oitenta, aquela centenária feira acabara por ser desativada e levada para um lugar “salubre”, onde a “higiene” seria o ponto alto do lugar onde os alimentos seriam comercializados dali por diante.
Quase concomitantemente à “morte” da Feira do Pau, Alagoinhas assistia impassível a morte da rádio “emissora”, uma marca da cidade que não conseguiu se manter viva, a não ser na memória dos seus ouvintes mais longevos. Locutores como Augusto Saraiva, Lourival de Andrade, Raimundo Rollemberg, Jorge Oliveira, Aluísio Santana, Célio Machado, Belmiro Deusdete, ocuparam o imaginário de seus ouvintes e fizeram a história da rádio “emissora de Alagoinhas”, mas não conseguiram construir um legado que fosse duradouro, talvez, sequer um acervo, que possa um dia ser visitado por quem a conheceu e por aqueles que ao menos, viessem a conhecer a rádio que falou para a cidade por mais de cinquenta anos.
Assim, este escrevedor é do tempo que a feira era “do pau” e a rádio era “emissora”.

Professor José Jorge Andrade Damasceno

terça-feira, 23 de junho de 2020

Uma memória que não se apaga - 23 de junho de 1974: há quarenta e seis anos partia o meu irmão Antônio carlos, carinhosamente conhecido como Zé Carlos..


José Mário e Zé Carlos – uma despedida entre lágrimas e silêncios – junho de 1974.

Crê-se que a última vez que se falou de José Mário neste espaço, ele fazia a sua primeira incursão na Faculdade de Formação de Professores de Alagoinhas, nos idos de 1986. Ali, aos vinte e cinco anos completos, ingressava no curso de Licenciatura plena em História, tomando contato com gentes que não eram do seu convívio social, causando alguns estranhamentos – mas não no sentido de conflito e sim, no sentido de confusão de compreensão do seu entorno -, uma vez que o contato com pessoas de formação escolar sólida e, até mesmo gentes que já estavam inseridas no contexto da docência, davam nele uma sensação de não estar necessariamente em um espaço onde tivesse qualquer desenvoltura no trato e no passo do seu início de caminhar pelas sendas da formação acadêmica.
No entanto, se voltará a ele, uns doze anos antes, quando vivenciou um processo que o colocou frente a frente com interrupção precoce de uma vida que mal completara os vinte anos, que o marcara profundamente, ao ponto de achar que também o seu caminhar pela vida se concluiria nos mal completares da segunda década na existência terrena.
Dona Arminda entrara no ano de 1974 envolta em um não infundado mar de temores e, algumas esperanças pouco fundamentadas em uma crua realidade que acabaria por se apresentar para ela, conforme os seus temores. Zé Carlos, o seu filho mais velho, recebia o fatídico diagnóstico de um “bolo” no intestino – conforme ele mesmo dizia -, que demandaria imediata intervenção cirúrgica. Uma hecatombe para a cabeça e para a frágil e instável condição de dona Arminda, uma vez que o tempo que ele passaria internado e o que demandaria para convalescer, faria com que ela reduzisse o ritmo de seu trabalho de lavadeira de ganho, o que, por via de consequência, reduziria os já parcos recursos com os quais ela precisava contar para o atendimento das suas necessidades e as dos filhos que dela dependiam. Considere-se, de outra parte, que tal redução de recursos, seria confrontada com o aumento das necessidades dela e dos seus, impulsionado pela saída de Zé Carlos da sua composição orçamentária, agravando-se com o ingresso de despesas inerentes ao processo pós-operatório, que consistia não só na aquisição de medicamentos, como também de ingredientes para uma alimentação diferenciada e em determinados horários.
Uma tal situação provoca a entrada do primeiro fogão a gás naquela casa, onde o carvão era o principal combustível da cozinha. Importa salientar que o novo artefato de preparo de alimentos, ali estava como algo fora de lugar, sendo utilizado prioritariamente no preparo da alimentação destinada ao paciente em convalescença domiciliar.
Longos quatro meses correram como quem não prestava a atenção ao angustiar-se de dona Arminda, que embora ainda alimentasse vagas esperanças de ter outra vez o seu filho com a saúde recuperada, a angústia era a marca indelével do seu lidar cotidiano, uma vez que era quem mais sabia da difícil condição em que se encontrava o filho, como também, esperava, embora sequer expressasse isto, um desfecho que a privaria do seu primogênito e arrimo, tão presente no labor de ajudá-la a criar os seus outros irmãos.
Aquele vinte e três de junho, um domingo que parecia ser como os outros domingos que o precederam, se erguera como os demais que se seguiram ao retorno de Zé Carlos para casa, após a infrutífera intervenção cirúrgica. Como de costume, seu Augusto fizera a sua alvorada, prenunciando mais uma festa junina, regada a comida, bebida, danças e vivas. Naquele dia se jogara mais um dos jogos da Copa do Mundo, que se realizava na então Alemanha Ocidental.
Após o almoço frugal daquela casa, onde a tristeza insistia em se confundir com a fria temperatura que caracterizava aquela época do ano, José Mário, incompreensivelmente triste, fora para o quarto que até alguns meses antes dividia com o seu irmão então enfermo, onde dormira todo o resto da tarde.
De repente, fora bruscamente acordado com os gritos lancinantes de dona Arminda. Literalmente, era como se fossem os urros de uma fêmea que acabava de ter a cria arrebatada: o seu filho acabara de morrer nos seus braços.
Assustado e, logo compreendendo tudo que se estava passando ali, intentara acorrer para o aposento de onde ouvira o extremamente cortante choro de sua mãe, ele tivera seus passos barrados por alguém.
Parado entre o quarto onde dormia e aquele em que jazia morto Zé Carlos, José Mário irrompeu em um pranto que marcaria a sua despedida do seu irmão, sem que pudesse sequer trocar com ele um até breve...
Até hoje, no momento em que estas linhas estão sendo escritas, correm aquelas lágrimas de dor e de saudade pela perda de Zé Carlos, embora já se tenham passado quarenta e seis anos que tal se vivenciou. Para José Mário, Zé Carlos era o irmão que levava para cortar o cabelo; que o trazia do Brasilino Viegas, fazendo o trajeto pela rua Luiz Viana, no quadro da sua bicicleta; por quem ele brigava com quem mangasse da cegueira do irmão; com quem corria pela casa, até um dia que caíram um sobre o outro e, Zé Carlos batendo os dentes abertos pelas gargalhadas de ambos, deixou-os gravados no ombro de José Mário, como se fora um carimbo para manter viva a sua memória no corpo do irmão.

Professor José Jorge Andrade Damasceno

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Dez anos completos - Saramago e sua entrevista - Damasceno e suas impertinências.


 TODOS OS PECADOS DO MUNDO[1]

Expresso: - Achei este livro difícil. E muito duro. Trata-se de uma alegoria. Toda esta gente cega representa a humanidade? Que projecto é o do livro?
José Saramago: - Espero que o leitor sofra tanto como eu sofri. Bom, quero dizer, este livro fez-me sofrer muito, não pelas dificuldades da narrativa, que as teve, mas pelo tema. De todos os outros livros que escrevi só um me produziu um mal-estar físico assim, mas numa única passagem. Foi o _Levante do Chão_, na parte que descrevi a tortura e a morte do Fernando Vidigal. Este livro nasceu como os outros, e parece que já não tenho outra maneira de os escrever de forma inesperada. Foi em setembro de 1991, no meio tempo entre o acabar-se e o publicar-se o Evangelho segundo Jesus Cristo, quando me apeteceu a ideia, estava eu no restaurante, na Varina da Madragoa, pensando em coisas vagas. Apresentasse-me o título “Ensaio sobre a cegueira”, com o embrião do que podia ser: toda a gente cega.
Exp. - Não há uma relação entre o título do livro e o teu episódio de desprendimento de retina, em Roma, o medo súbito da cegueira?
J. S.: - É impossível dizer que não tem nada que ver, mas não vem daí.
Exp. - Pensei mesmo que o mar de leite de que falas no livro reflectisse a tua experiência de cegueira momentânea.
J.S.: - Não, não! Essa ideia aparece em quem tem conhecimento desse episódio do desprendimento da retina e da operação que se seguiu, mais nada. Não tem que ver.
Exp. - A minúcia com que descreves certas maleitas da especialidade da oftalmologia, no livro, pensei que também vinha daí, a amaurosem, e por aí a fora.
J.S.: - Fui às enciclopédias, está tudo nas enciclopédias.
Exp.: - Imaginei-te a arguir como um hipocondríaco, como o teu médico. Eu nunca tinha ouvido falar na “amaurose”. Como é que partiste do título para o resto do livro?
J.S.: - Não cheguei a tento. E nem eu tinha ouvido falar de amaurose. Quando o título me veio, ele já contemplava a situação em que todas as pessoas seriam cegas. Quando se passa ao concreto, começam as dificuldades. A minha foi - e fez-me parar e destruir folhas, que reutilizei noutro contexto - sustentar o tema. Desenvolver uma espécie de processo acumulativo de consequências até chegar às consequências finais. Mas isso não chegava, e tive de parar, parar num estado de perplexidade. Saí disso quando compreendi que tinha que transformar esse macrocosmo num microcosmo, onde seria mais fácil analisar as transformações decorrentes da cegueira geral. Esse lugar é o manicómio onde toda a gente cega - na primeira fase da epidemia, chamemos assim, - é encerrada, para ver se é possível controlar o mal. Quando os que estão dentro passam para fora, encontram um mundo onde todo o mesmo processo se desenvolveu, mas sem encerramento.

Exp.: - Anda por aí “A Peste”, de Camus?
J.S.: - Não, não existe paralelo. Situações destas de "HUIS-clos", aparecem na literatura. Trata-se de uma alegoria, transparente, e trata-se da humanidade. Se me falares em ética, digo-te que é um livro frontalmente ético. Sendo nós uns animais racionais[2], é duvidoso se estamos a usar, desde sempre, a razão que nos é dada.
Exp. - Que nos é dada? Por Deus?
J.S. - Não, a expressão não tem sentido, a razão que se construiu ao longo de uma evolução biológica e cultural. Não temos um comportamento racional, e isto vem na continuação de um livro que é praticamente contemporâneo de todas estas preocupações: “In Nomine Dei”. Não me parece que o modo como tudo isto funciona seja conduzido pela razão. E o modo que encontrei de tornar isto visível foi o declarar que somos cegos[3] e encontrar uma situação em que é inevitável que a razão deixe de funcionar e todos os instintos, a começar pelo de sobrevivência, despertam. Por que que a cegueira é branca? Talvez para dizer que aquela cegueira não é cegueira.
Exp. - Pretendes dizer que basta uma ruptura, uma coisa muito simples, como o medo, para o animal tomar conta do homem?
J.S.-    Onde vamos parar? Em que direcção vamos? Este livro não deterá a humanidade ou as pessoas da minha rua numa direcção supostamente errada, mas a coisa apresentou-se-me porque andava a preocupar-me.
Exp. - A barbárie?
J.S. - A barbárie. Como, ao fim de séculos de civilizações, estamos perto da barbárie. Apesar da beleza e do pensamento, a tentação da barbárie. Não é preciso ir aos campos nazis ou ao "gulag", a barbárie está aí, no Ruanda, na ex-Jugoslávia... E são apenas does exemplos que ocupam mais espaço nos telejornais. Todos os horrores que descrevo e que deixarão o leitor desconcertado - dirá: "este não parece ser o autor que eu conhecia" - estão neste momento a acontecer: no prédio ao lado, na rua ao lado, em qualquer lugar. Roubos, violações, mortes, são o pão nosso de cada dia.
Exp.- A violência sempre existiu. Por que que te apeteceu escrever um livro violento sobre a violência? Por que é que te apeteceu meter nas palavras esta violência concentrada? Perdeste por completo uma confiança na natureza humana que tinhas nos teus princípios como escritor? Deixaste de vera poesia na natureza humana? Que descrença é esta?
J.S.- Não creio que se possa dizer que há nos meus livros anteriores esta confiança na natureza humana. Há um certo cepticismo irónico misturado com uma atitude de paixão; tudo isto envolvido numa certa poesia.
Exp.- Não digo que há muita confiança; há, pelos menos, alguma. Substituída pelo pessimismo puro?
J.S.- Talvez eu tenha achado que a ironia não chega, só roça a superfície das coisas. Era necessário ir mais longe, não porque eu tivesse decidido depois de ter escolhido o tema, mas porque o tema impunha. Este livro foi escrito com um rigor, uma lógica inatacável. Considera muitas das consequências que resultaria se a humanidade cegasse. É um livro onde não há imaginação. Só análise fria[4].
Exp.- É um livro muito gráfico. E que não solta o leitor, sem pausas, num crescendo.
J.S.- Não quis soltar, não há tempos mortos, há um crescendo até ao momento em que saem, quando a tensão se torna mais ampla, menos concentrada. Quando eles saem do manicômio, o livro caminha para o seu fim.
Exp.- Eles recuperam a vista. Como autor, por que é que escolheste este caminho? Uma lágrima de optimismo? É possível recuperar a visão?
J.S.-   Quis que eles saíssem daquilo como quem sai de uma experiência. Eu acho que sim, que é possível recuperar a visão. E o fim do livro aponta para aí.
Exp.- A mulher do médico, uma personagem que conduz o livro, vai cegar, ou melhor, pensa que vai cegar quando todos veem. Quem é esta personagem, qual o seu papel?
J.S.- Ela é irmã gémea da Blimunda. A outra vê o que não se vê, vê através da pele, e esta vê o mundo que os outros não veriam se não fossem cegos[5]. E é uma mulher dotada de uma certa sabedoria, não tão misteriosa como a Blimunda, mas é a sabedoria da mulher madura que é a única que vê e que sabe que a todo momento pode também cegar. E pode desejar cegar, por não aguentar os horrores que tem de ver. A mulher, que não foi tão premeditada assim, aparece quando eu tenho necessidade de uma personagem que conserve a visão. Preciso, como estímulo gramático, que a mulher vá dizer que também cegou para poder acompanhar o marido, o médico. A mulher não estava na minha cabeça no princípio do libro, e só a fui buscar quando precisei dela.
Exp.- Quando ela aparece, não me pareceu que se tornasse uma personagem fundamental e que fechasses o livro com ela. Pensava que fecharias o ciclo como homem do princípio do livro, o que cega no semáforo.
J.S.- O livro passou por duas hipóteses de remate, e esta era uma delas. Pu-la de parte quando a figura feminina já tinha uma função, para mim era claro que ela cegaria quando todos recuperassem a vista.  Mas era um remate muito pessimista.
Exp.- A solução foi a ambiguidade?
J.S.- Perguntei: por que é que ela haveria de cegar quando toda a gente recuperasse a vista? Ela olha o céu e vê-o todo branco, mas baixa os olhos e verifica que a cidade ainda lá está. É esta a frincha de esperança que eu abro.
Exp.- A tal lágrima de optimismo? Como leitora, achei que a cidade estava, mas podia desaparecer; estava ali, mas pela última vez. Achei que ela ainda podia cegar.
J.S.- Não lhe chamaria optimismo, simples esperança. A tua leitura é uma leitura, mas eu acho que não, que a cidade não desaparece. E que o mundo vai mudar. O que o autor quereria é que o mundo fosse mudado. Se este livro aparece nesta altura da minha vida, que é de idade avançada...
Exp.- Mas que é uma altura de felicidade e de plenitude.
J.S.-    É, de facto, de plenitude pessoal e profissional, de felicidade familiar e afectiva, a saúde não posso desejar melhor... Estou em paz, mas se me perguntarem, de uma forma directa, você que é feliz como é que vem escrever um livro destes? A minha resposta é simples: eu sou feliz, mas o mundo não é. Senti que este livro tinha de ser escrito. Nunca nenhum livro se me apresentou tão imperiosamente como este e me fez sofrer como este.

Exp.-    A violência verbal do livro, que é controlada pela mestria narrativa, encerra uma revolta, uma rebelião total. Como é que encaras, já que falas em idade avançada, a tua morte? Sabendo que alguma imortalidade está assegurada pelos livros? O homem está pacificado, mas o escritor não está, ou é o contrário? Quem fala aqui com esta violência?
J.S.- Quem fala com essa violência sou eu, a pessoa que eu sou. O José Saramago sentiu a necessidade de dizer estas coisas. A morte é uma injustiça. A morte vem sempre cedo demais. Mas quando olho para as idades anteriores e vejo com que facilidade se morre e com que variedade de causas, verifico como é fácil morrer. Há um morrer de cegueira[6], que é um morrer de quem não usa a razão* para viver. Usamos a razão para destruir, matar, diminuir a nossa franja de vida. E é essa espécie de indecência do comportamento humano, orientada pela exploração do outro, da sede do lucro, da ambição do poder, que conduz à indiferença e ao alheamento[7]. Ao desprezo do outro. Se a ética não governa a razão, a razão está-se nas tintas.
Exp.-   Nos domínios da abjecção causada pela pobreza, a ignorância, a violência física, é possível falar de ética? Como aceder a um comportamento ético quando se vive no bairro da lata, na miséria? A ética está vedada aos desmunidos, ou representa para eles um esforço maior. E a vida fica muito semelhante ao teu manicómio de cegos.
J.S.- Pois está. Eu não vou ao bairro da lata pedir que se comportem eticamente.
Exp.- Essa é a injustiça do mundo? Ou é a dos que podendo ver, resolvem ficar cegos[8]? A dos ricos e poderosos?
J.S.- A injustiça do mundo é a dos que, podendo ver, cegam os outros[9], retirando ao ser humano a possibilidade de se desenvolver[10]. Não compreendo que uma sociedade que dispõe de meios científicos e tecnológicos de toda a ordem, não resolva certos problemas. A minha forma de me insurgir é este livro, e eu não seria capaz de o fazer de uma forma directa, porque a isso assisto todos os dias na televisão, isso posso ler nos jornais e revistas. Há no livro uma passagem no livro em que, falando de qualquer coisa que é horrível, digo isto: - “porquê a palavra [horrível]?” Não deveríamos precisar do adjectivo. Bastaria enunciar o horror, e a sua percepção seria total. Às vezes, as palavras que usamos para compreender certas coisas acabam por ocultar essas coisas. Talvez por isso eu tenha recorrido à alegoria: o leitor sentirá mais a situação desta forma transposta. Este livro é um livro indignado.
Exp.-   A escrita deste livro é extrema. Como é que se escreve um pesadelo? Disciplinado como és, saías de escrever este livro e ias jantar, passear ou ouvir música? O que escrevias não ia ficando dentro da cabeça, sem conseguir sair de lá?
J.S.- O tempo da escrita, sobretudo nos últimos tempos, foi de sofrimento, de momentos em que me sentia incapaz de aguentar aquilo que estava a escrever. Metade do livro foi escrito entre junho e agosto, embora o livro tenha sido de gestação lenta. E foi um livro que sofreu as vicissitudes da minha vida nos últimos anos, a segunda operação ao olho esquerdo e a mudança para Lanzarote. Quando fui para Lanzarote, levava comigo quinze páginas. Estou lá desde fevereiro de 93, e o livro foi-se acumulando lentamente, com viagens e interrupções. E foi terminado em estado de convulsão. É um livro que eu vivi. Habitualmente, eu trabalhava da parte da tarde, mas compreendi que não podia trabalhar até às oito ou nove da noite. ficava exausto e sem dormir. E passei a trabalhar de manhã. Sentava-me à mesa do almoço num estado miserável, tendo que lutar para comer. A certa altura, cheguei a dizer: não sei se consigo sobreviver a este livro. Foi como se tivesse dentro de mim uma coisa feia, horrível, e tivesse que sacá-la. Mas não saiu, está no livro e está dentro de mim.
Exp.- Que nome darias a esta coisa feia? Desespero?
J.S.- Gostaria de dizer, mas uma só palavra não dá. Não sei. Não compreendo mundo. Descobri que existe a palavra moral, que existe a palavra imoral e a palavra amoral. Existe a palavra racional, irracional, mas parece que não existe a palavra a-racional. Nós somos seres a-racionais.
Exp.- Sem hipótese de redenção?
J.S.- Esta palavra está tão carregada.
Exp.- De significado religioso. Já que falamos de Deus, o livro convoca-o muitas vezes, nomeia-o, e paira sobre o romance a sombra de Deus. Uma sombra conhecida.
J.S.- Levamos vida rodeados da palavra Deus.
Exp.- Não existe no ser racional e não crente uma nostalgia de Deus?
J.S.- Este ser que é racional e não crente, eu, nunca teve qualquer nostalgia de um Deus que nunca teve e nunca foi seu. Mas tenho a consciência da negatividade do conceito de Deus na relação entre os seres humanos. Ele é um empecilho. Ainda agora fomos ao Zambujal, e a Pilar quis passar por Fátima, onde não ia há muitos anos. E lá estavam as mesmas pessoas de joelhos, pagando alguma promessa. É completamente absurdo que uma Igreja - Cónegos, Bispos, Cardeais, papa - permita que alguém se arraste de joelhos para pagar uma promessa. A primeira coisa que Cristo faria, com certeza, seria levantar aquelas pessoas do chão.
Exp.- Se a religião rouba a dignidade à pessoa humana, o que é que lhe pode restituir dignidade? O comunismo é uma forma de restituição da dignidade à pessoa humana?
J.S.- Podia ser.
Exp.- Ou podia ter sido?
J.S.- Podia ter sido, não foi. E a prova é que o homem novo que nos foi anunciado não se encontrou facilmente. Esse homem novo não nasceu e provavelmente não nasceria. Não é possível transformar o ser humano.
Exp.- Para ti foi uma desilusão?
J.S.- Posso chamar-lhe uma desilusão, que mostra até que ponto a minha _e a de muita gente_ ingenuidade.  O homem não pode viver fora de uma sociedade, e, contudo, tudo o que fazemos tende a destruir a relação interna da sociedade. Queremos a sociedade como uma abstracção que funcione e que facilite a nossa vida, considerando todos os outros como adversários, inimigos ou competidores.
Exp.- Essa visão não é demasiado estreita?
J.S.-   O mundo está aí diante dos olhos.
Exp.- Mas não existe uma tensão entre a bondade intrínseca do ser humano e a sua maldade, uma tensão que equilibra as coisas? Não há, no mar encapelado do mundo, ilhas de serenidade, lugares de esperança?       
J. S.- O ser humano não é intrinsecamente bom nem mau.  O que verifico é que a bondade é mais difícil de alcançar e de exercer. E bem e mal são conceitos demasiado amplos. É mais fácil ser mau, mau nas suas formas menores, mau em tudo aquilo que nos afasta do outro, do que ser bom. A sabedoria popular, que cito muitas vezes, inventou essa frase egoísta: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti. Toda a ética está contida nesta frase; ela é uma regra de conduta suficiente. Claro que tudo isto é uma utopia e o autor é um tonto.
Exp.- O livro seria o contrário de uma utopia. O que temos nele é uma distopia.
J.S.-    Cansei-me de entregar a resolução dos problemas da humanidade a um futuro qualquer, a uma utopia. A um futuro ao qual não chegarei. Um dia o homem será irmão do homem, um dia, um dia... Não! Eu creio que temos de começar a pôr a questão ao contrário.
Exp.-   O facto de não acreditares num futuro ou na esperança que ele obtenha pelo facto de a ele não chegares também é um propósito egoísta.
J.S.- Seria bom que fosse possível, mas não acredito. Por causa do estado actual do mundo. No fim do século XX, é obsceno que se possa morrer de fome.
Exp.- Antes desta entrevista contaste-me que viste perto do Zambujal pegadas de dinossauro.
J.S.- Com 175 milhões de anos.
Exp.- ora bem, a passagem do homem sobre a terra _e vamos falar darwianamente e não religiosamente_ corresponde em tempo, ao piscar de olhos de um dinossauro. Ela é menos que precária. E quando destruirmos tudo, provavelmente nem a pegada deixaremos atrás, para o que vier depois, se vier. Já observaste a tua indignação a uma luz um pouco mais, digamos assim, cómica?
J.S.- Não sei até quando duraremos, mas, então, o que dá vontade de dizer é que nada valeu a pena.
Exp.- Mas isso equivale a pôr nos braços do homem toda a esperança do mundo, uma esperança impossível. Ele tem de saber, ao contrário das outras espécies que dominaram a Terra, que não pode desaparecer, o que é irrelevante para a evolução biológica e relevante para a religião. Esse ponto de vista ainda é religioso.
J.S.- Eu gostaria que o homem conhecesse um estado de felicidade, mas não consigo imaginá-la no plano colectivo.
Exp.- A felicidade não é um dado biológico.
J.S.- Gostaria de acreditar que à humanidade se ofereceram, ao longo da sua história, diversos caminhos. E que, se em lugar de termos tomado um, tivéssemos tomado o outro, quem sabe se não viveríamos melhor? Melhor uns com os outros. Criámos relações determinadas pelo poder. E pelo dinheiro.
Exp.- Que mundo é este, o do fim do milénio?
J.S.- Um mundo com duas tendências contraditórias:  a globalização e a fragmentação. Um homem está em sua casa, afastado de todo o contacto humano, podendo chegar com o computador, o modem, o fax, a todos os lugares. Cada vez mais perto de tudo e mais longe de tudo. A tecnologia permite-nos ter tudo em casa sem sair dela. E se eu não estiver satisfeito com a realidade, posso viver noutra realidade, a virtual.       
Exp.- Mas enquanto uma parte da humanidade avança triunfalmente para o novo milénio, outra parte da humanidade, maior, é excluída para sempre do novo conhecimento. A distinção do futuro não será entre os que têm o conhecimento e os que não têm? As novas hordas de ignorantes estão a ser criadas.
J.S. - Nunca o fosso entre os ricos e os pobres, e entre o saber e o não saber foi tão grande. Isto é assustador. Há poucos dias tivemos a revelação da nossa ignorância com o relatório sobre a literacia.
Exp.- Surpreendeu-te, a ti, que cresceste no país de Salazar?
J.S.-   Surpreenderam-me os números. E que vinte anos depois isto esteja na mesma. Cinco milhões e setecentos mil analfabetos funcionais, mais de metade da população.
Exp.- E o facto de muitas pessoas não poderem estudar por não terem dinheiro?
J.S.- A minha vida não é para aqui chamada, mas eu sou um desses casos. Tive de sair do liceu Gil Vicente, porque não havia dinheiro, e ir para a Escola Industrial Afonso Domingues, onde só se pagava cinquenta escudos por ano. E quando chegou ao fim do curso, acabou-se. Não se continuou. Em vinte anos de democracia, o que é que mudou? E o inquérito pára nos vinte e quatro anos, abrindo perspectivas aterradoras para o que vem depois. Eu pergunto: como é que estão os instrumentos de comunicação entre esta sociedade? Como é que os cidadãos comunicam uns com os outros, quando mais de metade da população é assim? O que é que os informa?
Exp.- O grande meio de comunicação é a televisão. Tens visto televisão portuguesa?
J.S.-É qualquer coisa de definitivamente repugnante. Talvez seja necessário dizer em voz muito alta que a televisão não e, nem pode ser, a reger-se pelo lucro e as audiências, aquilo que dela se esperava. E lá fora já o tínhamos visto.
Exp.- Somos o país europeu que menos gasta com a cultura e o lazer, e um dos que mais veem mais horas de televisão.
J.S.- Se a televisão é a janela para o mundo, e se a janela é como é, as conseqüências estão tiradas. Como é que este povo de analfabetos vai viver sem se tornar, em relação à Europa, um país de dependentes? Toda esta glória pseudodesenvolvimentista com que se adornou o cavaquismo, com a cumplicidade da maior parte das restantes forças políticas... Eu quero ver agora para além das diferenças estéticas entre o modo de governar P.S. e o modo de P.S.D, que outras haverá. Se as houver.
Exp.- Há indignação em Portugal? Ou conformismo?
J.S.- Perdemos a capacidade de nos indignar. Este é um livro indignado.
Exp.- Mas há quem se indigne com tua indignação, considerando-a deslocada.
J.S.- Aos meus inimigos eu diria que há muitos mais motivos de indignação para que eles se entretenham a indignar-se sem ter de indignar-se comigo. Li há bem pouco tempo {O Conde d'Abrunhos} e disse para mim mesmo: é o meu país em 1995. Os escritores não podem salvar a pátria, pobres de nós, mas como portugueses não podemos estar calados. Julgámos que a democracia resolvia tudo. Um deserto onde clama uma voz já não é um deserto. Nunca atingimos, mesmo nos tempos negros[11], um grau de conformismo como aqueles em que estamos hoje. Deixou de haver inquietação e, pior, contestação. Só há contestação parcial: os estudantes contra as propinas, os ambientalistas contra não sei quê...
Exp.- O teu "exílio" em Lanzarote não te fez perder a benevolência para com o país? Um certo azedume...
J.S- Não há azedume nem ressentimento. E não tenho que ter benevolência para como país que é o meu.
Exp.- Que país vês da tua ilha?
J.S.- Eu poderia voltar a este país, e poderia nele viver e escrever, mas não tenho motivo para regressar. Estou bem onde moro. Se há ressentimento e azedume, tenho projectos claros e definidos. Como o que me levou a dizer há dias que, se o Sr. Cavaco e Silva fosse eleito Presidente da República, a primeira coisa que eu faria seria escrever para os serviços da Presidência para fazerem o favor de retirar o meu nome dos ficheiros. Porque ele foi primeiro ministro de um Governo que censurou um libro. Mas não será presidente, não será.
Exp. Onde é que está, para ti, a esquerda em Portugal?
J.S.- Está onde está o Partido Comunista. E alguns grupúsculos, como o “PSR”. O resto, se quiserem chamar-lhe centro, chamem-lhe centro.
Exp.- O que quer dizer que as pessoas votam no centro.
J.S. - Exacto. E que a travessia da esquerda continua, e se calhar continuará, e continuará.
Exp.- Falando dos {Cadernos de Lanzarote}, o segundo volume teve uma recepção crítica negativa. Eu mesma, por causa do que escrevi sobre o primeiro volume, sou referida com acidez. És acusado de não ver o mundo que te rodeia, de seres cego[12] para ele, e só te veres a te mesmo como centro do mundo. No entanto, o {ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA} reporta-se ao estado do mundo, e tu mesmo só falas do mundo.
J.S.- Se este livro não estivesse na cabeça há quatro anos, talvez dissessem agora que eu corri a escrevê-lo para não dizerem que não reparo no mundo. Mas é-me completamente indiferente que o vejam e que o reconheçam. É fácil dizer que os {Cadernos de Lanzarote} são inferiores aos meus livros.

Exp.- É uma evidência...
J.S.- É uma evidência. Mas é muito mais fácil; isolar o que é mundano e social numa escrita daquelas do que escrever o que escrevo. O volume três há de sair, e está prometido que será inferior ao {Ensaio sobre a Cegueira}.
Exp.- A tua escrita nos {Cadernos} é seca, porque tu és seco e avesso a efeitos dramáticos. Mas este livro tem uma enorme carga dramática, deliberada.
J.S.- Exacto, ele é o reflexo do dramático estado do mundo[13]. Eu sei que há auroras resplandecentes e passarinhos que cantam, mas este é o estado do mundo. Ele é assim.

     Fim da entrevista.

     VER PARA QUERER[14]

Toda a gente cega. Eis a proposição do romance de José Saramago. A cegueira traz consigo a desordem social, como se pela porta aberta pelo medo, entrassem os animais soltos que vivem em nós acorrentados pela razão[15].
“Ensaio sobre a Cegueira” é um livro duro, de uma violência verbal que vai desorganizando o mundo até o reduzir a um lugar de escuridão[16], onde entra com timidez, aqui e além, um raiozinho de sol[17]. É como se o autor não ousasse escrever a felicidade ou a sua hipótese[18].
Por que um livro assim? José Saramago escolta o livro numa indignação e num projecto ético[19]. A necessidade de transcendência, que se inscreve numa linha de coerência anterior e pessoalíssima _ lutas que ele vai entretendo com o Homem e a sua ideia de Deus,  ou com Deus  na sua ausência de Deus, que faz cair nos magros ombros do Homem a responsabilidade final pelo seu destino _ leva-o agora à negação do humano depois de ter negado o divino. Não é uma ideia nova, mas é uma ideia concretizada com um desespero desconhecido.  Trata-se do juízo final da razão[20], que deixa de governar racionalmente _ e sustenta-se o paradoxo _ para desgovernar com os instintos da besta[21]. Neste sentido, o livro é um livro negro[22], uma travessia do pesadelo que leva o leitor pela mão, sem desfalecimento ou pausa, até o lançar no último círculo do inferno. José Saramago, como Virgílio guiando Dante, leva-nos pela mão através dos caminhos da humana comédia, que a "epidemia" de cegueira transforma em tragédia[23].  A alegoria é eficaz, sem se confundir com fantasia ou excesso metafórico. A narração, apertada nas malhas de uma técnica que não se autoriza uma desatenção ou um erro, avança em crescendo, até o desenlace que começa onde termina a concentração dos primeiros cegos no manicómio.
O horror da vida em clausura é um horror que os escritores apreciam e do qual sabem extrair efeitos dramáticos, sobretudo os escritores do século XX. Camus e a sua {Peste}, em forma colectiva, Kafka e o seu {Processo}, em forma singular. O que estes livros nos dizem é que o homem é o animal do homem, coisa que suspeitávamos antes e depois de Auschwitz.
Pergunta-se: donde vem, no escritor José Saramago em fase de plenitude, tanta inquietação? "Eu sou feliz, mas o mundo não o é", responde.
Depois de “O Ano da Morte de Ricardo Reis” - o romance que prefiro - José Saramago tem caminhado sobre as rosas do sucesso e evitado o tapete dos infortúnios. E queira-se ou não, um escritor precisa para escrever de alguma infelicidade e sofrimento. Nem toda a mestria técnica salva a falta de visão[24]. A visão quando aparece vem carregada de nuvens.          Vezes me interroguei sobre a possibilidade de escrever sendo feliz, completamente feliz. Nunca acreditei nela, na militância que põe palavras no papel como outros põem dinheiro a render. O que é que sobra ao fim de tantos caracteres por dia, cama, mesa e roupa lavada? Livros inúteis de que está o mundo cheio. Deem-me um grande escritor, ou pelo menos um sério escritor, que seja feliz o tempo todo.  Um só. O Bach da literatura. Na esquina do caminho aparece, na vida do autor _ que nunca se escusa enquanto tal _ este {Ensaio} sobre os pecados do mundo sem o cordeiro de Deus que tem piedade de nós.
É tentador associar a esta teoria uma outra, a da derrocada do comunismo como momento de desilusão para um comunista de convicção. Ou a do avanço da morte sobre uma existência mais cheia do que nunca, uma morte que fazendo sentido _ ele mesmo o diz _ não deixa de ser {sempre} prematura e injusta. Mas, não reconheço nestas duas preocupações do egocentrismo a matriz de “Ensaio sobre a Cegueira”.  No romance vejo a génese de uma indignação que muitos acharão desnecessária e absurda, e que se entende à luz do evangelho segundo José Saramago. Dir-se-á que o livro é denso, que é difícil, ou que é mais ou menos legível. A legibilidade não é uma categoria literária, no sentido em que não condiciona as empatias do leitor. Quem gosta de José nuca o achará ilegível. {Ensaio sobre a Cegueira} é denso, e a sua dificuldade é uma dificuldade de acompanhamento do ritmo e de mimetismo. Quem não gosta do estilo e da voz de José Saramago, e abomina as constantes interjeições da voz narrativa, não é por este livro que vai começar a gostar. 
Um romance não é um entretenimento, é uma prova da língua portuguesa. Ao contrário de tanto que se publica para aí, adjectivo e rasteiro e a que se dá o nome de romance, o {Ensaio} oferece substância. Uma língua cheia de ressonâncias e imagens, uma língua que já não se fala e pouco se escreve.  No estado em que anda a língua portuguesa _ não sejamos cegos[25] _ é bom saber que ele, como a cidade do romance,  ainda ali está.
         CLARA FERREIRA ALVES


[1] Artigo transcrito da revista “Poliedro”, n.o412, novembro de 1995, Pp. 31/62, edição em braile. O texto original em tinta da entrevista de José Saramago, concedida a Clara Ferreira Alves, foi publicado na revista EXPRESSO de Lisboa, Portugal, em , 28 de outubro de 1995.

[2] é preciso ter atenção para o que o autor enfatiza, o fato de serem os homens "animais  racionais". Isto é, aqueles que devem ver, que veem, mas sobretudo,que pensam...

[3] Ele aponta para a idéia de que “quem não vê (é cego), não arrazoa; não racionaliza; não age razoavelmente.
[4] Esta frieza quereria dizer imparcial, isenta???
[5]  "[...] vê através da pele o que os outros veriam se não fossem cegos “. José Saramago começa a mostrar sua teoria de cegueira como sendo sinônimo de “irracionalidade” e como sendo a falta de percepção do que está ao seu redor, diante do seu nariz, o que, convenhamos, é uma posição equivocada e estereotipada.

[6] Aqui ele deixa cada vez mais claro seu conceito de cegueira, relacionando-a com a falta da razão". "Morrer de cegueira" seria uma forma de dizer que por ser "cego “o homem se digladia consigo mesmo e com aqueles que lhe rodeiam. Na verdade, não é por ser "cego" que o homem se destrói a si e aos outros, mas sim, por ser egoísta. Será que José Saramago também considera a cegueira como sinônimo de egoísmo? Aí o equívoco torna-se maior.

[7] Ele continua na mesma linha de raciocínio, ligando desta vez a cegueira à falta de ética, agora mais explicitamente ao egocentrismo da pessoa humana. Qual seria a razão cultural que teria levado José Saramago a escolher esta palavra para ilustrar tanta coisa diferente? Qual seria o seu real conceito de cegueira???

[8] Cego aqui tem o sentido de indiferente, insensível. Desde quando o ser cego, significa ser indiferente, insensível? Qual a razão desta ideia? Como todo o ser humano, obviamente, existem indivíduos cegos que são indiferentes, apáticos, insensíveis..., mas e aqueles que vêm que possuem uma ou mais destas características, como rotulá-los?
Convem salientar que a fala é da repórter Clara Alves.
[9] Sendo indiferentes e insensíveis, tornam os outros indiferentes e insensíveis. Portanto, persiste a mesma ideia.

[10] Aparece aqui outra acepção de “cegueira”, a de “atrasado”, não “desenvolvido”.
[11] Obscuros, fechados, difíceis. Se se pode encontrar tantas palavras para expressar esta situação, porque então usar-se "negro" para retratá-la???

[12] O sentido aí é de percepção, usado pela jornalista, como sendo a forma como os críticos analisam Saramago.

[13] “O "estado do mundo“ é o estado de "cegueira", compreendida em todos os sentidos utilizados por José Saramago: a-racional, a moral, egoísta, insensível, indiferente.

[14] Agora é a jornalista quem fala. Mantém o mesmo modo de compreender a cegueira. "ver para querer" remete ao jargão popular que diz "o que os olhos não veem, o coração não sente", para alguns e "[...], o coração não deseja", para outros. Assim se fala, se pensa e se age, como se o sentir ou o querer, dependesse única e exclusivamente do ver. É como se toda a percepção humana fosse possível e factível apenas a partir da visão, ou se restringisse a este único sentido. Note-se que esta não é uma forma particular, individual de pensar; trata-se de uma forma socialmente construída, fortemente arraigada e vigorosamente implantada na sociedade, sobretudo, na cultura ocidental. Esta visão de mundo, esta construção “milenar”, não tem fronteiras, sejam elas geográficas, culturais, econômicas, sociais, ou geracionais. Atrever-se-ia a chamá-la de "estrutura de longuíssima duração", conforme postulou Fernand Braudel (1902-1985).

[15] Aparece mais uma vez a oposição entre a "cegueira como sendo a "desordem social “e a razão, como aquela que dá o equilíbrio, como quem regula a sociedade, ou seja, como sendo a maior das virtudes, dos que não são "cegos".

[16] Sinônimo de cegueira. Por quê?
Sinônimo de cegueira. Por quê?

[17] Sinônimo de visão. Por quê???

[18] Uma nova e mais contundente acepção para "cegueira": infelicidade. Este é um conceito muito arraigado nos meios populares. Quantas vezes já não se ouviu falar que "a pior coisa do mundo é ser cego”? Ou então: “É melhor ser aleijado, pelo menos vê..."?

[19] Cegueira como sendo falta de ética, ou causada pela sua falta? Quem não é ético é cego? Ou o seu contrário: quem é cego não é ético?

[20] Outra vez a ideia de cegueira como falta de razão.

[21] sinônimo de bestialidade, ações humanas governadas pelos instintos - animalidade em sua plenitude -, barbárie... Onde chegamos...!
[22] A ideia de “negro” como triste; pesaroso; acabrunhante – além da acepção de “obscuridade”, já apontada em nota colocada páginas atrás.
[23] Cegueira aqui, bem como em toda a obra agora analisada pela jornalista portuguesa, aparece como doença contagiosa, epidêmica, conservando o sentido social da expressão.

[24] Visão aqui, aparentemente, quer dizer percepção. O que,conforme tanto o escritor apresenta em sua obra, quanto a analista entende daquela obra, é uma “ferramenta” que o cego não possue.

[25] Não insistamos em não perceber; ou não insistamos em não querer ver.