Histórias e memórias de uma amizade – Parte I.
O ano era 1998 e o mês era maio. Este escrevedor
encontrava-se em Salvador, hospedado em casa de Marilza, por ocasião de uma
jornada promovida pelo programa de Pós-graduação em História, que se realizaria
na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA – provavelmente um
minicurso - e, por razões de logística, fez-se necessário encontrar onde
permanecer por alguns dias na cidade de Salvador.
Após o regresso das atividades em São Lázaro, voltava para a
casa onde gentilmente fora hospedado e, depois de bom café com a sua
proprietária, memoráveis momentos de boníssima prosa.
Este escrevente conhecera pessoalmente a sua anfitriã,
sobretudo, a partir da sua experiência com o Dosvox; ela já era conhecida dele,
há alguns anos antes, quando intentara realizar um curso de programação que ela
ministrara na Biblioteca central do Estado, que o cronista não conseguira acompanhar,
por pura dificuldade de compreender as formulações matemáticas inerentes à matéria
em questão.
Marilza, por sua vez, conhecera o hóspede pessoalmente pouco
tempo antes, quando a seu convite, viera até a grande Alagoinhas, prestar-lhe
auxílio no amanho do Dosvox.
Dito isto, volte-se ao seu apartamento, situado em
Amaralina, no andar térreo do edifício Quineret. Entre as diversas digressões e
divagações entabuladas na prosa que transcorrera em sua sala de estar, surgiu
um nome com o qual este escrevedor já estava familiarizado, por conta de ler
suas proposições nas “listas” que passara a tomar contato por meio da internet,
ainda em processo de implantação/popularização, principalmente entre as pessoas
cegas, que passavam a ter acesso ao seu conteúdo, a partir do sistema Dosvox – instrumento
por meio do qual o cego passava a ter a possibilidade de utilizar o computador,
até então, só possível para aqueles cegos que fossem programadores -, também em
processo de desenvolvimento.
Impressionado com a profundidade e clareza dos seus textos,
sabendo que a anfitriã era sua colega de profissão e, gozava de prestígio junto
ao recém-constituído mestre, este cronista manifestou interesse em travar
contato com aquele cego, brilhante e, que acabara de concluir uma dissertação
que, acreditava, o poderia ajudar, como de fato ajudou, na elaboração da sua, ora
em curso.
Ato contínuo, Marilza pega o telefone e liga para o dito,
conversa um pouco com ele e, de chofre, anuncia:
- Maurício, está aqui em casa uma pessoa que tem lido os
teus escritos na lista Dosvox e, se tornou teu admirador. Vou passar o telefone
para ele.
Do outro lado da linha, ouve-se a voz do sujeito que fala
com desenvoltura e desembaraço com o seu interlocutor, como se já o conhecesse
de longas jornadas.
Era nada mais nada menos do que Maurício Zeni, que falava
ali, sem qualquer ar de superioridade; sem qualquer tipo de empostação
e/ou imposição de “lugar”; um humor e uma
genialidade perceptível às primeiras palavras; às primeiras frases.
Nascia ali uma amizade tão frutífera quanto frutuosa, ao
ponto de não ter havido qualquer diferença, quando este garatujador o encontrou
pessoalmente, alguns poucos anos depois daquela apresentação telefônica.
Aliás, aquele encontro será o tema do próximo desfilar de
lembrares.
Como não poderia deixar de ser, há uma música neste
arrazoado. Nas manhãs que antecediam as atividades acadêmicas, eram ocupadas
com a audição de “CDs” encontrados no acervo da anfitriã. E o que se ouviu no
dia seguinte ao papo com Maurício, não poderia deixar de ter sido Chico
Buarque, com a sua magnífica interpretação de “Tanto Mar”.
https://youtu.be/t0y96gpmAzk?si=0ub6uDC5xmMfxleG
Alagoinhas 21 de setembro de 2023.
José Jorge Andrade Damasceno
historiadorbaiano@gmail.com