segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Um escrevedor volta a falar de memória musical I com o rádio ao pé do ouvido.

Um escrevedor volta a falar de memória musical              I com o rádio ao pé do ouvido.

 

 

O ano de 1977 chegou e, com ele, iniciou-se a sétima série. Para tanto, o recém liberto da rotina prisional inerente aos regimes de internato, precisou aprender novas formas de interlocução com os professores, para que pudesse avançar para as séries seguintes. Aprender datilografar em máquinas de escrever comuns, foi uma das tarefas a que se impôs, mas que, por ter um custo que nem ele nem a sua mãe podiam arcar, fê-lo de modo autodidático, além de contar com a colaboração de pessoas envolvidas naquela modalidade de curso, muito em moda à época, como mais tarde, nos anos 1990, foram os cursos de computação.

De posse de um “manual de dactilografia Braille”, ainda na biblioteca do Instituto de Cegos, pela primeira vez, ele tomara contato com uma máquina de escrever comum, uma Olivetti Letera 32, que acabou sendo o instrumento que desde então, o acompanharia até a prova de seleção para o ingresso no Mestrado em História da UFBA, no ano da Graça de 1996, já na etapa relacionada à sua formação superior.

Mas, naquele primeiro momento, evidentemente, ele não dispunha, nem tinha qualquer possibilidade de dispor de uma máquina de escrever. Era o manual em Braille, a sua vontade e, sobretudo, a sua necessidade de dominar aquela técnica de escrita à tinta, que o levara a procurar as escolas de Dactilografia locais, no sentido de obter acesso a alguma máquina que não estivesse ocupada em um determinado horário, para nela procurar exercitar o seu aprendizado, obtido mediante a leitura atenta do mencionado manual.

Tendo enfrentado alguma resistência, não só por razões de ordem monetária, mas, sobretudo, aquelas relacionadas ao pensamento pragmático, fundamentado no fato do pleiteante ser uma pessoa cega, razão pela qual não seria bem-sucedido na prática datilográfica. A tal objeção, o pleiteante argumentava dizendo tratar-se de uma contradição, visto que, o indivíduo que era considerado um bom datilógrafo, era aquele que não olharia para o teclado, enquanto desenvolvesse a sua atividade naquele instrumento de trabalho. Compreendido ou não, o certo é que, de quando em vez, era-lhe concedido usar alguma das máquinas que não estivessem ocupadas em um determinado horário. Desta forma, ele tomara contato com as pesadíssimas Remington, de difícil manuseio; mas também, tomou contato com a Olivetti Linea 42, um primor de equipamento, com o qual logo se identificou, devido a sua leveza e a facilidade de manuseio, no tocante à definição das margens, por exemplo.

Não obstante o fato de não possuir uma máquina portátil – embora ela já existisse, conforme foi dito acima -, alguns trabalhos e, até mesmo algumas provas foram “catamilhografadas” por este escrevedor, o que reduziu um pouco o abismo interposto entre ele e os seus professores, no que tange à comunicação de sua aprendizagem, para que pudesse ser avaliada por eles, sem maiores prejuízos do aluno, visto que, o seu modo de leitura e escrita era o sistema Braille, que, diga-se de passagem – e sendo redundante -, era inteiramente desconhecido dos docentes de então. Muitos deles, pela primeira vez em sua carreira, estavam diante de um aluno cego – quiçá de uma pessoa cega -, nunca tendo visto antes em sua vida, qualquer coisa escrita em Braille – sequer, sabiam ser aquilo uma modalidade de escrita.

Portanto, assim correu todo aquele ano, bem como os anos subsequentes, com os dias amanhecendo e convidando para as novas empreitadas que teriam de ser enfrentadas: idas ao comércio, a fim de encontrar um horário vago e uma máquina sem uso; voltar para casa e se preparar para a tarde chegar no horário das aulas; enfrentar com galhardia as explicações de matemática que não  entravam no “bestunto” e, iam pouco além dos ouvidos...

Mas, para compensar tudo isto e, para repor o ânimo e as energias despendidas, tinha as idas para boa conversa e bons almoços na casa de João ou de Edna – sempre aos domingos -, o excelente prosear com dona Ladi, as visitas à casa de Valter Ramos e o início do aprendizado de violão, com ele e os seus filhos e, claro, as audições de rádio, parafraseando Chico Buarque, na sua ontológica “Meu caro Amigo, “que também sem” a música “ninguém segura este rojão””.

Sim, era com o rádio  ao pé do ouvido que este escrevedor ouvia as notícias – em edições levadas ao ar na inconfundível voz de Manoel Canário – “O rádio Repórter A4” -, bem como na voz de Reinaldo Moura, Donizete Nascimento,  Ary Barros – “o Correspondente Rener” -, entre tantas outras vozes bonitas e marcantes, que, no entanto, acabaram esquecidas no tempo -, as partidas de futebol – sobretudo através de vozes como as de Marco Aurélio, Djalma Costa Lino, Nilton Nogueira, Ney Costa, Fernando José, França Teixeira; bem como as vozes dos comentaristas Edson Almeida, Wilson Lago, Gerson Macêdo, Souza Durão, Genésio Ramos, Virgílio Elísio da Costa Neto, Enaldo Rodrigues, Armando Oliveira; as vozes de plantonistas esportivos como Carmelito Almeida, Gabriel Saraiva, Eurico Tavares e França Almeida; e ainda as vozes de repórteres como as de Adilson Limomge, Jorge San Martin, Martinho Leles, Alvaro Martins. Além disto, também eram ouvidos programas musicais apresentados por Armando Mariane, julho Cezar, Nilda Simon, Tone Cézar, Alberto Lacerda, Valter Costa, Pedro Santiago, Baby Santiago, Ed Carlos, entre tantos outros.

E, o rádio era especialmente colado ao pé do ouvido, para melhor apreciar as músicas tocadas na programação radiofônica da época, que, saliente-se, ainda era o meio pelo qual os cantores conseguiam alcançar o sucesso junto ao público, embora a televisão e as emissoras em “FM”, já estivessem concorrendo bem de perto com as emissoras “AM”. Só a título de exemplo, dir-se-ia que, uma dentre aquelas músicas tocadas no rádio “AM”, Abba, as meninas suecas que passaram a frequentar as “paradas” musicais com suas canções envolventes, embora suas letras fossem quase inteiramente desconhecidas e incompreendidas, cada vez mais fazia parte do repertório obrigatório dos programas de “Discke Jockey”, como se dizia então. Entre elas, a que mais agradara e enchera este garatujador de vontade de ouvir muitas vezes e, fizera com que ele apertasse ainda mais o rádio contra o seu “pé de ouvido”, como se quisesse fazer com que aquela música entrasse no seu cérebro, estava “I Du, I Du, I du, I Du”.

 

https://youtu.be/oVcR_1VPlHY

 

 Aos domingos, algumas emissoras dedicavam especial atenção àquelas músicas que já haviam sido sucesso e, tratavam de fazer com que os seus ouvintes as recordassem. Entre elas, é possível destacar o “Isto foi sucesso”, apresentada por Aristides Oliveira, através das “ondas médias” da rádio Sociedade de Feira de Santana, levado ao público, logo após a apresentação do “Consultório veterinário do doutor Machado”, talvez programa pioneiro no rádio baiano, que levava informação aos produtores do campo, como dizia  o seu apresentador.

Quando se dirigia ao local onde costumeiramente cortava o cabelo, este garatujador aguardava a sua vez, ouvindo aquele locutor bem-falante, de voz bonita, que após informar ao ouvinte qual seria o próximo “número musical”, sempre concluía aquela locução com uma frase chave, que apontava para o nome do programa:

- “Isto foi sucesso”.

Ou, talvez visando dar um pouco mais de ênfase a uma determinada “página musical”, acrescentava:

- “Isto também, foi um grande sucesso”!

Como exemplo para os leitores, escolheu-se uma música cantada por Elizabeth – Não Há Luar Nem Céu Bonito”, gravada em um compacto simples em 1969, tocada inúmeras vezes no programa acima aludido, e que foi um “grande sucesso”!

 

https://youtu.be/16FmxIwnGI0

 

José Jorge Andrade Damasceno – 30 de Agosto de 2021. 

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Histórias e Memórias de uns tempos vividos em Salvador XII – Dez pães e dez ovos!

Histórias e Memórias de uns tempos vividos em Salvador XII – Dez pães e dez ovos!

 

Conforme foi dito no início desta série de textos, morar em Salvador é mesmo uma experiência muitíssimo diversificada no que tange às marcas deixadas na vida e/ou na memória daqueles que a tenham vivenciado. Lugares, cheiros, paladares e, até mesmo sons – sejam os que agradam (como a música), sejam aqueles que desagradam (barulhos de carros e de outros tipos de sons que violentam os ouvidos humanos -, são marcas que ficam armazenadas no rememorar da pessoa que os vivenciou, podendo a qualquer momento ser acionado por algum daqueles “detonadores de memórias”, fazendo emergir um corolário de lembrares, com várias consequências sobre quem lembra, dependendo de cada indivíduo, possibilitando algumas reconstruções parciais do vivido. Como se sabe, Salvador é uma cidade prenhe de sons. Tanto os sons do vozerio das pessoas; quanto os sons dos seus automóveis, vendedores ambulantes, dos seus meninos indo ou vindo das escolas, dos parques ou dos shoppings; é uma cidade marcada pelos quase incessantes ruídos que não conhecem hora ou dia; desde os produzidos pelas fábricas, transportes coletivos, bem como aqueles característicos dos “bêbados da cidade”, como diria a música de Chico Buarque. Mas, nela também persistem os sons dos pássaros, do farfalhar das folhas nas árvores, ainda que quase abafados pela fúria dos outros sons.

Outrossim, sua complexa e diversificada paisagem social e cultural, é uma das marcas do sua polifonia, acrescentado ao seu rico conjunto arquitetônico, plantado em um amplo espaço geomorfológico que a faz ostentar o epíteto de “Cidade de dois andares”, que se mistura com os bolsões de miséria, marcados pelas habitações tão precárias quanto frágeis que abrigam a grande maioria de sua população – as eufemisticamente chamadas de “invasões’ -, ladeados por encraves de riqueza e opulência de sua elite política, econômica e social, que contrasta com a luxuriosa paisagem natural da baía de Todos os Santos, tão fartamente cantada e decantada pelos trovadores, poetas e cantores os mais diversos, em todo o tempo de sua existência como a “Primeira capital” da dominação portuguesa.

Também já se disse que foram três, as vezes que este garatujador vivenciou aquela experiência, em iguais três momentos distintos de sua vida. As duas primeiras, foram vivenciadas involuntariamente, independentemente de sua escolha ou desejo. As circunstâncias e algumas das situações que lhe foram impostas, foram sumariadas neste espaço, mediante algumas reflexões em forma de crônicas, que os leitores desta série já  puderam imaginar, para além daquilo que foi possível fazer emergir da memória, através das letras aqui dispostas.

Assim é que, voltando ao terceiro período que este escrevente residiu  em Salvador, se procurará retomar o fio da narrativa, iniciada com rememorares relacionados ao período que se inicia em um sábado, 04 de julho de 1998 e, se conclui em um domingo, 04 de junho de 2000. Nele, este escrevedor acabou se deparando com a premência de fixar residência em salvador, o que se deu em um conjunto de prédios situado em uma transversal da avenida Paralela, conforme já fora dito no primeiro texto desta série. Tendo iniciado a ocupação do apartamento  no fim daquela tarde de sábado, a noite acabou não sendo dormida. Entre a arrumação das coisas, a passagem no supermercado para ter alguma coisa para comer no domingo e as conversas e risadas entre os consortes, a manhã seguinte os surpreendeu com algum chilrear de pássaros, o que chamou a atenção dele, visto não acreditar que aquela cidade ainda abrigasse algum tipo de pássaro, mesmo que uns poucos.

 Dito isto, pretende-se concluir estas crônicas sobre uns tempos que foram vividos em Salvador, com duas passagens, dentre as várias vividas naqueles quase dois anos de permanência naquela gaiola de concreto.

Havia entre os cegos, sobretudo, aqueles egressos do seu Instituto, o nefasto hábito de chegar de surpresa na casa de algum conhecido, colega ou parente, em horas quase sempre inoportunas e/ou inconvenientes – pouco depois do almoço, ou mesmo um pouco antes; depois de todos os da casa já terem jantado -, não raro levando alguém consigo. Isto, como não poderia deixar de ser, provocava constrangimentos e punha os “visitados” em sérios apuros, visto que os visitantes ali chegados, invariavelmente, estavam com fome – algumas vezes, chegavam de alguma viagem. Não foram poucas as vezes que este que vos escreve recebeu tais visitas, inesperadamente, nos horários acima apontados. Dona Manda ficava indignada, pois, muitas vezes, o que fora colocado para o almoço, fora a conta daqueles que se sabia que almoçaria.

Era final de janeiro de 1999, com geladeira e armários esperando reabastecimento, que, no final da tarde, ao acordar de sua costumeira soneca, este narrador ouviu voz masculina, conversando com a sua consorte, que acabara de chegar da Associação. Ela vai até o quarto e anuncia:

- Cardeal está aí.

Lembrando imediatamente de quem se tratava – ele era ainda criança quando este cronista fora interno entre 1975 e 1976 -, saiu-lhe ao encontro e, após umas boas conversas  regadas a farofa e café, ele fora acompanhado pelos anfitriões até o ponto de ônibus.

Ao retornar para o apartamento, notou-se que o visitante teria esquecido uma pasta, que logo foi guardada, na expectativa que lhe fosse entregue, assim que ela voltasse à Associação.

No dia seguinte, se fez uma última varredura na geladeira e, com o resultado, foi feita a refeição da única criatura que almoçaria naquela casa, naquele dia. Acabado o repasto, o apartamento ainda cheirando a fritura, eis que alguém toca a campainha. Ao atender, este garatujador se depara com Cardeal, mulher e filha, que ainda era criança.

E o constrangimento?

- Eu esqueci minha pasta aqui e, nela estão as contas para pagar.

Tendo lhe sido entregue a pasta, cardeal pediu água e, também as duas foram servidas com aquele líquido, que, talvez, lhes tenha sido alimento ao menos, naquela hora.

Comentando o fato com a consorte e a diarista, esta última contou a maior de todas.

Já se disse que aquela senhora prestava serviço tanto ao casal do Flamboyant, quanto ao casal do trobogy. Disse ela que:

- Ah, ainda bem que não foi seu Edimar.

Depois de larguíssimas gargalhadas, se perguntou a razão daquela observação.

- Eu num sei como dona Nair aguenta. Só ela trabalha e paga tudo em casa.

Sim, disto a gente sabe. Ponderou-se.

- Não, dona Dri. Né isso não. Seu edimar come dez pão e dez ovos!

Novo rebentar de gargalhadas.... Como é?

- É! Ele toma café com dez pão e dez ovos! Todo dia!

Para não dizer que não se falou de música, o período que se passou morando naquele apartamento também teve músicas. Uma delas era Palpite, com Vanessa Rangel, que aos sábados, a gente ouvia uma mulher, bastante alta pelo álcool, alterar substantivamente a letra da canção. Ela, invariavelmente substituía “Palpite” por “palmito”, o que fazia os consortes explodirem na gargalhada, como se também estivessem embriagados pela embriaguez da intérprete sui gêneris.

 

https://youtu.be/-J0CMgqu_5o

 

Uma segunda música que aqui poderia ser evocada como tendo marcado o período ali vivido, seria uma das tantas interpretações de cantores italianos que fazia grande sucesso à época. Uma dentre elas, era Laura Pausini, que era utilizada pelos que gostam de conquistar seus amores por meio de ofertas de músicas pelo rádio; ou pelo presentear com discos.

Mas, a que se quer trazer aqui é a belíssima interpretação de Andréa bocelli, “Com te Partiró”  , que conheceu inúmeros oferecimentos nos programas românticos de então, como por exemplo, o “Toque de amor”, apresentado por Cezar Versiani, ou o “Relax”, apresentado pelo excelente locutor Oton Carlos (1958-2020).

 

https://youtu.be/-_B4A2yym8k

 

José Jorge Andrade Damasceno – 25 de Agosto de 2021.

 

Ano LX da renúncia de Jânio da Silva Quadros – O Brevíssimo: “Fi-lo, porque qui-lo”! 

domingo, 22 de agosto de 2021

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UNS TEMPOS VIVIDOS EM SALVADOR – XI – Segunda Metade do Segundo Semestre de 1976 – Um primeiro voo nas asas da liberdade

 

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UNS TEMPOS VIVIDOS EM SALVADOR – XI – Segunda Metade do Segundo Semestre de 1976 – Um primeiro voo nas asas da liberdade

 

Quando dona manda desceu do Pirulito antes que ele chegasse na estação São Francisco, passava pouco das nove da noite, horário de chegada daquele famoso trem de passageiros vindo de Salvador. Temporariamente impedido de prosseguir até a gare, por conta de uma agulha fechada, o comboio parou na frente da Venda de Seu Neco, o que permitiu dona manda tomar a decisão de descer ali mesmo com o seu filho que trazia de Salvador, pois, apenas cerca de trezentos metros os separavam da modestíssima casa onde moravam.

Logo que chegaram, puderam saciar a fome após um “café” que, embora “simples” em sua composição, consegui alimentar satisfatoriamente mãe e filhos.

De volta àquela cama que fora feita pelo seu irmão mais velho, quando trabalhara com aprendiz em uma carpintaria, este escrevedor dormira profundamente por conta do cansaço da viagem e da noite anterior muito mal dormida.

No entanto, ao acordar ainda na madrugada fresca da sua Alagoinhas, com aqueles seus cheiros característicos entrando pelas frestas do telhado, aspirou fundo aquele ar e, enfim, pôde sentir de fato que não mais estava preso àquelas paredes que lhe impediam de sentir aquela sensação matinal de bem-estar. Não tendo sido acordado por uma sirene rouca e irritante, que cortava o sono em seu melhor desfrute, passou a pensar no modo como retomaria a sua vida escolar, a partir de então, sem a assistência de professoras itinerantes, que fariam a “ponte” entre aquele aluno solitário e os seus professores.

Bom, mas aquilo importava pouco, O que importava mesmo é que estava livre da prisão institucional; que poderia ir e vir, quase sem restrições. No entanto, embora ainda tão novo, já entendia que muitos seriam os esforços que precisariam despender para a abertura de picadas, a escalada de serras, a travessia de desertos, a transposição de barreiras as mais diversas e, em grande parte das vezes, teria que fazer frente a tudo isto, sozinho.

A sua passagem meteórica pelo Instituto, lhe fizera perceber tudo isto, bem cedo. Até havia pessoas que desejassem, sinceramente, o ajudar a fazer os percursos que a vida lhe exigia – aliás, não só a ele, mas, a todos quantos estão postos sobre a Terra. NO entanto, as especificidades que envolvem o trilhar das pessoas cegas, muitas vezes, são impeditivas de ações de terceiros em apoio ao seu caminhar. Fique claro que, muitas  pessoas, efetivamente, contribuíram em diversos momentos do jornalhar deste garatujador, no sentido de prover o necessário para determinadas etapas do seu viver. O que se quer dizer é que, há momentos no caminhar da pessoa cega que só ela, e apenas ela, pode dar ou não o próximo passo. É assim com todos, vão dizer alguns e, com razão. Sim, de fato, assim é. Mas, há circunstâncias, situações e necessidades que são inerentes ao ser cego, ou melhor, ao viver da pessoa cega.

Naquela manhã primaveril, ainda aos primeiros raios do sol, ele se levantara, tomara o seu café – bem diferente da manhã anterior – e, saíra de casa decidido a retomar a sua liberdade nas mãos, liberdade que lhe fora tirada mediante promessas não cumpridas e expectativas frustradas. Esta retomada, como já se frisou, teria um custo e, embora ele não tivesse a exata dimensão de qual seria aquele custo, estava decidido a enfrentar e pagar.

Tendo tomado de seu pedaço de pau que lhe servia de bengala, foi até a venda de seu Amôzinho e ali, esperara o ônibus que o levaria até o terminal da Castro Leal, de onde seguiria a pé, até o Centro Integrado Luiz Navarro de Brito – o Estadual -, onde procuraria matricular-se para concluir o ano letivo. Nem sabia que precisava de transferência – ou acreditava que aquela já havia sido enviada pela instituição de onde fora convidado a se retirar. Lá chegando, procurou falar com todos que conhecia; conversar; matar a saudade de estar em um lugar que escolhera e que gostava de estar.

Dirigindo-se à secretaria, lá estava seu Faustino, solícito e gentil, dando ouvidos àquele moço que queria se matricular, sem ter levado um único papel. Depois de algum tempo – talvez orientado pela então diretora Ines Mercuri, seu Faustino noticiou ao rapaz:

- Venha amanhã para assistir aula. Será no vespertino.

- Mas, olhe: providencie a transferência, pra gente botar as suas notas da primeira e segunda unidade. Aqui, a gente só poderá botar as notas a partir da terceira unidade.

Feitas as tratativas e recebidas as recomendações, no dia seguinte, este escrevente já estava devidamente instalado em sua nova sala de aulas, na sexta-V-13, talvez! Mas, como providenciar os documentos recomendados pelo secretário da direção? Como ligar para o Instituto, com a maior cara de pau, a fim de pedir que enviasse a tal transferência? E mais: onde encontrar alguém que possuísse um telefone e, que o franqueasse para que pudesse fazer uso para aquele fim?

Era ano eleitoral. Campanha para a Câmara de Vereadores e para a Prefeitura Municipal de Alagoinhas. Os candidatos distribuíam fartamente panfletos, cartazes, quitação de débitos... Este narrador ganhou as fotos 3x4, necessárias para compor a ficha no “ESTADUAL”; tais foram tiradas no “Foto Cardoso”, cujo proprietário, senhor João Cardoso, aliás, era um dos pleiteantes a uma das 13 cadeira do parlamento municipal.

Cabe ressaltar de passagem que, para o autor destas linhas, aquele período foi marcado por um estreitamento das suas relações com os seus irmãos paternos, apenas iniciadas a partir dos meados de 1974, quando travou os primeiros contatos com os três netos de dona Ladi, em suas incursões iniciais no sentido de conhecer os espaços próximos ao lugar onde vivera toda a sua infância, adolescência, juventude... Longas e proveitosas tardes – ou manhãs – de conversas com dona Ladi que cuidava de Miguel – que tinha a mesma idade deste escrevedor -, Edgarzinho e Alba – com dez e sete anos -, além de Ednaldo, que ela criava como se filho ou neto fosse.;

Naquele mesmo período, se passou a frequentar com alguma regularidade, a casa de João, um de  seus irmãos mais velhos – mais tarde, também se passou a frequentar a casa de Edna, a única filha legítima de seu Edgar, um dos açougueiros de Miguel fontes -, primeiro na companhia de Miguel; depois, ganhando autonomia e indo só, para boas conversas, audições de rádio em um "Motorádio" de João, algumas tragadas de Hollywood ou Continental, na companhia de Ivete, sua cunhada, além de saborosos almoços dominicais.

Entre idas e vindas da escola ou das visitas aos seus irmãos, entre fazer e desfazer de planos, chegou-se a um que, acreditava, conseguiria atender à expressa recomendação de seu Faustino: “Traga a transferência”. Ou mesmo, dado o passar do tempo, às cobranças do atento secretário:

- Cadê a transferência?

Em uma dada manhã, por volta das oito horas, saíra dizendo a dona Manda que iria na casa de “Ivete” e que ficaria lá para o almoço. Ela, por sua vez, reiterara a recomendação de que chegasse em casa no horário que previamente estabelecera, por rigidez ou medo: as seis da tarde. Tendo descido do coletivo no terminal, ao invés de se dirigir ao Jardim Pedro Braga, onde moravam seu irmão, consorte e filhos, dirigira-se até a “Agência da catuense”, de onde saíam os ônibus para Salvador e, entrando em um deles, seguiu para fazer a sua primeira investida na cidade onde só circulara de carro, ou, quando não, acompanhado por um funcionário do Instituto.

Tudo correra conforme o planejado: fora no Iceia, fizera as tratativas referentes à transferência escolar; recebera e trouxera consigo; por fim, dirigira-se de volta ao terminal rodoviário de Salvador, intentando retornar para Alagoinhas, mais ou menos dentro do horário expressamente determinado por sua mãe, para que chegasse em casa. Tudo correra dentro do pensado.

Mas, um longo e quase interminável engarrafamento na região da barros Reis, que dava acesso à BR324, que por sua vez, permitia chegar à ba093, por onde se chegaria até a Alagoinhas, fez com que a última etapa do plano falhasse e, por volta das dezenove e trinta, este escrevedor descia do coletivo na esquina da venda de Seu Amôzinho e, dava de cara com dona manda, enfurecida e inquisidora:

- “Tava aonde que chegou a esta hora?”

- Na casa de João, mãe.

Passado o susto e, acreditando ter convencido dona manda com a sua resposta, no dia seguinte,  ele entregou triunfalmente a Transferência do Iceia a seu Faustino, resolvendo a sua pendência com o Estadual.

Mas, passados alguns dias, dona manda voltou a inquirir do filho, se ele estivera mesmo na casa de João naquele dia, como dissera, se fora visto vindo de Salvador, no mesmo ônibus cujo cobrador era vizinho e conhecido? Confrontado daquele modo, o rapaz contou a ela a sua aventura e a necessidade de tê-la realizado.

Mas, mesmo o insólito cobrador tendo desconstruído o álibi criado por este autor para aplacar a ira de sua mãe, não lhe pôde podar a efetivação do seu primeiro voo, proporcionado pela liberdade recentemente conquistada.

Como não poderia faltar, havia um bom número de músicas que eram ouvidas por este escrevente naquela ocasião, que poderiam ser aqui elencadas. Mas, como é preciso escolher uma, aquela que se destaca na sua memória e, que bem retratava o momento e as circunstâncias que o envolvia, é “Apenas um Rapaz Latino-Americano” do cearense  de Sobral, belchior (1946-2017).

 

https://youtu.be/BxPJodiQyQU

 

José Jorge Andrade Damasceno – 22 de agosto de 2021.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UNS TEMPOS VIVIDOS EM SALVADOR – X - “AS 14 MAIS” ouvidas, cantadas e solfejadas no Instituto em 1976!

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UNS TEMPOS VIVIDOS EM SALVADOR – X - “AS 14 MAIS” ouvidas, cantadas e solfejadas no Instituto em 1976!

 

O ano da Graça de 1976, embora efervescente no que tange à política e à economia do País e do mundo, salvo os relatos feitos em crônicas anteriores, deixaram poucas marcas na memória deste escrevedor. É interessante que, dia destes, enquanto refletia sobre o que escrever nos próximos arroubos cronísticos, concluiu-se que, de certo modo, houve um esquecimento, por exemplo, de coisas que teriam se passado entre 13 de dezembro do ano anterior, quando se consumara a obrigatória “Primeira Comunhão” – primeira e última, saliente-se – e a primeira semana de março subsequente, quando retornara ao “manicômio” dos cegos baianos, para mais um ano letivo.

Talvez, mais adiante, através de algum desencadeador de “lembranças”, quem sabe por meio do paladar, ou de algum cheiro, de alguma conversa despretensiosa e, até mesmo por meio de alguma música – conforme as premissas esboçadas por Marcel Proust (1871-1922), na sua obra “Em busca do tempo perdido” -, este escrevente possa trazer à tona algum fragmento daqueles dias vividos na plena liberdade de ir e vir, que só as férias escolares lhe proporcionava. No momento em que estas linhas são escritas, apenas a vaga lembrança de que só  voltara para casa na segunda feira, dia 15, pois, no sábado o “Pirulito” saía mais cedo de Salvador e, seria pela manhã, antes da cerimônia religiosa imposta ao interno do Instituto, que se realizara à tarde; crê-se que no domingo aquele trem não circulasse; dona Manda não possuía dinheiro para trazer o filho de ônibus. Assim, só o poderia ir buscar, portanto, na segunda feira.

Sabia-se da crise do petróleo e de algumas de suas consequências, por meio da revista Relevo, publicação da então Fundação para o Livro do Cego no Brasil. Tal crise, atingira diretamente os cegos, através daquilo que se denominara “Crise do papel”, que encarecera de tal modo, que prejudicou grandemente a produção de obras em Braile; igualmente se fez sentir junto aos alunos do instituto, que passou a conviver com um certo racionamento de papel Braile, só podendo levar para a escola, no máximo seis folhas – o que era praticamente o uso de uma folha por aula, insuficiente para um acompanhamento escolar adequado.

Até mesmo a produção da mencionada revista Relevo, fora atingida pela crise, levando a uma paulatina diminuição de sua circulação, até por fim ser extinta das já pouquíssimas opções de leitura que os cegos dispunham. No bojo daquela mesma crise, veio a redução do volume de impressão e/ou distribuição de livros em Braille, o que, vale ressaltar de passagem, reduziu ainda mais o contato com o texto escrito, o que prejudicou sensivelmente a percepção ortográfica por parte daqueles que só dispunham do texto em Braille para a sua formação educativo-cultural.

Mas, o rádio continuava a ser de fato o formador cultural, educativo e o principal veículo difusor de informação e promotor de entretenimento para os cegos e, sobretudo, para os que se achavam confinados entre as paredes do Instituto. Naquele período, um radialista dos diários Associados, Milton Moura Costa, passou a sustentar uma campanha em seu programa “Levante a cabeça’, no sentido de incentivar doações de rádios aos cegos. Para tanto, ele repetia exaustivamente um bordão que dizia: “Dê um rádio ao cego. O cego vê o mundo, através do rádio.  Foi assim que o Instituto recebeu uma quantidade nunca informada de rádios para distribuir entre os seus internos. Eram rádios muito pequenos, que cabiam na palma da mão, que funcionava com uma pilha. Vários dos meninos, principalmente as meninas, que receberam o tal receptor.

E, como não poderia deixar de ser, o esporte, a notícia e a música, eram parte inerente ao modo cego de se ouvir rádio. Também eram ouvidos programas como “A sociedade contra o crime”, novelas como a irradiada pela Excelsior “O último Apóstolo” e, aos sábados a tarde, alguns gostavam de ouvir um programa de grande audiência, inicialmente transmitido pela Rádio Tupi do Rio de Janeiro e, depois, retransmitido pelas demais emissoras dos Diários Associados: “Eu acredito no incrível!”

Assim, como já fora no ano anterior, algumas músicas se destacaram no gosto dos internos do Instituto, algumas delas sendo ouvidas por muitos e, por vezes, todos ao mesmo tempo, cada um em seus rádios e/ou acotovelados em torno de um único ou mais rádios que estivessem sintonizados no momento de sua execução.

Conforme foi dito no arrazoado anterior, embora aqui não se pretenda construir uma lista exaustiva das músicas que eram tocadas no rádio naquele ano, ouvidas, cantadas, ou apenas solfejadas pelos internos do Instituto, o que se pretende é destacar as quatorze mais executadas dentre elas, selecionadas por este escrevedor, cujo critério se concentra no fato de que a sua audição, no momento em que se preparava para redigir estes escritos, fizesse emergir da memória do seu autor, alguma lembrança do momento que fora interno naquele estabelecimento, nos sete meses do  segundo ano que lá permanecera.

 

Música 1 - Eric Carmen - All by Myself

 

https://youtu.be/iN9CjAfo5n0

 

Música 2 - MEU MUNDO E NADA MAIS - GUILHERME ARANTES -

 

https://youtu.be/LbsGxZc1ic4

Música 3 - NUVEM PASSAGEIRA - HERMES AQUINO –

 

https://youtu.be/D6pI1rx8NIs

 

A música que se segue, não é necessariamente lançada em 1976. No entanto, por fazer parte da trilha sonora da novela “Anjo Mau”, acabou por ser bastante tocada. Aliás, as trilhas sonoras de novelas globais, passavam a prevalecer como parâmetros de “sucesso”, no que tange a determinar qual seria a preferência musical dos ouvintes. Tanto que, algumas canções e seus intérpretes, apareciam e desapareciam, conforme as novelas se sucediam.

Música 4 JOSÉ AUGUSTO - QUEM NEGA LUZ NA SOMBRA VAI MORRER

 

https://youtu.be/XXSB6LjQkBE

 

Esta música foi uma das mais ouvidas entre os internos do Instituto, talvez por conta do apelo melodramático nela contido. Alguns anos mais tarde, este escrevente teve contado com as versões em italiano e em francês, que originaram a versão em português tocada no brasil. No início dos anos dois mil, ela foi parodiada pelo humorista baiano Renato Fechine ( 1968-2021), que durante alguns meses ocupou os primeiros lugares em execução, na categoria Aché.

Música 5-a - versão em português: MÁRCIO JOSÉ . O TELEFONE CHORA 1975

 

https://youtu.be/PsVPoO7jdfI

 

Música 5-b - versão em italiano: Piange... il telefono - Domenico Modugno e Francesca Guadagno -

 

https://youtu.be/Wa81ioLc9KE

 

Música 5-c - versão em francês: claude françois le telephone pleur

 

https://youtu.be/IQzI4BQgAV0

 

A lembrança que este escrevente tem desta música é mais tardia. Ela remonta ao processo de abertura da Tv Aratu.

Música 6 - Caso você case, Marília Barbosa.

 

https://youtu.be/2BsCwGTvoDk

 

Esta, do mesmo modo que no ano anterior, era reverberada pelo rádio vansat de um dos internos – aliás, o melhor receptor de todos os demais possuídos por lá -, que logo era seguido por todos quantos gostavam dela – que não eram muitos; só os mais velhos, tirados a modernos!

Música 7 - Nazareth - Love Hurts -

 

https://youtu.be/yCrDjhM0kVI

 

Desta já se falou em arrazoados pretéritos, aqui mesmo, neste espaço.

Música 8 - Pussycat - Mississippi

 

https://youtu.be/rUR8y8TAyJg

 

desta, este narrador só lembra um pouco mais tarde. Talvez, ela tenha sido lançada nos instantes turbulentos que resultaram na sua devolução para a liberdade!

Música 9 - Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás – raúl Seixas

 

https://youtu.be/fHwCCffKKmk

 

com esta e outras músicas do tipo, começava a se esboçar a era da “discotec”.

Música 10 - TINA CHARLES - DANCE LITTLE LADY (1976)

 

https://youtu.be/8RM1DBxn0u4

 

Música 11 - I Love To Love by Tina Charles

 

https://youtu.be/WzOoANY4PgA

As meninas do “Abba” começavam a tocar no Brasil; esta música ganha uma versão de Perla, que este escrevedor de-tes-ta!

Música 12 - ABBA Fernando

 

https://youtu.be/ygRqSvJrmiM

 

Música 13 - ABBA - I Do, I Do, I Do, I Do, I Do

 

https://youtu.be/oVcR_1VPlHY

 

Música 14 - Patrick, Amor Mío

 

https://youtu.be/NhJRKUCsp50https://youtu.be/NhJRKUCsp50

 

Professor José Jorge Andrade Damasceno – 18 de agosto de 2021.


domingo, 15 de agosto de 2021

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UM TEMPO VIVIDO EM SALVADOR – IX- “AS 14 MAIS” TOCADAS NO RÁDIO - ouvidas, cantadas e solfejadas PELOS INTERNOS DO Instituto em 1975!

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UM TEMPO VIVIDO EM SALVADOR – IX- “AS 14 MAIS” TOCADAS NO RÁDIO - ouvidas, cantadas e solfejadas PELOS INTERNOS DO Instituto em 1975!

 

Já se disse aqui e/ou alhures, que para grande parte das pessoas cegas, o rádio funcionara como um psicólogo, psiquiatra, terapeuta e analista. Por meio dele, era possível encontrar lenitivo para os seus momentos de tensão, de tristeza e de saudades de casa; bem como igualmente era o promotor de suas alegrias, o difusor do conhecimento e distribuidor de notícias, das emoções do futebol, bem como era o veículo que levava aos seus ouvintes, fragmentos de saberes, os mais diversos. Sobretudo, era por meio do rádio que lhe era permitido entrar em contato com a grande variedade de estilos musicais que nas décadas de sessenta e setenta se tornava cada vez mais ampla.

Embora os internos do Instituto contassem com assistência psicológica e social – apesar de muitos deles desconfiarem das pessoas encarregadas pelo exercício  daquelas atividades -; a despeito de terem assistência religiosa – afinal, contava-se com uma capela de frequência obrigatória e com um Padre que “dizia missas” regularmente aos domingos, cuja assistência por parte dos internos, era igualmente obrigatória -, o rádio era o que de fato desempenhava o papel de “agente” terapêutico naqueles indivíduos de origens socioculturais e de desenvolvimento escolar tão diversas, quanto eram diversos os seus temperamentos, os seus níveis de maturidade e os seus estágios de sanidade mental

Na cidade de Salvador e em seu entorno, o espectro dos receptores de rádio de então, em “Amplitude Modulada (AM)” – ainda em processo de transição e, a “frequência Modulada (FM) ainda em processo de implantação -, em março daquele ano, contava com cinco emissoras: Rádio Cruzeiro da Bahia; rádio Sociedade da Bahia; rádio Excelsior da Bahia; Rádio Bahia; e, Rádio Cultura da Bahia; todas elas tendo algumas décadas de implantação e funcionamento, sendo a Sociedade da Bahia a mais antiga delas, à época, uma das afiliadas dos já decadentes “Diários Associados” de Assis Chateaubriand (1892-1968), e, que transmitia a sua programação desde os distantes idos de 1924.

No entanto, o segundo semestre se inicia, marcado pela fundação da Rádio Clube de Salvador, por iniciativa do radialista Antônio França Teixeira (1944-2013), em sociedade com vários de seus amigos e anunciantes. Impulsionada pela novidade e pela ousadia do empreendimento, aquela nova emissora despertou a curiosidade e, logo ganhou a simpatia de muitos, sobretudo, dos internos do Instituto de cegos, ouvintes de rádio “par excelence”, como não poderia deixar de sê-lo.

A audição radiofônica daquele grupo social era “uniformemente” diversificada – como por certo o era nos demais grupos que conformavam a sociedade soteropolitana -, que se manifestava desde as assistências aos programas musicais, passando pelas resenhas e transmissões esportivas,, tendo lugar também a audição de programas jornalísticos, religiosos – que à época ainda eram poucos -, sensacionalismos e, até mesmo, havia lugar para “A voz Do  Brasil” e o “projeto Minerva” – este último, enfrentava a dificuldade imposta pelo fato de sua apresentação se dar no mesmo horário em que os internos já deveriam estar “no silêncio” (a partir das vinte horas, impreterivelmente).

As resenhas e as transmissões esportivas dominicais, eram ouvidas simultaneamente por quase todos os internos, exceto aqueles poucos que não gostavam de futebol. Mas, A música era, sem sombra de dúvidas, o grande vetor que elevava os níveis de audiência radiofônica entre os internos, atraindo, agradando, apurando os gostos, as preferências e até mesmo, provocando os debates entre eles, sobretudo, quando se discutia   o fato de uma determinada canção ou um determinado intérprete, estar colocada em tal ou qual posição, naquilo que os locutores denominavam “Grande parada musical”, segundo critérios pouco claros, que se trataria de um indicativo do gosto popular.

Embora aqui não se pretenda construir uma lista exaustiva das músicas que eram tocadas no rádio naquele ano, ouvidas, cantadas, ou apenas solfejadas pelos internos do Instituto, o que se pretende é destacar as quatorze mais executadas dentre elas, selecionadas por este escrevedor, cujo critério se concentra no fato de que a sua audição, no momento em que se preparava para redigir estes escritos, fizesse emergir da memória do seu autor, alguma lembrança do momento que fora interno naquele estabelecimento, no primeiro ano que lá permanecera.

Convém salientar de passagem que, uma das partes do título deste arrazoado, é uma alusão ao título de uma coleção de catorze músicas de maior sucesso, reunidas em um só disco, que alcançara grande êxito de vendas  à época – “AS 14 Mais”, da prestigiada gravadora CBS, lançada no início de 1960, que em 1975, já se encontrava no vigésimo oitavo volume e, cuja última edição fora lançada em 1979, o volume 29.

A primeira daquelas músicas, embora gravada em 1974, remete este garatujador ao momento da sua chegada ali, quando conseguia solfejar e até mesmo cantar a parte introdutória da música, que os leitores perceberão que exige um certo fôlego daquele que a quer “interpretar”.

Música 1: 'SUGAR BABY LOVE' by THE RUBETTES

 

https://youtu.be/ErLvWNZm9vc

 

Música 2 - Carl Douglas Kung Fu Fighting

 

https://youtu.be/bmfudW7rbG0

 

Música 3 - Happy Man –

 

https:// youtu.be/UHfw0dV5BII

 

Música 4 - We Said Goodbye - Dave Maclean

 

https://youtu.be/_3Hqlu-4-Aw

 

Música 5 - George Baker Selection Una Paloma Blanca

 

https://youtu.be/R36CixkIaIc

 

Música 6 - Homo Sapiens Tornerai Tornerò

 

https://youtu.be/_OFK2RDxt04

 

Música 7 - Stand by me - The Sound of John Lennon

 

https://youtu.be/QyKNT5I3YUc

 

A música que se segue, era ouvida com grande emoção por quase todos. Quando o primeiro ouvia, todos corriam para sintonizar na mesma rádio que a tocava, ecoando e reverberando pelo espaço de recreação no qual os internos se encontrassem. Este garatujador nunca esqueceu daqueles momentos, embora já se tenham passado mais de 45 anos e, há bastante tempo, não mais a tenha ouvido.

Música 8 - A Little Love and Understanding Little Adrian

 

https://youtu.be/YxwF8nDL6nA

 

Outra versão dela também fora muito executada, na voz de um adulto – que se acreditava ser o pai do menino -, mas não despertava, pelo menos entre os internos, a mesma comoção que a provocada pela interpretação infantil. Ressalte-se que, quase nenhum dos internos que a apreciava, efetivamente sabia o que dizia aquela letra, a mensagem que pretendia passar àqueles que tão emocionadamente a ouviam.

Gilbert Becaud - A Little Love and Understanding

 

https://youtu.be/CwKItmEuiSU

 

A próxima, também reverberava pelos espaços recreativos, mas os que a apreciavam já eram garotos com mais de quatorze anos; um dos seus principais ouvintes, presenteava a todos a partir do seu possante rádio Vansat. Mas, grande parte a possuía em fitas cassete e, claro, a ouvia nos gravadores que eram fornecidos para as leituras – então iniciadas por meio de gravações de livros.

Música 9 - Carpenters Please Mr. Postman

 

https://youtu.be/jNn_UoI97GU

 

Outra que era reverberada pelo mesmo dono do rádio Vansat; que também fazia parte do repertório das fitas cassete. Aliás, esta era cantada como forma de demonstração daquela rebeldia adolescente.

Música 10 - Ovelha Negra Rita Lee

 

https://youtu.be/v3Rdn0qD-MQ

 

Música 11 - Tornerò I Santo Califórnia

 

https://youtu.be/NNLnzdO5Es0

 

Música 12: The Hollies - Don't Let Me Down

 

https://youtu.be/mrNbw2cpv90

 

Música 13: The Hollies - I'm Down

https://youtu.be/WKFzGe4_0uE

 

Mais uma que era ouvida inicialmente pelo som do Vansat e, que depois os outros rádios eram sintonizados; também era parte do repertório das fitas cassete.

Música 14: Ângela Maria - Tango Pra Teresa

 

https://youtu.be/r_P1or76oJE

 

Professor José Jorge Andrade Damasceno – 14/15 de agosto de 2021. 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Antes da "virada da maré".

Histórias e memórias de uns tempos vividos em Salvador VIII – Antes da virada da maré, algumas amenidades.

 

Ainda mal amanhecera e, dona manda levantara, dera café ao filho e, fazendo o percurso a pé, se encaminhara até a Estação São Francisco, com o intuito de pegar o Pirulito, que os levaria para a cidade de Salvador. Ali, ele ficaria interno no Instituto de Cegos da Bahia, conforme acertado previamente com a última professora itinerante que atuara em Alagoinhas: Primitiva Sampaio, era o seu nome. Aliás, foi a sua remoção, para acompanhar o marido que era militar, que acabou por colocar fim na exitosa experiência desenvolvida no Brasilino Viegas, que permitiu o arranque deste escrevente, na direção da formação profissional, claro, não sem inúmeros percalços.

Aquela madrugada outonal, se levantara com alguns laivos de esperança, trazendo aos caminhantes, os seu cheiro de alvorada, o primeiro chilrear da passarada, indicando que, talvez, ao iniciar a sua trajetória rumo à maturidade, aquele menino não viesse a esquecer daquele lugar, embora desprovido de trato urbanístico, que era o espaço que ele conhecia bem; que ele podia explorar sem sobressaltos; que os cheiros de matos e flores silvestres enchiam-lhe os pulmões de frescor e, talvez o preparasse para as intempéries que viesse a enfrentar, naquele caminhar por espaços ainda desconhecidos dos seus pés.

Da viagem no Pirulito, pouco ou nada restou na memória daquele menino, a não ser os rumores de vendedores de todo o tipo de mercadorias e, claro, de não haver recursos para provar nenhuma das muitas iguarias oferecidas a cada parada nas estações. Chegando por fim na estação da calçada, logo encontraram transporte que os levasse até o Largo de Meninos, de onde subiriam a pé, rumo ao bem conhecido prédio que ficava em frente à Ladeira de Água Brusca, que dava acesso à rua São José de Baixo, que seria o destino dos chegantes.

Portanto, quando voltara ao internato soteropolitano pela segunda vez, em março de 1975, ainda não se tinha completado o primeiro ano do falecimento de Zé Carlos, que se dera no junho anterior. Como já se disse, este escrevente e aquele seu irmão, embora experimentassem os brigares inerentes à diferença de idade entre eles, tiveram um convívio de boas brincadeiras, traquinagens e, até mesmo, algumas cumplicidades. O menino era por demais irrequieto e, algumas de suas travessuras foram ocultadas de dona manda, para evitar severa surra.

Por sua vez, Dona Manda nunca se recompusera da perda do seu filho mais velho, que para ela fora um golpe tão rude quanto inesperado, visto que a repentina aparição de um câncer o levara de maneira assaz precoce. Mesmo assim, naquela manhã de algum dos dias ensolarados de março, deixara o seu peralta mais novo, aos cuidados da instituição que, acreditava-se, lhe daria ferramentas que o tornaria capaz de prover a vida, quando chegasse o momento de o fazer.

Engolindo o choro, o garoto fora separado das grossas, ásperas e calosas  mãos de sua mãe e, encaminhado para longe dos seus olhos.

Ele lá chegara em um horário em que os demais internos já estavam envolvidos em suas rotinas: uns nas escolas regulares onde estudavam; outros no segundo andar, onde eram desenvolvidas as atividades de alfabetização de uns e, de apoio escolar para aqueles outros que já estudavam fora, mas no turno vespertino. Portanto, o garoto ficara só e desolado, podendo desatar o seu mar de lágrimas mal retidas, para não ferir ainda mais o coração fragilizado de sua mãe, ou, quiçá, para talvez parecer forte, a si e a ela. Aliás, conforme disse sabiamente um amigo outro dia, ele que também vivenciara circunstância parecida, é ali que, literalmente, “filho chora e mãe não vê”.

Pouco a pouco tentara se acostumar com aquele pequeno espaço de concreto e cimento armado, que, a partir daquele dia, circunscreveria os seus passos, os seus atos, os seus quereres, dos seus desejares.

Logo alvo da curiosidade dos demais internos, com alguma dificuldade e outro tanto de má vontade, ele foi respondendo aos que perguntavam.

Um funcionário antigo, muito bem-quisto e respeitado por todos, tratou de fazer as apresentações, no sentido de tentar quebrar o ar de tristeza que marcava o recém-chegado.

A um ele dissera que chegara um colega para com ele “lutar pernada”; a outro disse que chegara mais um para estudar  e conversar... O certo é que, dentro de alguns dias, já que outro remédio não havia, este garatujador se enturmou, fez as suas escolhas e, procurou viver a realidade que se lhe apresentava. O frequentar a escola, certamente, ajudou bastante na consolidação daquele difícil processo.

Sem notícias de mãe ou de casa, seguira o curso das coisas, até que, enquanto era levado para o Carneiro Ribeiro, ouvira no rádio da Kombi, uma notícia informando que o deputado Ulysses Guimarães e o senador Orestes Quércia, importantes dirigentes do MDB Nacional, estavam em Alagoinhas, com o objetivo de oferecer apoio ao prefeito Judélio Carmo, que acabava de ser afastado do cargo, por meio de um processo tramitado na Câmara de Vereadores. Era maio e, só então, ouvira alguma notícia da cidade, que deixara dois meses antes.

Mas, enquanto o tempo passava, os cursos esperados e desejados não chegavam e, o garoto velozmente emagrecia – a roupa que em março era vestida com dificuldade, àquela altura, já estava  muitíssimo folgada no seu corpo -, em pelo menos duas ocasiões, os internos tiveram um dia de festa, música e fartura.

Em uma delas, a mesa fora tão farta, a comida tão abundante, que os dias posteriores foram lembrados com saudades e lamentos. Não ficou na memória deste narrador, o que fora efetivamente comemorado. O que ficou e muito bem nítido, foi o fato de que, pela primeira vez desde que ali chegara, pudera comer o bastante para saciar a fome, embora não o suficiente para recuperar os vários quilos já perdidos.

Em outra ocasião, realizou-se uma comemoração coletiva de aniversários. A comida não foi farta. Mas o dançar e o cantar, talvez tenha feito esquecer um pouco os muitos ais. Uma das aniversariantes cantara maviosamente o grande sucesso dos anos sessenta, que fora imortalizado por uma garota italiana, então com dezesseis anos, Gigliola Cinquetti, notabilizado pelo  filme que levava o mesmo título da música, que, naquele momento, voltava a ser sucesso, daquela vez, em uma versão interpretada pela cantora Perla: Dio Come Ti amo – Deus como te amo.

Versão original em italiano:

 

https://youtu.be/2I3GonJRwJA

 

A versão em português:

 

https://youtu.be/XSEq7UWhgIQ

 

Ressalte-se que, naquele momento, o garoto que ainda não completara quinze anos e, que estava em pleno processo de formação, queria acreditar no amor, decantado nas novelas e nas músicas  que brotavam em profusão no rádio e na televisão e, romantizado na literatura que caíra nas mãos daquele leitor voraz. No entanto, com o passar do tempo e o correr da vida, este aprendiz de cronista compreende que é impossível acreditar no amor. A exceção é o amor do Deus Eterno, que “é Singular, ninguém jamais, pôde explicar”. Aquele é um amor que foge à compreensão humana, mas que é real, incondicional, impossível de ser medido ou calculado, independentemente de ser crido ou aceito pelo mundo criado.

No entanto, embora sem a maviosidade e a singeleza daquela aniversariante, este escrevedor também cantou! Mas, o que? Uma música que talvez fosse um recado para quem pudesse ouvir, visto que apresentava a instalação da rebeldia naquele garoto, em forma de letra e de música. Não foi ela escolhida sem razão. Era cantada magistralmente por Beth Carvalho; era o já conhecido Jorge Grande quem cantava, com toda a força dos seus catorze anos: mil e oitocentas colinas, música que estava muito bem colocada entre as mais executadas no rádio, recém-lançada, mas, já “na crista da onda”, como se dizia à época.

 

 https://youtu.be/ClWse7GdrvE

 

 

Ah, é preciso salientar que, os dois intérpretes amadores, cantaram as suas páginas musicais, à capela e, que as interpretações foram ouvidas em todo o prédio, pois, a festa fora transmitida em um sistema de som, distribuído por todos os seis andares do monstruoso edifício.

 

José Jorge Andrade damasceno – 10 de agosto de 2021. 

domingo, 8 de agosto de 2021

Nas areias da praia de Jardim de Alá!

Histórias e memórias de uns tempos vividos em Salvador VII – Nas areias da praia de Jardim de Alá!

 

Dona “Manda” passara grande parte de sua vida à beira do Rio Aramari – naquela passagem que era conhecida como “Rio do Só bocó”, no mesmo lugar e  época em que fora implantada a estação de captação e tratamento de água da cidade -, lavando as roupas que lhe eram entregues para este fim. Em geral, entre a segunda e a quarta-feira, ela laborava no sentido de lavar, quarar, enxaguar, torcer e estender para enxugar aquelas peças de roupa – desde calças, vestidos, camisas, saias e blusas, até toalhas de banho e de mesa, lençóis de cama e, em algumas ocasiões, eram incluídos  pesados cobertores -, tarefa que exigia grande esforço braçal para a sua realização, o que esgotava aquelas mulheres, muitas vezes mal alimentadas – e, em alguns casos, maltratadas pelos seus companheiros.

Tinha ela dois filhos mais velhos do que este escrevedor. Algumas vezes, eles eram encarregados de tomar conta do irmão traquino. Outras vezes, ela precisava levá-lo consigo para o rio, onde ele “batia água” e fazia outras traquinagens com a meninada de sua idade, além de outras peraltices.

Fora ali, na beira do rio que, além de muitos banhos, ele também ouvia rádio, rádio que, evidentemente, não era seu. Ele mal ouvia o som da música que lhe agradava os ouvidos e, logo saía em busca de se aproximar do aparelho radiofônico, para ouvir melhor. Encontrado o dito, não poderia pegar para perceber o seu formato, o seu tamanho, nem mesmo o seu peso, ou textura da sua caixa: de plástico? De Madeira? E, por quê? Porque o dito estava protegido por sua dona, a salvo dos olhos e mãos indevidas, dentro das suas saias!

Aquela senhora, Era uma das que, do mesmo modo que Dona Manda, mourejavam àquela beira de rio. Uma dentre aquelas tantas que laboravam semanas a fio naquela ribanceira de rio. Este escrevente nunca soube exatamente quem era aquela mulher que muitas vezes lhe franqueava as audições de rádio, sem, contudo, permitir acesso ao aparelho. Dona Isabel, era o seu nome. Mas, havia duas dentre elas que assim se chamavam. Uma, era diferenciada pelo nome do seu companheiro e pai dos seus muitos filhos: “Zabé de Guarda”. Mas a outra?

Bem... Certa vez, ela inquirira ao ouvinte do seu rádio, se ele sabia quem era. Como só ouvia o seu nome com o epiteto que, certamente, ela não gostava, disparou:

- Dona “Zabé Galinha”.

Ao ganhar de dona manda um belo tapa na boca por causa da resposta  inconveniente, a mulher ofendida retrucou:

- “Ele num tem curpa. Só falô porque ouviu”!

Pior do que o tapa na boca, foi ficar sem ouvir o rádio de dona Isabel.

Durante os quase dezessete meses que passara trancafiado naquele internato, por duas ou três vezes este garatujador fora levado para passeios coletivos. Eram ocasiões em que o rupo responsável por gerir o internato preocupava-se em formar uma imagem para a sociedade, no sentido de ser entendido como um lugar em que os cegos eram tratados com todo o cuidado, de modo a deixar a impressão de que estava cumprindo o seu papel, socializando-os e dando a eles uma gama de possibilidades de estudos e lazer.

Mas, tratava-se de uma construção de imagem, visto que, de uma boa impressão social, dependia o fluir dos recursos para o “sustento da obra”.

No momento em que escreve estas linhas, se tem clareza da necessidade que o grupo sentia, procurando envidar os esforços necessários para passar aquela imagem de protetores e bem feitores dos cegos baianos, pois, além de garantir o fluxo de caixa para a instituição, também seria o “passaporte” para um tempo menor no “purgatório” ou, quiçá, para sequer passar por ele. Talvez isto explique o episódio, ocorrido quando o recém-chegado ainda estava gordo e bem tratado.

Certo dia, fora chamado ao quarto andar – onde se dormia e se trocava de roupa. Sem maiores explicações, ele fora orientado a vestir as roupas de casa e, se dirigir até a biblioteca, então no terceiro andar, onde seria entrevistado.

Lá chegando, fora recebido por um jornalista – que até hoje não se sabe de qual dos jornais de Salvador – e, ato contínuo, foi convidado a se assentar à mesa de leituras. Já lá se encontrava um livro em Braille, para permitir ao repórter fazer as fotografias necessárias para demonstrar o cego lendo. E, assim foi feito.

Este narrador não guardou nenhum vestígio da tal entrevista, a não ser o seu movimento de leitura; nem mesmo qual teria sido o livro brevemente lido; nem pergunta feita, nem resposta dada; absolutamente nada ficou. Sabe-se, porém, que a tal entrevista foi publicada, pois, ao chegar de férias no meio do ano, o jornal estava passando de mão em mão, pois fora visto por seu Augusto e, levado pela curiosidade e, talvez por ver estampada a foto do menino que quase não saía de sua casa, ele comprou – ouviu no batalhão onde servia – e trouxe para circular entre os outros vizinhos.

Naquela ocasião, os periódicos de maior circulação em Salvador, eram o Jornal da Bahia, a tribuna da Bahia, o Diário de Notícias e, o mais antigo dentre eles, o Jornal A Tarde.

Mas, voltando ao passeio coletivo. Talvez tenha sido o primeiro que fora realizado, no tempo da chegada deste que ora vos escreve. Logo após o jantar frugal e que sequer mitigava a fome daqueles internos, cuja sopa era tão ruim quanto morna, sopa que de vez em quando permitia encontrar um pedacinho de abóbora, ou era chuchu! um único pedaço de macarrão, todos foram avisados que na manhã seguinte, um sábado, todos seriam levados na praia.

O dia seguinte deve ter demorado uma semana e, quando amanheceu, chovia no Barbalho! Mesmo assim, todos foram mandados para o térreo, para ali aguardar a sua vez de embarcar na Kombi, que, evidentemente, precisaria fazer várias viagens, a fim de conseguir transportar a todos.

Chegados na praia – que este escrevedor só veio saber qual era, depois que de lá saíra -, a surpresa pelo fato de a areia estar seca e o sol aberto.

Tudo transcorria bem. As conversas. Os banhos de mar. Embora acostumado à beira do Rio do Só bocó, logo se percebeu a abissal diferença e, claro, não se arriscou. Procurou vencer a timidez e, entabulou conversas com duas meninas, que, tal como o tímido interlocutor, sentaram-se em lugar que as ondas chegavam o suficiente para molhar, sem precisar fazer incursões mais ousadas. Uma das garotas, era aquela que fazia fruir os desejos de muitos, por ser muito doce, de conversa agradável e voz meiga.

Mas, enquanto procurava abrir espaço para um lançar de bases mais sólidas, quem sabe, para outras conversas, desta vez, mais reservadas, veio uma onda tão forte quando inesperada, que acabou por lançar nas areias quentes, o quase galanteador, com sua conversa, com o seu falar medido, comedido, rebuscado.

Aquele incidente pusera fim ao diálogo com aquela garota, diálogo mal começado, mal estabelecido. A música que insistentemente tocava no rádio – bem no momento que a onda levara para longe o seu ensaiar -, ganhou uma profunda antipatia deste narrador.

 

https://youtu.be/kE0pwJ5PMDg

 

José Jorge Andrade Damasceno – 08 de agosto de 2021. 

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

"Parecia que ele estava ensaiando para sair em Sete de Setembro

 

Histórias e memórias de uns tempos vividos em Salvador VI. “Parecia que ele estava ensaiando para desfilar no Sete de Setembro!”

 

Conforme já foi dito, no ano de 1975, este escrevente foi arrancado da paisagem sociocultural e humana na qual convivia com os seus mais próximos, com a promessa de que em Salvador, no Instituto – presídio – dos Cegos, ganharia as ferramentas de que iria precisar para construir a sua vida de adulto e pessoa independente; que com elas, ele seria capaz de prover a si e a aqueles que dele viessem a depender.

Em uma manhã de meados de março daquele ano, ele fora deixado por sua mãe, aos cuidados daquela instituição quase cinquentenária, onde ele sobreviveria a saudade, a falta de sua liberdade de ir e vir pela cidade, a interrupção da interação que já iniciara por sua própria conta e risco. Aquela interrupção abrupta, saliente-se, influenciou, muito negativamente, na formação do seu temperamento e no agravamento de sua timidez, sobretudo, no trato com as pessoas do sexo oposto ao seu.

Pois bem. Ali ele chegara gordo e com aquele apetite; as roupas institucionais que precisaria vestir dali em diante, mal cabiam o seu corpo; a comida que lhe fora servida naquele primeiro almoço, sequer aplacou a fome voraz de um menino que há poucos meses, havia completado quatorze anos.

Em um esforço que fizera, no sentido de fazer chegar a sua necessidade até a pessoa que supervisionava o refeitório, falou baixinho ao menino que almoçava ao seu lado:

- Como é o nome dela?

- Professora Maria – respondeu o menino.

O recém-chegado ganhou coragem e arriscou:

- Eu... queria mais...

Para surpresa e vergonha do tímido alagoinhense, o menino, a plenos pulmões, berrou para a tal supervisora:

- Professora Maria, o novato quer mais!

Como resposta, ela se aproximou e respondeu, retirando o prato:

- Mais, só em sua casa!

E, de fato, assim foi: apenas quando estava em sua casa, de férias, ou quando, felizmente, para ali voltara definitivamente, é que pudera repetir o prato, o quanto fosse necessário para saciar a fome.

Assim transcorreram os dias que sucederam ao que foi acima descrito. Pouco a pouco este escrevente fora sendo obrigado a se ajustar ao modo de viver naquela prisão, visto que, como já se apontou, a liberdade tivera sido a sua companheira, embora ainda não tivesse tanto tempo, pois, logo após a morte do seu irmão mais velho e, de uma certa forma, aproveitando-se da prostração que se abatera sobre a sua mãe, ele começara a dar os primeiros, lentos, tímidos, mas, firmes passos para conquistar a sua autonomia, na medida em que, de posse de uma bengala improvisada, fizera incursões em busca de se movimentar sozinho, primeiro no entorno da rua em que morava; depois, foi cuidadosa e cautelosamente ampliando os limites de tais incursões, até que, no início do ano letivo de 1975, apesar do medo e da desconfiança de sua mãe, ele já ampliara o espectro de sua independência, ao ponto de ir e vir para o “Estadual” sozinho, com direito a circular no comércio, visitar a sua antiga escola, onde estudara todo o primário: o Brasilino Viegas.

Portanto, o confinamento no Instituto, também lhe arrancou aquela liberdade, que fora construída em meio as lágrimas choradas pela perda do seu irmão; irmão que era o seu companheiro de saídas, embora ele não pudesse sê-lo indefinidamente e, que fora lhe tirado tão precocemente pela morte. A liberdade dos horários de entrar e sair; de acordar e dormir; de conversar e rir com os vizinhos, tudo isto lhe foi tirado e, de forma abrupta, um novo regime de cerceamentos lhe foi imposto, em nome de uma pretensa formação técnica e escolar que lhe prepararia para a vida. Novas relações precisaram ser estabelecidas; novas camaradagens se lhe foram impostas; novos comportamentos lhe foram cobrados; novas regras se lhe impuseram para cumprir.

No princípio, até que se esforçara para se ajustar a todos aqueles pressupostos que norteavam a vida de todos quantos estudassem em regime de internato, talvez pensando muito mais à frente, acreditando que de fato, ele seria devolvido a liberdade da vida cotidiana, pronto para a enfrentar, devidamente pronto para o embate pela sobrevivência e, até mesmo, imaginou que pudesse estar pronto para uma carreira, para uma atividade de boa remuneração, afinal, acreditava ele, seria um técnico; alguém que possuiria uma formação profissional, que lhe abriria espaço, ao menos para enfrentar a luta por um espaço mercado de trabalho. Mas, com o passar dos dias e o avançar das coisas, começou a perceber que nada daquilo se daria, sobretudo consigo. Os primeiros germes de insatisfação começam a se manifestar naquele menino que, ali chegara sonhador e pleno de expectativas e, os dias passavam, as semanas avançavam, enquanto ele: nada percebia que lhe viesse a favorecer.

É verdade que ali ele conhecera a piscina – juntamente com outros internos, fora mandado para praticar natação na Vila Olímpica do antigo ginásio do Balbininho -, visitara pela primeira vez a praia, juntamente  com os demais confinados; e, claro, fora matriculado naquilo que se denominava “escola regular”. Aliás, aquela foi a única expectativa que ele não tivera frustrada, em todo o tempo que permaneceu recluso naquele estabelecimento de “educação especial”, como ainda hoje é denominada a prática de segregar alunos cegos em um espaço previamente desenvolvido para aquele fim.

Imediatamente à sua chegada, este autor fora matriculado no complexo Escolar carneiro Ribeiro Filho, então funcionando provisoriamente em um prédio anexo ao Navarro de Brito, situado no Curuzu, em razão de reformas no seu prédio original, localizado na Soledade. Logo que o fardamento ficou pronto, ele pôde frequentar as aulas, aliás, já iniciadas há algumas semanas. Isto fez com que o recém-chegado fizesse gestões junto aos colegas,  no sentido de buscar ter acesso ao material já desenvolvido pelos professores, para que pudesse acompanhar os assuntos ensinados, sem maiores prejuízos.

Eram quatro os alunos cegos naquela sala de aulas; acredita-se que mais dois eram de uma série posterior. O certo é que, todos eram levados e buscados pela kombi do Instituto,  dirigida por seu Brás, um veterano e descontraído funcionário da casa.

Certa vez, em um fim de tarde, enquanto todos o esperavam para voltar para o Instituto, Cardoso, um dos alunos que dividia a mesma sala de aula com este garatujador, um dos poucos que possuía uma pasta escolar, digna deste nome – os demais receberam uma sacola de pano, com o logotipo do internato, que era ridícula, na qual acondicionava o seu material, composto por reglete, papel, sorobã e punção -, possuía o hábito de balançar e/ou rodar aquela pasta de um lado para outro, em um gesto de exibição de seu objeto de posse, que aliás, era o desejo de todos os demais ter uma tranqueira daquelas...

Entre balançares, rodares e virares, acabou que a tal pasta batera no pé da orelha de quem ora escreve estas linhas.

De um salto, entre a dor da pancada e a fúria pelo desdém do exibido, o atingido prendeu-lhe as costas entre os dentes; com uma mão, reteve os seus braços e, com a que ficou livre, bateu furiosamente nas costas do infeliz, só largando com a intervenção dos funcionários da escola. Dali há alguns minutos, ambos estavam se acusando mutuamente diante da direção.

Alguns meninos que enxergavam, que ainda se encontravam no recinto e, que assistiram ao acesso de fúria daquele que fora atingido pela tal pasta, foram chamados para contar o que houvera se sucedido, diante da direção.

Um deles descrevera a cena para os circundantes:

- Parecia que ele estava ensaiando para tocar na banda em Sete de Setembro!

 

José Jorge Andrade damasceno – 04 de agosto de 2021.

domingo, 1 de agosto de 2021

Um telegrama e o embarque no "Pirulito".

Histórias e memórias de uns tempos vividos em salvador - V. Um telegrama, o embarque no  “Pirulito”

 

Os dias posteriores ao ribombar dos travesseiros foram de acomodações das placas tectônicas movimentadas há já algum tempo, mas, sobretudo, naquela semana iniciada em 22 de agosto de 1976, aliás, o último domingo da vida do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Como seria de se esperar, várias reuniões foram feitas entre a direção interna e o grupo de senhoras abnegadas, caridosas e beneméritas da sociedade soteropolitana, que proviam os recursos para a manutenção do Instituto de Cegos da Bahia, no sentido de decidir o que fazer com aqueles insubordinados/mal-agradecidos cegos que provocaram a hecatombe comportamental, brevemente descrita no arrazoado anterior.

Este escrevedor, embora não houvesse liderado aquela rebelião de travesseiros – ao contrário, fora mero coadjuvante -, mas, tido como um dos cabeças, talvez por conta de sua disposição de tudo fazer para voltar para casa, fora colocado em isolamento, no “horário do silêncio”, tendo sido colocado em um aposento adaptado em um banheiro sem uso, com direito a latrina para uso durante a noite.

Tal providência não foi sem razão. Em ocasião não muito distante daquela, ele fora colocado em isolamento, em um quarto localizado no quinto andar do prédio, fechado a chave, sem janelas, apenas com um basculante; para tanto, recebera um penico, a fim de depositar os resíduos líquidos, vertidos durante a noite. Certo dia, sabe-se lá por qual razão, um outro resíduo fora ali depositado e, sem querer passar toda aquela noite  aspirando o cheiro exalado por aquele produto, resolveu lançá-lo pelo basculante.

Na manhã seguinte, após o café frugal servido no estabelecimento de encarceramento de cegos, se dirigira para a Kombi que os levaria para as escolas.

Sabendo do risco de pisar no seu próprio resíduo, logo tratou de cuidadosamente se acomodar no banco da frente do referido veículo, enquanto os outros colegas, como de hábito, passeavam em volta da Kombi, até que o motorista viesse para os conduzir aos seus destinos.

 

Ao se aproximar, o jocoso motorista dissera:

- Bora, cegada!

Como se tivesse ouvido um comando de quartel, a turma se esgueirou para dentro daquele automóvel, se acomodou e, o motorista iniciou o trajeto.

Quase imediatamente, iniciou-se os “fun, que fedor!” Ao que seu Brás acrescentou:

- Que pôrra! Quem foi o fila da puta que pisou em merda? Foi você, Jorge Grande?

- Eu mesmo não, seu Brás! Eu nem daqui saí! Respondeu o interpelado, com a seriedade de uma estátua de mármore!

Mas, quando fora deixado no Iceia e, transpusera o seu portão, prorrompera em estrepitosa gargalhada, explosão que, certamente, teria deixado perplexos os circundantes!

Assim, os dias que completaram agosto e iniciaram setembro, passaram ainda mais lentamente. No imediatamente posterior a algazarra, serviram para repercutir a traquinagem e fazer troça da chefe e sua postura ridícula diante do episódio. Depois, veio a desclassificação no refeitório, um dos poucos lugares de sociabilidade daquele internato, pois ali, não se fazia separação dos alunos, conforme o sexo.

Como demonstração de autoridade e, para dar exemplo aos demais que eventualmente quisessem perpetrar novas rebeliões perturbadoras da boa ordem da casa, o rebelde deixara de ocupar a primeira mesa – considerada como de “elite”, juntamente com mais três outras. Este narrador foi tirado da dita mesa da “elite” – onde todos faziam os seus pratos, embora com limites e, composta por alunos que “estudavam fora e cursavam o ginásio”, que tinham alguma desenvoltura no que tange à coordenação motora -e fora inserido na mesa dos que já encontravam os pratos servidos”, o que significava a retirada de qualquer possibilidade de manobra para ter um pouco mais de comida no almoço.

Enfim, em uma manhã ensolarada, talvez já fosse setembro, este rebelado saiu no primeiro turno dos que iriam para a escola – o seu era o segundo -, com o firme intento de lá permanecer até o fim da tarde, se configurando mais uma reação àquilo que entendia ser arbitrariedade, perpetrada pela chefe contra si.

Depois da magra refeição matinal, composta por um caneco esmaltado de café preto, um terço de uma vara de pão com margarina, vez por outra um pedaço de banana da terra e, um prato daqueles de servir doce, com um mingau que não era possível saber qual era o seu feitio, dirigiu-se ao veículo conduzido por seu Brás, abordo do qual fora levado até o Iceia, onde ficara toda a manhã, merendando fartamente no intervalo, guardando parte daquela merenda – pão de ovos com mortadela e Nescau – para lhe servir de almoço ao meio-dia.

E assim, foi. No horário que deveria voltar para o almoço no Instituto, o rebelde se enfiou na biblioteca da escola, só saindo dali, para assistir a primeira aula da tarde. Segundo os seus planos, só retornaria ao final do dia, por não dispor de qualquer alternativa para lançar mão.

Corria a tarde morna e, as aulas fluíam sem tropelias. Logo após  o intervalo, por volta das quinze horas e trinta minutos, alguém pede licença ao professor; chega até aquele aluno e diz para sair um pouco, pois o pessoal do Instituto estaria ali. Levanta-se e, ao chegar no corredor, ouve de alguém que talvez fosse funcionário do Iceia:

- Pegue as tuas coisas. Seu Brás está lá fora.

Entendendo quase imediatamente que o seu plano de alguma maneira funcionara, fora surpreendido com a presença de sua mãe, logo que chegou no dito Instituto. Orientado a subir para pegar os seus pertences, que já estavam arrumados, cerca das dezesseis horas, já deixava para trás aqueles muros que o mantiveram em regime de reclusão por todo àquele tempo.

Ao descer a Ladeira de Água Brusca, com o objetivo de alcançar o Largo de Meninos e, na Jequitaia, pegar um transporte que os levasse até a estação da Calçada, dona Amanda disparou:

- Achei que me chamaram para levar o seu caixão!

Aquela reação tinha um motivo: dona Amanda havia recebido um telegrama, convocando-a para comparecer com urgência em Salvador, para tratar de assunto referente ao seu filho, então internado no ICB. Ora, há pouco mais de dois anos, ela houvera perdido o seu filho mais velho para “aquela doença ruim”, como dizia, quando se referia ao câncer. E, quando o outro aprontava alguma, ela vociferava:

- O que era bom morreu. O outro, ficou para me dar trabalho!

Nem precisa dizer que a tal frase fora repetida, naquele trajeto entre a “jaula de cegos” – como carinhosamente era cognominado o Instituto – e as imediações da Feira de São Joaquim, de onde mãe e filho embarcaram em um ônibus que os levara até a calçada.

Mas, para o filho que estava há poucas horas de seu torrão natal, pouco importava se o seu irmão falecido era preferido em detrimento dele.

O que importava mesmo é que, ele, finalmente, embarcaria no Pirulito e, ao chegar na estação São Francisco, estaria pisando em um espaço que já lhe era familiar. No entanto, a viagem foi concluída antes da aguardada estação, uma vez que a “agulha” estava fechada, o que obrigara o trem a esperar a sua abertura, para poder prosseguir. Como o lugar onde se dera a interdição temporária era próximo da moradia de dona Amanda, ela desceu ali mesmo, talvez a uns trezentos metros do seu modesto lugar de morada.

Ah, quase dez da noite. Que dia maravilhoso foi aquele, dia que teve um desfecho tão inesperado, quanto diferente do anterior: não dormira trancado a chave, como dormiriam os sentenciados de grande periculosidade!

https://youtu.be/0Blw9bVFgEA

José Jorge Andrade Damasceno – escrito em sábado, 31 de julho de 2021; revisto e publicado em domingo, 01 de agosto de 2021.