Idos de 1991 – trinta anos de um estágio que não terminou
Era uma segunda feira e, logo cedo, este escrevedor se
dirigiu ao centro da cidade, com o intuito de comprar material de apoio para o
seu estágio supervisionado, como cumprimento da última etapa para a conclusão do
curso de Licenciatura em História, que já se arrastava à longos cinco anos.
Ao entrar em uma das papelarias, iniciara o seu atendimento
uma jovem que comentava um fato que iria marcar a sua memória: dizia a
vendedora, que ouvira falar de um acidente que interrompia a vida e a carreira
de Gonzaguinha, um dos marcos musicais de uma juventude ainda interessada em
boas canções.
Aquela informação fora impactante demais para ser
esquecida. Sempre que este escrevedor é remetido àquele momento de sua vida
acadêmica, relaciona imediatamente estes dois elementos, a partir dos quais
desenvolve o seu rememorar do tão esperado quanto temido dia em que enfrentaria
pela primeira vez uma turma de verdade: o estágio.
De posse do material com o qual confeccionaria alguns
elementos de apoio às suas aulas, como mapas e quadros esquemáticos, o
estagiário voltou para casa em busca do seu inseparável receptor de rádio, a
fim de confirmar o que ouvira na loja. Era verdade: Gonzaguinha fora vítima de
acidente automobilístico que lhe fora fatal.
É verdade que aquele estagiário pouco conhecia da obra de Gonzaguinha,
salvo algumas clássicas e uma antológica que cantava juntamente com o seu pai
adotivo, o velho “rei do baião”, aliás, falecido quase dois anos antes. Era “Vida
de viajante”, cujo link segue abaixo.
https://youtu.be/hh5BMG69WVI
Mas, o que talvez lhe tenha chamado a atenção, fôra as
circunstâncias trágicas daquela morte, em idade tão precoce – Gonzaguinha contava
45 anos (setembro de 1945, abril de 1991) -, bem como a aludida proximidade da
morte do quase octogenário Luís Gonzaga.
Mas, voltando ao estágio, dali há alguns dias, depois de ter
contado com alguns mapas pertencentes à biblioteca da FFPa e, de contar com o
inestimável apoio de Marcos, que com a sua grande habilidade serigráfica, interpretou
em quadros esquemáticos as confusas ideias do atemorizado estagiário, tem
início as aulas em uma turma do primeiro ano de desenho arquitetônico, aliás,
turma cuidadosamente escolhida, no matutino do Centro Integrado Luiz Navarro de
Brito – o bem conhecido Estadual -, onde aquele estagiário estudara grande
parte de sua vida, espaço que lhe era muitíssimo bem conhecido, o que
facilitaria o seu ir e vir, no período que o estágio duraria.
Depois de breve apresentação feita pela professora responsável
pela turma, com algum receio, começou enfim aquela atividade que fôra o teste
de fogo para este escrevente, visto que, àquela altura, prestes a concluir a Licenciatura
em História, jamais entrara em uma sala de aula, para o exercício docente, o
que para os demais colegas, inclusive os de semestres menos avançados, era
lugar comum.
Um episódio que marcou aquela experiência, foi preconizado
por um aluno que o procurara em sua carteira de professor, com o objetivo de dirimir
uma dúvida que o assaltara. Perguntou o aluno ao estagiário: “professor, o que
é estauto”?
Tendo ouvido o questionamento, percorreu lhe um calafrio,
pois a dúvida do aluno estava relacionada a um texto que fora dactilografada
pelas funcionárias da “mecanografia” da FFPA, famosas pelos seus erros de datilografia,
desde os primeiros semestres cursados pela primeira turma, que ingressara em
1986.
Recobrado do susto, tendo procurado manter a calma, o
estagiário pergunta: “meu filho, onde você leu isto”?
- Aqui, professor, no texto: “estauto político da colônia”.
Sem ter qualquer possibilidade de conferir o modo como
estava escrito no texto, pediu-se ao aluno que lesse todo o trecho em que ele
encontrara a dúvida. Ele foi até a sua carteira, pegou o texto e voltou para
ler:
- “Estauto político ...ôh, é estatuto, professor...”
Ufa! Que alívio; não fora a dactilógrafa quem errara, fora o
aluno que lera mal!
Tratava-se de uma obra clássica de Caio Prado Júnior,
intitulada “Evolução política do Brasil”, de onde se retirou o capítulo “O
sentido da colonização”.
Exceto este incidente indicativo da má formação escolar do
aluno, todo o estágio transcorreu com alguma normalidade, tendo até alguns momentos
de empatia entre estagiário e alunos.
No entanto, logo após a primeira avaliação feita para aferir
o que fora aprendido pela turma e, claro, o êxito do aprendiz de professor em
sua tarefa de “ensinar”, eclodiu uma greve de professores, que, ao terminar,
inviabilizou a conclusão do estágio, deixando um certo gosto de frustração,
visto que o teste a que era submetido o estagiário, não foi levado até ao seu
final.
Alagoinhas 30 de março de 2021.
Professor José Jorge Andrade Damasceno