Histórias e memórias de uma imprensa viciada – José Jorge
Andrade Damasceno
Publicado originalmente no Alagoinhas Hoje em 19 de maio de 2013
Sem eleições presidenciais desde aquela realizada em 1960,
que conduziu Jânio Quadros ao Palácio do Planalto, o Brasil se reencontra com
esta modalidade de escrutínio no ano de 1989, após os 21 anos de regime
civil-militar e pouco mais de um ano após a promulgação daquela que foi
decantada como sendo a “Constituição Cidadã”.
Marcada pela presença de nomes já consagrados na política
brasileira, como os de Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, para citar apenas
dois, a primeira eleição presidencial após as grandes mobilizações sociais e
políticas do início da década de 80 do século XX, se apresenta, como tendo sido
aquela, na qual os meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão,
tiveram efetiva participação, na construção de uma espécie de “vontade
popular”. Driblando as restrições legais relativas à exposição dos candidatos
e, aproveitando-se de sua quase absoluta penetração em todos os recantos do
País, mesmo os mais longínquos, a Rede Globo de Televisão, associada a outros
setores da imprensa -, jogou papel decisivo na pavimentação da estrada que
levou ao segundo turno, o candidato filiado ao inexpressivo PRN, Fernando
Collor de Melo, até então, um obscuro governador de Alagoas, embora de família
politicamente tradicional, cuja raiz remonta aos anos 30.
Seu contendor era o metalúrgico e ex-deputado Constituinte,
Luís Inácio Lula da Silva, cuja origem política é encontrada nas mobilizações
operárias, que tinham como berço o ABC Paulista, desencadeadas a partir do
final da década de setenta daquele mesmo século.
Aquele foi um pleito amplamente polarizado em torno de duas
propostas sócio-políticas bem delineadas. Por um lado, Fernando Collor de Mello,
representava a proposta de manutenção do status quo das “elites” políticas e
empresariais brasileiras que tinham como seu porta-voz principal o complexo
sistema de comunicação de massas, capitaneado pelas Organizações Globo. Por
outro lado, Lula da Silva representava o ideal de mudança social preconizada
pelo Partido dos Trabalhadores, agremiação nascida da confluência de diversos
movimentos sociais que encontravam lastro e ressonância em uma considerável
parcela do setor “progressista” da sociedade civil brasileira.
Longe de ser um elemento neutro na formação da opinião
pública, neste e em diversos outros episódios da história recente, a imprensa
brasileira em geral e a televisiva em particular, vê-se como instrumento de
persuasão e/ou convencimento, a partir do qual, se apresenta com a finalidade
de desempenhar papel relevante, que expressasse na prática a vontade de uma
massa formatada para responder positivamente aos anseios sócio-políticos de uma
facção dominante do setor comunicacional brasileiro e internacional.
Já em 1982, incomodado com a possibilidade de ver no comando
do estado fluminense um político que não fosse afinado com seus interesses
empresariais, para dizer o mínimo, o núcleo dirigente das Organizações Globo,
empreendeu esforços no sentido de evitar a eleição de Leonel Brizola para
governar o estado do Rio de Janeiro.
O rumoroso caso “Proconsult” deu uma dimensão daquilo que
seria a atuação dos meios de comunicação de massa, alguns anos mais tarde,
quando empreendeu um gigantesco esforço para evitar que vencesse as eleições
presidenciais de 1989, um segmento político partidário que representava perigo
à hegemonia comunicacional do império comandado por Roberto Marinho.
Um dos episódios mais obscuros daquela campanha eleitoral,
sem a menor sombra de dúvidas, foi o último debate entre os candidatos ao
segundo turno, Collor de Melo e Lula da Silva.
Cheio de lances espetacularizados, nos quais o candidato
apoiado abertamente pelas Organizações Globo apresentou fatos da vida pessoal/privada
do candidato Lula da Silva, amplamente explorados no momento de editar para a
última edição do principal jornal da rede de emissoras, colocando em grandes
dificuldades o candidato prejudicado, visto que não haveria mais tempo para
exigir direito de resposta e/ou de reparação, pois faltavam apenas algumas
horas para o processo eleitoral ter início.
As manipulações do último debate entre os postulantes ao
Planalto e as repercussões das “denúncias” trazidas a público pelo candidato
“global”, foram decisivas para a definição do pleito em seu favor, pois, embora
tendo cometido o mesmo erro de que acusara o candidato Lula da Silva, não houve
tempo nem competência da organização da campanha petista, para desmascarar a
hipocrisia sócio-religiosa, lançada pela campanha de Collor de Melo para
desmoralizar seu opositor.
Prevalecendo-se do falso moralismo coletivo de que se ufana
grande parte da sociedade brasileira, principalmente suas elites
culturais/religiosas, as Organizações Globo, os organizadores e condutores da
campanha de Collor de Melo, associados aos seus demais apoiadores na imprensa
nacional, viram exitosa sua trama maquiavélica contra o PT e seu candidato, no
sentido de vê-los derrotados nas urnas e fazer subir a rampa do Palácio do
Planalto o candidato que apoiavam aberta e despudoradamente.
Logo que assume a mais alta magistratura do País, o
ex-caçador de “marajás”, mostra toda sua empáfia e despreparo para o cargo que
ocupava, se apresentando mais como um “pop star”, do que propriamente como um
presidente da República, cônscio de seus deveres constitucionais. Desprezando
elementos-chave característicos de um chefe de Estado, despindo-se inúmeras
vezes da “liturgia do cargo”, colecionando fama midiática, mas também,
acumulando ódio de uma parcela daqueles mesmos que contribuíram com sua
eleição, por conta das medidas econômicas que adotara, a mais rumorosa e
polêmica delas, foi, sem dúvida o tal “confisco dos ativos financeiros”, o que
provocou entre outras coisas, uma onda de suicídios e desorganização de
diversos compromissos já previamente assumidos, por um número considerável de
pessoas físicas e, até mesmo, de pessoas jurídicas.
A partir dali, se faz sentir o início do declínio de seu
meteórico “boom” político/midiático, embora as Organizações Globo e seus outros
aliados, tenham envidado grandes esforços para não deixar transparecer o já
perceptível desgaste social, político e o mais grave deles, o institucional.
Começam a espocar os escândalos, os desvios de conduta e
recursos, as “carteiradas”, os jeitinhos, os deslumbramentos de ministros,
assessores diretos e indiretos, além de esbanjamentos de diversas ordens, a
despeito das restrições impostas pela equipe econômica, que só atingiam àqueles
“menos iguais” perante a lei e a sociedade.
Até que, menos de dois anos de seu mandato, explode a maior,
mais complexa e decisiva das crises políticas que aquele governo e, de resto,
todo o País tivera que enfrentar: o rumoroso caso PC Farias.
Enquanto as denúncias apareciam na “periferia” do jornalismo
dito “revanchista”, ganhava pouco a pouco outros setores da mídia, até que,
três reportagens publicadas pela revista ISTO É abalam de vez a pseudo solidez
do governo Collor e rompe o “cordão sanitário” no qual fora envolto. As
entrevistas de Pedro Collor, irmão do presidente; a entrevista de Egberto
Batista, motorista diretamente ligado à cúpula paralela do presidente, além da
entrevista/depoimento da secretária Sandra, foram os estopins que, uma vez
acesos, implodiram irremediavelmente o governo patrocinado pelas Organizações
Globo e virou o jogo em favor dos outros setores da mídia, contrários e
alijados do processo político, precisamente por ter um posicionamento diferente
daquele preconizado pela referida organização midiática.
Após consumada a votação no Congresso que permitiria a
abertura do processo de impeachment do presidente Collor, a imprensa
internacional, mais precisamente, a BBC de Londres afirmava em seu noticiário,
alguma coisa mais ou menos assim: que “a Globo ergueu e as outras emissoras
derrubaram o presidente brasileiro”.
Nos governos seguintes, Itamar Franco, Fernando Henrique
(dois mandatos), Lula da Silva (dois mandatos) e Dilma Rousseff (primeiro ano
de mandato), esta imprensa viciada em erguer e defenestrar, empenha-se em
derrubar ministros, assessores diretos; também se empenha em emplacar
auxiliares diretos para atuar junto aos mandatários republicanos. É um vício
que ela traveste de “vigilância” democrática, para passar ao público a idéia de
um quarto poder, capaz não só de fiscalizar, mas também de se impor enquanto
formadora de opinião e, sustentada por princípios e valores morais e éticos, a
partir dos quais pautam suas reportagens, denúncias, campanhas contra corrupção
e pelo zelo da coisa pública, segue impondo sua vontade e seus interesses,
sempre pintados como defesa dos interesses públicos.
Com este chavão tão agradável aos olhos dos leitores e
telespectadores e aos ouvidos dos que ainda apreciam o rádio, eles torcem e
distorcem a realidade, impondo a verdade que interessa ao órgão no qual esteja
prestando serviço. Mas se posiciona como formador de opinião pública e, ao
mesmo tempo, porta-voz desta mesma opinião, por ele engendrada pouco antes.
Até quando? Qual será o próximo alvo?
Ao juízo do autor destas linhas, neste momento em que elas
estão sendo escritas, a imprensa está enveredando por uma linha de conduta
arriscada. Ela está escorregando para uma partidarização perigosa! Dúvidas,
caro leitor? Dê-se ao trabalho de fazer uma incursão pelas publicações que
antecederam e precederam a eleição da presidente Dilma Rousseff; dê-se uma
rápida garimpada no noticiário entre sua posse e a sua histórica participação
na abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em setembro,
na cidade de Nova York; verifique-se como se utilizou no período pré e
pós-eleitoral de 2012, o vastíssimo material impresso, televisivo e radiofônico
produzido durante o pretenso “mensalão”, tido como o processo mais bem
conduzido por uma corte superior. E, assim, tire suas próprias conclusões.
José Jorge Andrade Damasceno é Doutor em História social
pela Universidade Federal Fluminense e Mestre em História Social pela
Universidade Federal da Bahia; professor adjunto no Colegiado de História, do
Departamento de Educação, Campus II da UNEB, Alagoinhas, BA.
professordamasceno@gmail.com
@JorgeDamasceno1