Primeiros passos de uma trajetória – José Jorge A.
Damasceno
Originalmente publicado no site do jornal Alagoinhas Hoje
em 5 de maio de 2013 | 09:29
Aqui, uma vez mais, retoma-se a idéia já esboçada há
algumas semanas, a partir da qual já foram escritos três arrazoados. Trata-se da
idéia de tomar a memória de algumas pessoas cuja trajetória tem relação com a
história de Alagoinhas, entre as décadas de 60 e 70, para retirar elementos que
permitam refletir sobre a cidade e seu desenvolvimento social, cultural,
político e econômico, para com tais elementos buscar compreender a história
social de uma cidade que, a despeito de ter se mostrado bastante dinâmica e
pujante em um determinado período, sobretudo, quando se fez tronco ferroviário
e entreposto, a partir do qual mercadorias, pessoas e idéias eram transportadas
para as mais diversas regiões do estado e do nordeste.
Isto só era possível pela existência da ferrovia Bahia
São Francisco, que nas décadas de 1940 e 1950, chegou ao seu ápice e iniciou
seu declínio vertiginoso e, por conta da prevalência da política de rodovias,
em detrimento daquela que favorecera a ferrovia, entra em franco processo de
estagnação.
E na esteira da falência do complexo ferroviário instalado
nesta cidade, também ela entra em franco declínio, que atinge as diversas áreas
nas quais era essencial a utilização daquele meio de transporte, que permitia a
circulação de mercadorias, idéias e pessoas.
Também já se salientou que o recurso utilizado para obter
as informações com as quais se pretende trabalhar, é o de “documentação oral”,
cujo principal pilar é a memória do entrevistado, que no geral é uma memória
social, mas que está sujeita ao indivíduo, no seu exercício de escolhas, por
meio do qual seleciona o que lembrar, como lembrar e para que lembrar.
Nesta perspectiva, cabe ao historiador relacionar os
diversos fios das muitas memórias, a partir dos quais ele tecerá a história,
que por sua vez, será colocada entre as ferramentas por meio das quais a
sociedade pode construir as bases sobre as quais erguerá o seu devir.
Para este arrazoado, a entrevista concedida a este
escrevente, pelo militar reformado Reginaldo José de Santana, conhecido por
todos como Major Reginaldo, será evocada, na medida em que tem uma grande
contribuição a dar ao intento que se vem indicando aqui, qual seja: o que se
pretende é que, a partir da memória de alguns indivíduos, se busque apreender
uma parte da memória social de Alagoinhas.
Inicie-se, pois, trazendo ao leitor algumas informações
de caráter biográfico, a partir das quais, se pode depreender o que pensa e
como pensa o entrevistado, visto que ele é “filho de seu tempo” e fala de um
“lugar dado”. Assim, ele inicia respondendo a pergunta do entrevistador, no que
respeita ao seu nome, lugar de nascimento e no qual viveu sua infância, bem
como onde tomou contato com o mundo das letras e da formação profissional.
“Reginaldo José de Santana, nascido no dia primeiro de
março de 1940, na localidade de Salinas da Margarida, a essa altura, distrito
de Itaparica, no município da /Bahia. Mais tarde foi emancipado. Filho de
Acúrci José de Santana e Maria da Glória de Santana. Eles são de Santo Amaro,
Bom Jesus, aquela área, que pertenceu a Santo Amaro e, minha mãe, vivia mais em
Salvador.Meu pai em Santo Amaro… Bom Jesus dos Pobres… Salinas, encarnação…Fui
pra Salvador aos treze anos, estudar,
fiquei com… na casa de uma madrinha e tia; irmã de um médico que esteve
em Alagoinhas, que tinha o apelido de “Fumo Fino”.”Doutor Fumo Fino”. Ele com
dois metros e dez de altura … Foi médico da Leste”.
O entrevistador indaga se fora aquele que o colocara em
contato com Alagoinhas, ao que responde o entrevistado:
“Não. Mas ele já me falava de Alagoinhas. Inclusive,
casou com uma moça daqui, que trabalhava num trapiche. [...]. Mas ele já me
falava; eu já conhecia a laranja daqui, me falava do racismo, entendeu? Me
falava do racismo; os negros praticamente não podiam freqüentar a Rádio Clube,
que hoje é Acra, entendido? Uma cidade grupista, como ainda é, até hoje, não é?
O grupo de fulano, [...].
“Tem até um que
chama senadinho, que fica ali defronte o… entendeu? Que agora está em
decadência, porque tem todo tipo de gente. Antigamente eram os importantes da
classe média, mas agora já tem povão também. [...]”.
O entrevistado retoma as informações familiares:
“Sim… mais três irmãos, fui pra Salvador estudar, lá,
estudei em colégio particular, o Instituto Baiano de Ensino, depois Severino
Vieira da Bahia. Estes foram os dois colégios, pelos quais eu passei.
“Depois, trabalhei
no comércio, uma temporada; cheguei a ser gerente de uma firma pequena; e fui
auxiliar de escritório (na Mongeroth Leone, onde soube da notícia do senhor
Mâncio Pimentel. Muito dinheiro fui buscar no banco, com os companheiros, para
mandar para o senhor Mâncio Pimentel pagar o fumo em Alagoinhas e, Chiquinho,
em Feira de Santana; e tive também notícias de seu Júlio Carmo , pai de
Juscélio, que era um dos agentes fumageiros importantíssimos daqui. Ele já não
estava mais em ação não. Ele já estava parado.Mas, Mâncio Pimentel estava em
ação.
Agora, já mais adiante, inicia a descrição de sua
inserção profissional:
E aí,” fui pra…. pra polícia; um amigo meu me deu notícia
de que havia um concurso para a polícia, que a gente (…) podia fazer o
concurso. Eu já era contador. Formei-me em contabilidade pelo colégio da … o
Instituto Baiano de ensino mas, no curso médio, naquele tempo.
“E, fui pro Exército; servi o Exército em 1960, foi
quando passei aqui, em Alagoinhas, indo pra Paulo Afonso, minha unidade foi
Paulo Afonso, onde eu era o dois meia sete, do pelotão de Petrechos leves, na primeira companhia independente de fuzileiros, QMP77101. Este é
meu número militar.
“E ao passar aqui,eu vi um jardim bonito,cheio de dálias,
rosas e, aquelas árvores cortadas como uns animaizinhos; uns tipos de animais.
E aquelas palmeiras imperiais majestosas… Lugar bonito, o centro era bonito,
meu amigo…
E eu disse a um amigo meu, de Exército, eu digo: Ainda
vou morar nesse lugar”.
“Ele disse: deixa
de besteira, meia sete… deixa de bobagem… Eu digo: oxente, eu vou morar nesse
lugar.
Neste ponto, o entrevistado narra, como conseguiu
concretizar o vaticínio que ele fizera a respeito de seu intento de vir viver
em Alagoinhas:
“E, coincidentemente,
eu fui pra polícia militar, levei dez meses, eu fui cabo (… e sargento,
no mesmo dia, no mesmo boletim. E fui orador
da minha turma.
“Depois fiz curso de monitoria, não me deixaram sair da
escola onde me formei, eu fiquei como monitor, daí com três anos, eu vou para a
escola de oficiais, faço a primeira tentativa, perdi matemática, e aí, fui
tomar um curso com o professor Hilton, lá na Liberdade. Grande professor! E
consegui, no exame seguinte, passei. “Passei quatro anos na escola de oficiais.
Quando é na hora de sair da escola, um amigo meu, que hoje é advogado, major
também, Amadeu Gesteira do Nascimento, o pai dele morreu, ele era arrimo,
praticamente, o chefe da casa, e, meu lugar era Feira de Santana, pela minha
classificação. E a dele, era Alagoinhas.
“Ele aí veio me pedir: Reginaldo, dá pra você abrir mão
de sua classificação de ir pra Feira, e eu ir pra seu lugar? Aliás, de eu ir
pra Feira e você ir pra o meu lugar? Então eu disse: onde é seu lugar, rapaz? –
porque é muito amigo meu; eu gosto muito dele e me parece que ele também de
mim, a gente se entende muito bem -; ele aí disse: é Alagoinhas. Eu digo: como
rapaz? É. Eu digo é isso mesmo, é a voz do anjo! Eu disse: eu quero é agora.
Vamos lá em cima no comando pra fazer as tratativas e tudo… Oxente… Aí o
Coronel trocou, eu vim pra Alagoinhas, ele foi pra Feira.
“Aí começou a minha luta dentro da corporação, sempre
escola e instrução, instrução, instrução, instrução…. e, chegou a hora de vir para um Batalhão. Foi
o primeiro e único que eu conheci. Foi o quarto Batalhão da Polícia militar.
“Aqui, fiz todo meu serviço, quase anônimo, Estou vendo
esta violência terrível, passeata, isso e aquilo, no meu tempo, não tinha nada
disso e, Alagoinhas não era tão pequena assim.
Aqui ele elabora uma explicação do que aconteceu em
Alagoinhas, entre o tempo balizado em 1971, quando ele chega para servir no
Batalhão da Polícia Militar e o instante em que falava aos entrevistadores:
“O que é que houve em Alagoinhas? Uma redistribuição
populacional, e um aumento do espaço, no mapeamento predial. Por quê? Nosso
sistema é o sistema português, muito comum ainda, na área rural: em uma casa, o
pai, a mãe, o tio, a avó, o avô, o primo…, todos numa casa. Com a chegada
desses conjuntos, o que é que aconteceu em Alagoinhas? Alguém conseguia uma
casa, saía com o filho; o outro conseguia e… saía… e, a população foi se tornando, o que? A
família rarefeita; cada uma indo para seu lugar e assim, Alagoinhas cresceu”.
E o major Reginaldo, prossegue dando informações
valiosas, que permitirão ao pesquisador formular questões que ensejem um
aprofundamento de estudos de comportamento, mudanças no que respeita ao modo de
ser e pensar do alagoinhense, na medida em que ele toma contato com uma determinada
realidade geopolítica e social, que ele vê ser modificada e acompanha alguns
dos desdobramentos decorrentes de tais mudanças. Diz ele:
“Cheguei aqui no dia primeiro de fevereiro de 1971, pelo
carro de seu Altino Rocha, empresa, Cidade de Alagoinhas. Saltei ali, defronte
ali, onde hoje é o fórum, tinha um pé de eucalipto grande; o batalhão era ali,
onde é ainda hoje.
Totalmente diferente, mas era ali
“Nesse dia estava de serviço o Tenente Venceslau. E aí,
me apresentei a ele, e tal; eu era
aspirante. Viemos pr’aqui três aspirantes: Ivanilson Oliveira Santos, que hoje
mora na praia, comandante do quinto batalhão; Capitão Renivaldo Pimentel
Carvalho, que está na prefeitura, entendido? E eu; Reginaldo José de Santana.