sábado, 11 de junho de 2016

Republicando - 3


Rumo à Estação Alagoinhas – José Jorge Andrade Damasceno

 
Originalmente publicado no site do jornal Alagoinhas Hoje em 10 de fevereiro de 2013 | 10:08

 

Cerca de três ou quatro anos antes que a Freguesia de Santo Antônio das

Alagoinhas fosse elevada a Vila, pela Resolução Provincial de 16 de junho de

1852, grandes expectativas fervilhavam no meio das elites políticas e econômicas

locais, no sentido de dar impulso aos processos de crescimento das oportunidades

de negócios, que viessem a promover o desenvolvimento social e econômico, tanto

da nova Vila, quanto da região formada por outras vilas e freguesias com as

quais mantinha relações políticas e comerciais.

 

A partir das posições sócio-econômicas que ocupavam aqueles que lideraram o

processo de elevação da Freguesia à condição de Vila, talvez seja possível

depreender-se que, a primeira Câmara Legislativa instalada em 2 de Julho de

1853, tivesse em sua composição, indivíduos conhecedores das discussões

correntes na praça da Bahia, em torno das idéias e propostas diversas, inclusive

encabeçadas por cidadãos de regiões circunvizinhas, no sentido da implantação de

uma estrada de ferro que ligasse “O mar da Bahia ao sertão do São Francisco”.

 

Ao que parece, as tratativas em torno da construção de uma estrada de ferro que

viesse a ligar “o mar ao sertão” já se encontravam em processo bem adiantado, na

medida em que o decreto que elevava a freguesia e o que concedia os direitos de

construir a dita estrada de ferro à “Junta da Lavoura”, apareceram em datas bem

próximas um do outro. Segundo Etelvina Rebouças Fernandes, “A primeira concessão

para a construção da Estrada Bahia ao São Francisco foi dada à companhia

composta por membros da Junta da Lavoura e outros proprietários desta Província,

com privilégio exclusivo de exploração da estrada por quarenta anos, através da

Lei Provincial n. 450, de 21 de Junho de 1852”.

 

Tão ousado quanto dispendioso, o empreendimento ferroviário trazia no seu bojo,

grande quantidade de expectativas de desenvolvimento econômico para a Vila de

Alagoinhas, na medida em que seus líderes se empenharam no campo político, com o

objetivo de garantir a implantação dos trilhos sobre os quais, acreditavam,

viria a modernização dos meios de circulação de mercadorias e recursos, bem como

grande impulso nas oportunidades de auferir maiores lucros, valorização das

propriedades rurais e elevação da qualidade da vida urbana.

 

A julgar pela disposição com que o Conselho Municipal se empenhou junto ao

governo provincial, no sentido de evitar que a estrada de ferro passasse por

outro lugar, que não a Vila de Santo Antônio das Alagoinhas, infere-se que era

de grande valia a concretização daquilo que já estava plantado nos planos das

lideranças locais, pois seria o ponto de largada para alavancar a viabilização

da Vila, sob o ponto de vista do progresso, do crescimento e do alargamento de

seus horizontes sócio-culturais.

 

Neste sentido, Alagoinhas e a Ferrovia se fazem pele e carne, na medida em que o

primeiro trecho construído e parcialmente entregue e, o prolongamento que veio

alguns anos mais tarde, moldaram a urbe, estabelecendo seus contornos,

delinearam suas vias de circulação e fincaram as bases sobre as quais se

estabeleceu, cresceu e desenvolveu, toda a vida política, social e econômica do

lugar.

 

Quase dez anos após a instalação do primeiro Conselho Municipal, em 31 de

janeiro de 1863, a companhia inglesa “Bahia and São Francisco Company”, dava por

concluído o trecho ferroviário, que tornava concreta a antiga idéia de uma

ligação entre a capital provincial e a Vila de Alagoinhas, vinte por cento do

projeto original, cujo ponto final seria a margem direita do Rio São Francisco,

na Vila de Juazeiro.

 

Em busca de uma pretensa viagem inaugural, que teria se dado em uma sexta-feira,

13 de Fevereiro de 1863, cerca de 15 dias após a entrega do trecho entre Santana

de Catu e Alagoinhas, não se encontrou relato de qualquer tipo de cerimônia na

data aludida. Algumas dissertações e obras consultadas simplesmente ignoraram

tal evento, a despeito de referirem-se a eventos de lançamento da construção;

pedra fundamental da estação da Calçada; inauguração da referida estação e

viagem inaugural dali até Aratu; lançamento da pedra fundamental, relativa à

construção do “prolongamento”, ocorrido cerca de nove anos depois; festa de

inauguração da primeira e mais imponente estação do “prolongamento”, a São

Francisco; entrega festiva da obra, ao finalmente chegar até Juazeiro.

 

No entanto, não se viu qualquer menção a algum tipo de cerimônia oficial, ou

mesmo a tal viagem inaugural, que teria se dado na data acima mencionada.

 

Algumas hipóteses foram levantadas na tentativa de explicar qual o motivo de não

aparecer nas fontes consultadas pelos pesquisadores visitados qualquer alusão a

um evento de tamanha importância para a história da Vila, na medida em que

passava a receber com regularidade, os trens, que traziam as mercadorias e as

pessoas vindas da capital.

 

Uma primeira explicação poderia ser encontrada na resistência do governo

provincial em receber a obra com apenas vinte por cento de seu trajeto

construído. A companhia inglesa, não tendo mais interesse em continuar a

estrada, uma vez alcançada a Vila de Alagoinhas, tenta entregá-la como acabada.

Tal intento leva a uma longa altercação com as autoridades provinciais, que só

aceitam receber, ainda assim, em caráter provisório, duas semanas após a suposta

viagem inaugural, tornada definitiva, apenas em dezembro de 1866.

 

Recorrendo-se uma vez mais a mestre E. R. Fernandes, sabe-se que “Em 27 de

fevereiro de 1863 foi assinado um termo de recebimento provisório da obra das

primeiras vinte léguas da estrada Bahia ao São Francisco, estabelecendo

condições para o recebimento definitivo da obra, assinado no Palácio do Governo

pelo Presidente da Província, António Coelho de Sá e Albuquerque e o

representante da Companhia Bahia and San Francisco Railway, o engenheiro Alfredo

C. Dick (…)”. Informa ainda a mesma autora que “a 9ª condição constante do termo

estabelecia que o pagamento da garantia dos juros seria suspenso se não fossem

atendidas, até o dia 31 de dezembro de 1863, as condições estabelecidas para que

a obra fosse definitivamente aceita pelo Governo (…), o que aconteceu por ato da

Presidência, em 20 de fevereiro de 1866 (…), três anos após a assinatura do

termo, deixando claro o desinteresse da Companhia em cumprir as determinações no

prazo estabelecido pelo Governo da Província”.

 

Ora, não aceitando a obra como pronta, a presidência da província não realizaria

uma cerimônia de inauguração oficial, embora o trecho já passasse a ser

trafegado normalmente, visto ser de interesse da empresa que detinha os direitos

operacionais do empreendimento. Parece claro que, desde o início do processo de

construção, à medida que cada trecho ficava pronto, era colocado imediatamente

em operação, sem a necessidade de cerimônias de inauguração, visto que, a

estação da Calçada, a primeira e mais imponente do trecho, já houvera sido

inaugurada, com pompa e circunstância, em 1860.

 

Uma segunda explicação para as pesquisas já realizadas não mencionarem a

pretensa viagem inaugural de Fevereiro de 1863, pode ser encontrada no caráter

modesto e dimensões acanhadas da estação construída em Alagoinhas e posta em

operação naquele ano, indicando não só a interrupção da obra, mas também sua

transitoriedade, na medida em que a execução do projeto entregue pela companhia

às autoridades provinciais, exigiria um aporte maior de recursos financeiros, do

que o capital já empregado pela companhia.

 

Àquela altura, o que estava concluído era um trecho de 123 km construídos, não a

obra, que ainda tinha 450 km por construir. Portanto, não poderia haver viagem

inaugural, simplesmente pelo fato de que a companhia pretendia reorientar

financeiramente o contrato com a Província e, por sua vez, a Província exigiria

o cumprimento integral do contrato em vigência. Isto demandaria, como demandou,

longo embate entre as autoridades provinciais e os construtores da ferrovia

Bahia and São Francisco.

 

Prova disto é o fato de que a construção do “prolongamento”, que nada mais foi

do que a continuação da estrada, apenas interrompida no trecho que chegara até

Alagoinhas, só vai se dar em 1878, sob a responsabilidade financeira da

Província da Bahia, em consórcio com outros empreendedores.

 

Talvez venha daí a constante confusão encontrada nas diversas publicações

alusivas a história de Alagoinhas, que muitas vezes indicam ser a Estação São

Francisco, a mesma cuja operação se dá em 1863, tratando-se na verdade, daquela

que é construída em concomitância com o prolongamento da estrada de ferro até

Juazeiro, inaugurada, solenemente, em 1880.

 

E a pretensa viagem inaugural de 13 de fevereiro de 1863, onde está? Está em uma

publicação comemorativa do centenário da independência da Bahia, em 1923. Ali,

tal viagem inaugural aparece, pela simples razão de já ter se passado 60 anos

dos eventos brevemente acima aludidos, havendo já sido resolvida a querela entre

a companhia construtora da estrada de ferro Bahia and São Francisco e a então

Província da Bahia.

 

Assim, em uma espécie de “rearrumação da história”, aquele diário oficial,

comemorativo da independência da Bahia, se reporta a uma “viagem inaugural”, que

é bem provável que não tenha existido.

 

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