Rumo à Estação Alagoinhas – José Jorge Andrade Damasceno
Cerca de três ou quatro anos antes que a Freguesia de
Santo Antônio das
Alagoinhas fosse elevada a Vila, pela Resolução
Provincial de 16 de junho de
1852, grandes expectativas fervilhavam no meio das elites
políticas e econômicas
locais, no sentido de dar impulso aos processos de
crescimento das oportunidades
de negócios, que viessem a promover o desenvolvimento
social e econômico, tanto
da nova Vila, quanto da região formada por outras vilas e
freguesias com as
quais mantinha relações políticas e comerciais.
A partir das posições sócio-econômicas que ocupavam
aqueles que lideraram o
processo de elevação da Freguesia à condição de Vila,
talvez seja possível
depreender-se que, a primeira Câmara Legislativa
instalada em 2 de Julho de
1853, tivesse em sua composição, indivíduos conhecedores
das discussões
correntes na praça da Bahia, em torno das idéias e
propostas diversas, inclusive
encabeçadas por cidadãos de regiões circunvizinhas, no
sentido da implantação de
uma estrada de ferro que ligasse “O mar da Bahia ao
sertão do São Francisco”.
Ao que parece, as tratativas em torno da construção de
uma estrada de ferro que
viesse a ligar “o mar ao sertão” já se encontravam em
processo bem adiantado, na
medida em que o decreto que elevava a freguesia e o que
concedia os direitos de
construir a dita estrada de ferro à “Junta da Lavoura”,
apareceram em datas bem
próximas um do outro. Segundo Etelvina Rebouças
Fernandes, “A primeira concessão
para a construção da Estrada Bahia ao São Francisco foi
dada à companhia
composta por membros da Junta da Lavoura e outros
proprietários desta Província,
com privilégio exclusivo de exploração da estrada por
quarenta anos, através da
Lei Provincial n. 450, de 21 de Junho de 1852”.
Tão ousado quanto dispendioso, o empreendimento
ferroviário trazia no seu bojo,
grande quantidade de expectativas de desenvolvimento
econômico para a Vila de
Alagoinhas, na medida em que seus líderes se empenharam
no campo político, com o
objetivo de garantir a implantação dos trilhos sobre os
quais, acreditavam,
viria a modernização dos meios de circulação de
mercadorias e recursos, bem como
grande impulso nas oportunidades de auferir maiores
lucros, valorização das
propriedades rurais e elevação da qualidade da vida
urbana.
A julgar pela disposição com que o Conselho Municipal se
empenhou junto ao
governo provincial, no sentido de evitar que a estrada de
ferro passasse por
outro lugar, que não a Vila de Santo Antônio das
Alagoinhas, infere-se que era
de grande valia a concretização daquilo que já estava
plantado nos planos das
lideranças locais, pois seria o ponto de largada para
alavancar a viabilização
da Vila, sob o ponto de vista do progresso, do
crescimento e do alargamento de
seus horizontes sócio-culturais.
Neste sentido, Alagoinhas e a Ferrovia se fazem pele e
carne, na medida em que o
primeiro trecho construído e parcialmente entregue e, o
prolongamento que veio
alguns anos mais tarde, moldaram a urbe, estabelecendo
seus contornos,
delinearam suas vias de circulação e fincaram as bases
sobre as quais se
estabeleceu, cresceu e desenvolveu, toda a vida política,
social e econômica do
lugar.
Quase dez anos após a instalação do primeiro Conselho
Municipal, em 31 de
janeiro de 1863, a companhia inglesa “Bahia and São
Francisco Company”, dava por
concluído o trecho ferroviário, que tornava concreta a
antiga idéia de uma
ligação entre a capital provincial e a Vila de
Alagoinhas, vinte por cento do
projeto original, cujo ponto final seria a margem direita
do Rio São Francisco,
na Vila de Juazeiro.
Em busca de uma pretensa viagem inaugural, que teria se
dado em uma sexta-feira,
13 de Fevereiro de 1863, cerca de 15 dias após a entrega
do trecho entre Santana
de Catu e Alagoinhas, não se encontrou relato de qualquer
tipo de cerimônia na
data aludida. Algumas dissertações e obras consultadas
simplesmente ignoraram
tal evento, a despeito de referirem-se a eventos de
lançamento da construção;
pedra fundamental da estação da Calçada; inauguração da
referida estação e
viagem inaugural dali até Aratu; lançamento da pedra
fundamental, relativa à
construção do “prolongamento”, ocorrido cerca de nove
anos depois; festa de
inauguração da primeira e mais imponente estação do
“prolongamento”, a São
Francisco; entrega festiva da obra, ao finalmente chegar
até Juazeiro.
No entanto, não se viu qualquer menção a algum tipo de
cerimônia oficial, ou
mesmo a tal viagem inaugural, que teria se dado na data
acima mencionada.
Algumas hipóteses foram levantadas na tentativa de
explicar qual o motivo de não
aparecer nas fontes consultadas pelos pesquisadores
visitados qualquer alusão a
um evento de tamanha importância para a história da Vila,
na medida em que
passava a receber com regularidade, os trens, que traziam
as mercadorias e as
pessoas vindas da capital.
Uma primeira explicação poderia ser encontrada na resistência
do governo
provincial em receber a obra com apenas vinte por cento
de seu trajeto
construído. A companhia inglesa, não tendo mais interesse
em continuar a
estrada, uma vez alcançada a Vila de Alagoinhas, tenta
entregá-la como acabada.
Tal intento leva a uma longa altercação com as
autoridades provinciais, que só
aceitam receber, ainda assim, em caráter provisório, duas
semanas após a suposta
viagem inaugural, tornada definitiva, apenas em dezembro
de 1866.
Recorrendo-se uma vez mais a mestre E. R. Fernandes,
sabe-se que “Em 27 de
fevereiro de 1863 foi assinado um termo de recebimento
provisório da obra das
primeiras vinte léguas da estrada Bahia ao São Francisco,
estabelecendo
condições para o recebimento definitivo da obra, assinado
no Palácio do Governo
pelo Presidente da Província, António Coelho de Sá e
Albuquerque e o
representante da Companhia Bahia and San Francisco
Railway, o engenheiro Alfredo
C. Dick (…)”. Informa ainda a mesma autora que “a 9ª
condição constante do termo
estabelecia que o pagamento da garantia dos juros seria
suspenso se não fossem
atendidas, até o dia 31 de dezembro de 1863, as condições
estabelecidas para que
a obra fosse definitivamente aceita pelo Governo (…), o
que aconteceu por ato da
Presidência, em 20 de fevereiro de 1866 (…), três anos
após a assinatura do
termo, deixando claro o desinteresse da Companhia em
cumprir as determinações no
prazo estabelecido pelo Governo da Província”.
Ora, não aceitando a obra como pronta, a presidência da
província não realizaria
uma cerimônia de inauguração oficial, embora o trecho já
passasse a ser
trafegado normalmente, visto ser de interesse da empresa
que detinha os direitos
operacionais do empreendimento. Parece claro que, desde o
início do processo de
construção, à medida que cada trecho ficava pronto, era
colocado imediatamente
em operação, sem a necessidade de cerimônias de
inauguração, visto que, a
estação da Calçada, a primeira e mais imponente do
trecho, já houvera sido
inaugurada, com pompa e circunstância, em 1860.
Uma segunda explicação para as pesquisas já realizadas
não mencionarem a
pretensa viagem inaugural de Fevereiro de 1863, pode ser
encontrada no caráter
modesto e dimensões acanhadas da estação construída em
Alagoinhas e posta em
operação naquele ano, indicando não só a interrupção da
obra, mas também sua
transitoriedade, na medida em que a execução do projeto
entregue pela companhia
às autoridades provinciais, exigiria um aporte maior de
recursos financeiros, do
que o capital já empregado pela companhia.
Àquela altura, o que estava concluído era um trecho de
123 km construídos, não a
obra, que ainda tinha 450 km por construir. Portanto, não
poderia haver viagem
inaugural, simplesmente pelo fato de que a companhia
pretendia reorientar
financeiramente o contrato com a Província e, por sua
vez, a Província exigiria
o cumprimento integral do contrato em vigência. Isto
demandaria, como demandou,
longo embate entre as autoridades provinciais e os
construtores da ferrovia
Bahia and São Francisco.
Prova disto é o fato de que a construção do
“prolongamento”, que nada mais foi
do que a continuação da estrada, apenas interrompida no
trecho que chegara até
Alagoinhas, só vai se dar em 1878, sob a responsabilidade
financeira da
Província da Bahia, em consórcio com outros
empreendedores.
Talvez venha daí a constante confusão encontrada nas
diversas publicações
alusivas a história de Alagoinhas, que muitas vezes
indicam ser a Estação São
Francisco, a mesma cuja operação se dá em 1863,
tratando-se na verdade, daquela
que é construída em concomitância com o prolongamento da
estrada de ferro até
Juazeiro, inaugurada, solenemente, em 1880.
E a pretensa viagem inaugural de 13 de fevereiro de 1863,
onde está? Está em uma
publicação comemorativa do centenário da independência da
Bahia, em 1923. Ali,
tal viagem inaugural aparece, pela simples razão de já
ter se passado 60 anos
dos eventos brevemente acima aludidos, havendo já sido
resolvida a querela entre
a companhia construtora da estrada de ferro Bahia and São
Francisco e a então
Província da Bahia.
Assim, em uma espécie de “rearrumação da história”,
aquele diário oficial,
comemorativo da independência da Bahia, se reporta a uma
“viagem inaugural”, que
é bem provável que não tenha existido.
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