domingo, 12 de junho de 2016

Republicando - 6


Os primeiros passos de uma trajetória – “Sou dona do meu nariz. Não vou ser nomeada, mas não vou me dobrar a político…” – José J. A. Damasceno

 

Originalmente publicado no site do jornal Alagoinhas Hoje em 28 de abril de 2013 | 09:20

 

Conforme foi indicado nos dois textos anteriores, a memória da professora Iraci Gama seria a base dos arrazoados publicados neste espaço, nos quais, uma parte da história de alagoinhenses pode ser contada tomando-se a perspectiva da interlocutora, cujas lembranças estão registradas em diversas entrevistas que concede aos que a procuram para falar de sua trajetória pessoal, a partir da qual se pode construir uma parte da memória coletiva da Alagoinhas dos anos 60 e 70, período que mais de perto interessa ao autor destas linhas.

 

Do mesmo modo que um dado historiador elege um período para tomar como referência, os entrevistados acabam por selecionar o que lembrar, como lembrar e, sobretudo, o que esquecer. É significativo o fato do pesquisador que utiliza a técnica de documentação oral lidar com “arquivos vivos”, na medida em que o entrevistado, ao rever alguma nota, ou reler a entrevista concedida, depois de transcrita, pode rever, reformular, remover informações fornecidas, na medida em que tem a chance de refletir sobre o que disse, sobre as circunstâncias do que disse ao entrevistador, possibilitando correções e reparos.

 

É precisamente o que acontece no caso específico da entrevistada que tem sido alvo das considerações aqui publicadas. No mesmo dia em que se postou o arrazoado no qual este autor traz ao leitor fragmentos da memória a partir dos quais a professora Iraci Gama narra sua primeira participação em uma atividade política como oradora e descreve sua primeira participação em uma campanha eleitoral (21 de abril de 2013), um texto de sua própria lavra, é publicado, neste mesmo espaço, com o título de “Puxando pela memória: seu Cabral”, no qual ela reformula pelo menos duas informações que houvera passado para diversos entrevistadores.

 

A primeira reformulação feita diz respeito à pessoa que não pudera comparecer ao evento, fato que abriu-lhe a possibilidade de nele tomar parte. Ao invés de ter sido a professora Aidée Amorim, aquela a quem Iraci Gama substituíra como oradora, tratava-se, da também professora, Agal Máxima Conceição. Durante as entrevistas gravadas por este autor, o nome de Agal sempre apareceu; mas como tendo sido a primeira das oradoras. Portanto, como tendo comparecido ao evento.

 

A segunda informação que Iraci reformula, logo ao abrir o mencionado texto, é o ano em que ocorre a greve dos ferroviários, situada não mais em 1959, como dissera nas várias entrevistas, mas em 1960, conforme assevera no excelente texto no qual discorre sobre o Senhor Cabral, que ela considera seu primeiro professor de política, excetuando-se, evidentemente, o seu avô Pedro da Gama e seu tio, Zeca da Gama.

 

Logo ao abrir o seu corolário de reminiscências infanto-juvenis, a professora Iraci Gama assevera que:

 

“A minha vida tem sido repleta de situações extraordinárias, que hoje reputo contributivas e fundamentais na minha formação pessoal e política. Ainda na infância participei de algumas greves dos ferroviários, levada pelas mãos do meu tio Zeca da Gama e, por esse intermédio, estreei falando em público, já adolescente, em substituição à profª Agal Máxima Conceição, na greve de 1960”.

 

Isto significa que, ao encontrar o texto de sua primeira intervenção pública em uma greve de trabalhadores, identificou ter havido uma discrepância entre o que estava registrado por ela em suas anotações, há muito esquecidas em meio ao seu turbilhão de papéis e, aquilo que retivera na memória e, a partir dela transformara em informação passada inclusive, ao texto que ela escrevera, como apresentação ao livro da professora Aidée Amorim.

 

Assim, o que se deve levar em conta, não são os detalhes inarredáveis daquilo que se lembra. Mas sim, o que se lembra. O lembrado é o centro da atenção do pesquisador que toma a memória como referência. O objeto da lembrança da professora Iraci é a sua primeira intervenção pública em uma atividade política.

Isto aparece muito claro em todas as manifestações orais e/ou escritas, feitas aos seus diversos interlocutores. O que ela traz ao conhecimento do pesquisador é o fato de que seu processo de iniciação política se deu em um determinado tempo de sua vida e, sob a influência de um determinado movimento grevista de trabalhadores ferroviários, em luta por melhores condições de trabalho e salários.

 

Assim pensando, pode-se retomar a narrativa da professora Iraci a respeito de sua participação na campanha que elegeu Murilo Cavalcante para o seu primeiro mandato como prefeito de Alagoinhas.

 

Desta vez, aparece em sua memória, um dos desdobramentos de sua atuação na campanha eleitoral, na condição de líder estudantil. Retome-se a narrativa, do ponto em que foi interrompida, quando tece considerações acerca do momento político que o País vivia no início dos anos 1960, quando asseverava que:

 

“Eu me lembro quando a gente ia pra rua fazer essa campanha pra Murilo… Veja, dentro do Santíssimo era proibido falar de política, era proibido sair… vir pra rua acompanhada… Não se acompanhava… Nem o pai acompanhava a filha, quando estava fardada, não era permitido e, nós fundamos esse comitê pró Murilo Cavalcante, com nome, lá na frente e tudo, ali no centro da cidade, a casa vizinha a Zé Maia, Zé Maia que era o chefe da família Maia, considerada a família de “sangue azul” de Alagoinhas, a família mais nobre de Alagoinhas, no campo da direita e, nós estávamos ali, bem de junto dele, provocando, ameaçando, participando de noite de todos os comícios e tal…

 

“Então, isso era uma prova de que a democracia que o País vivia, influenciava e dava para aquelas pessoas que tinham aquela liderança aprendida ali no meio dos trabalhadores ferroviários,  dava essa, como vou dizer, ousadia, de achar que aquilo era o normal: de poder dizer a sua palavra, de fazer a sua reivindicação”.

 

Quando Murilo ganhou as eleições, os Azi … Zequinha Azi tinha uma casa, ali na hoje Praça da Bandeira – nesse tempo não era Praça da Bandeira; passou a ser Praça da Bandeira, com Judélio; Judélio que transformou aquele largo ali, em Praça da Bandeira, na década de 70, no primeiro governo dele; então, eu estou falando de dez anos antes. Quando passou … Sim, então a casa era a Pioneira do Lar. Era uma casa que vendia produtos eletrodomésticos (…), [...].

 

“Nesta loja, a Pioneira do Lar, se davam os encontros políticos. E eles mandaram me chamar. Você vê: uma pobretona, que não tinha onde cair morta, mas era a liderança estudantil que tinha fundado o comitê estudantil pró Murilo Cavalcante; e que fazia aqueles discursos; e que afrontava Dilce Maia, … Então, mandaram me chamar.

 

“Zequinha Azi e Jairo. Queriam que eu assumisse o compromisso com eles, de não fazer mais campanha pra Murilo. E eu disse pra eles que …  não tinha como assumir este compromisso com eles, porque eu estava assumindo … tinha assumido a campanha pra Murilo, em função da experiência vivida com ele, junto aos ferroviários; era essa prática dele, que nos levava a este tipo de postura. Enquanto ele tivesse essa postura, nós estaríamos com ele.

 

Conforme segue em sua narrativa, os homens da casta política local na época, talvez surpresos por aquela menina atrevida não lhes ter dado ouvidos, reforçaram para ela o que outro membro de grupo político importante da cidade, já houvera lhe dado a conhecer. Diz ela que eles teriam assim reagido:

 

“Ah, mas você não pode fazer isso, porque você sabe que isso vai lhe trazer, como conseqüência, não ser nomeada.

 

Ao que ela retruca:

 

“[...], ah, isso eu já sei, porque a professora Dilce já me disse, ainda dentro da sala de aula. … Oh, isso já tinha passado a eleição. … Já me avisou dentro da sala de aula, que eu não vou ser nomeada, então…, pra mim, não é novidade”.

 

E conclui a narrativa:

 

“Agora oh, (aí eu batia o dedo no nariz, viu?). Sou dona do meu nariz. Não vou ser nomeada, mas não vou me dobrar a político… Não sei mais dizer direito, o que foi que eu disse… mas devo ter dito uns desaforos, a eles, batendo o dedo na ponta do nariz, pra não me dobrar a eles, e, saí de lá, tendo mais um inimigo porque, como se não bastasse os Maia, agora os Azis, que tinham o; porque tinham o poder econômico e o poder político, porque Zequinha Azi quando saiu da prefeitura como prefeito, ele foi deputado estadual.

Um comentário:

  1. Os ferroviários fizeram muitas lutas e formaram diversos líderes.
    Não sabia que Iraci era filha do sindicalismo operário!!!!

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