Os primeiros passos de uma trajetória – “Sou dona do meu
nariz. Não vou ser nomeada, mas não vou me dobrar a político…” – José J. A.
Damasceno
Originalmente publicado no site do jornal Alagoinhas Hoje
em 28 de abril de 2013 | 09:20
Conforme foi indicado nos dois textos anteriores, a
memória da professora Iraci Gama seria a base dos arrazoados publicados neste
espaço, nos quais, uma parte da história de alagoinhenses pode ser contada
tomando-se a perspectiva da interlocutora, cujas lembranças estão registradas
em diversas entrevistas que concede aos que a procuram para falar de sua
trajetória pessoal, a partir da qual se pode construir uma parte da memória
coletiva da Alagoinhas dos anos 60 e 70, período que mais de perto interessa ao
autor destas linhas.
Do mesmo modo que um dado historiador elege um período
para tomar como referência, os entrevistados acabam por selecionar o que
lembrar, como lembrar e, sobretudo, o que esquecer. É significativo o fato do
pesquisador que utiliza a técnica de documentação oral lidar com “arquivos
vivos”, na medida em que o entrevistado, ao rever alguma nota, ou reler a
entrevista concedida, depois de transcrita, pode rever, reformular, remover
informações fornecidas, na medida em que tem a chance de refletir sobre o que
disse, sobre as circunstâncias do que disse ao entrevistador, possibilitando
correções e reparos.
É precisamente o que acontece no caso específico da
entrevistada que tem sido alvo das considerações aqui publicadas. No mesmo dia
em que se postou o arrazoado no qual este autor traz ao leitor fragmentos da memória
a partir dos quais a professora Iraci Gama narra sua primeira participação em
uma atividade política como oradora e descreve sua primeira participação em uma
campanha eleitoral (21 de abril de 2013), um texto de sua própria lavra, é
publicado, neste mesmo espaço, com o título de “Puxando pela memória: seu
Cabral”, no qual ela reformula pelo menos duas informações que houvera passado
para diversos entrevistadores.
A primeira reformulação feita diz respeito à pessoa que
não pudera comparecer ao evento, fato que abriu-lhe a possibilidade de nele
tomar parte. Ao invés de ter sido a professora Aidée Amorim, aquela a quem
Iraci Gama substituíra como oradora, tratava-se, da também professora, Agal
Máxima Conceição. Durante as entrevistas gravadas por este autor, o nome de
Agal sempre apareceu; mas como tendo sido a primeira das oradoras. Portanto,
como tendo comparecido ao evento.
A segunda informação que Iraci reformula, logo ao abrir o
mencionado texto, é o ano em que ocorre a greve dos ferroviários, situada não
mais em 1959, como dissera nas várias entrevistas, mas em 1960, conforme
assevera no excelente texto no qual discorre sobre o Senhor Cabral, que ela
considera seu primeiro professor de política, excetuando-se, evidentemente, o
seu avô Pedro da Gama e seu tio, Zeca da Gama.
Logo ao abrir o seu corolário de reminiscências
infanto-juvenis, a professora Iraci Gama assevera que:
“A minha vida tem sido repleta de situações
extraordinárias, que hoje reputo contributivas e fundamentais na minha formação
pessoal e política. Ainda na infância participei de algumas greves dos
ferroviários, levada pelas mãos do meu tio Zeca da Gama e, por esse intermédio,
estreei falando em público, já adolescente, em substituição à profª Agal Máxima
Conceição, na greve de 1960”.
Isto significa que, ao encontrar o texto de sua primeira
intervenção pública em uma greve de trabalhadores, identificou ter havido uma
discrepância entre o que estava registrado por ela em suas anotações, há muito
esquecidas em meio ao seu turbilhão de papéis e, aquilo que retivera na memória
e, a partir dela transformara em informação passada inclusive, ao texto que ela
escrevera, como apresentação ao livro da professora Aidée Amorim.
Assim, o que se deve levar em conta, não são os detalhes
inarredáveis daquilo que se lembra. Mas sim, o que se lembra. O lembrado é o
centro da atenção do pesquisador que toma a memória como referência. O objeto
da lembrança da professora Iraci é a sua primeira intervenção pública em uma
atividade política.
Isto aparece muito claro em todas as manifestações orais
e/ou escritas, feitas aos seus diversos interlocutores. O que ela traz ao
conhecimento do pesquisador é o fato de que seu processo de iniciação política
se deu em um determinado tempo de sua vida e, sob a influência de um
determinado movimento grevista de trabalhadores ferroviários, em luta por
melhores condições de trabalho e salários.
Assim pensando, pode-se retomar a narrativa da professora
Iraci a respeito de sua participação na campanha que elegeu Murilo Cavalcante
para o seu primeiro mandato como prefeito de Alagoinhas.
Desta vez, aparece em sua memória, um dos desdobramentos
de sua atuação na campanha eleitoral, na condição de líder estudantil.
Retome-se a narrativa, do ponto em que foi interrompida, quando tece
considerações acerca do momento político que o País vivia no início dos anos
1960, quando asseverava que:
“Eu me lembro quando a gente ia pra rua fazer essa
campanha pra Murilo… Veja, dentro do Santíssimo era proibido falar de política,
era proibido sair… vir pra rua acompanhada… Não se acompanhava… Nem o pai
acompanhava a filha, quando estava fardada, não era permitido e, nós fundamos
esse comitê pró Murilo Cavalcante, com nome, lá na frente e tudo, ali no centro
da cidade, a casa vizinha a Zé Maia, Zé Maia que era o chefe da família Maia,
considerada a família de “sangue azul” de Alagoinhas, a família mais nobre de
Alagoinhas, no campo da direita e, nós estávamos ali, bem de junto dele,
provocando, ameaçando, participando de noite de todos os comícios e tal…
“Então, isso era uma prova de que a democracia que o País
vivia, influenciava e dava para aquelas pessoas que tinham aquela liderança
aprendida ali no meio dos trabalhadores ferroviários, dava essa, como vou dizer, ousadia, de achar
que aquilo era o normal: de poder dizer a sua palavra, de fazer a sua
reivindicação”.
Quando Murilo ganhou as eleições, os Azi … Zequinha Azi
tinha uma casa, ali na hoje Praça da Bandeira – nesse tempo não era Praça da
Bandeira; passou a ser Praça da Bandeira, com Judélio; Judélio que transformou
aquele largo ali, em Praça da Bandeira, na década de 70, no primeiro governo
dele; então, eu estou falando de dez anos antes. Quando passou … Sim, então a
casa era a Pioneira do Lar. Era uma casa que vendia produtos eletrodomésticos
(…), [...].
“Nesta loja, a Pioneira do Lar, se davam os encontros
políticos. E eles mandaram me chamar. Você vê: uma pobretona, que não tinha
onde cair morta, mas era a liderança estudantil que tinha fundado o comitê
estudantil pró Murilo Cavalcante; e que fazia aqueles discursos; e que
afrontava Dilce Maia, … Então, mandaram me chamar.
“Zequinha Azi e Jairo. Queriam que eu assumisse o
compromisso com eles, de não fazer mais campanha pra Murilo. E eu disse pra
eles que … não tinha como assumir este
compromisso com eles, porque eu estava assumindo … tinha assumido a campanha
pra Murilo, em função da experiência vivida com ele, junto aos ferroviários;
era essa prática dele, que nos levava a este tipo de postura. Enquanto ele
tivesse essa postura, nós estaríamos com ele.
Conforme segue em sua narrativa, os homens da casta
política local na época, talvez surpresos por aquela menina atrevida não lhes
ter dado ouvidos, reforçaram para ela o que outro membro de grupo político
importante da cidade, já houvera lhe dado a conhecer. Diz ela que eles teriam
assim reagido:
“Ah, mas você não pode fazer isso, porque você sabe que
isso vai lhe trazer, como conseqüência, não ser nomeada.
Ao que ela retruca:
“[...], ah, isso eu já sei, porque a professora Dilce já
me disse, ainda dentro da sala de aula. … Oh, isso já tinha passado a eleição.
… Já me avisou dentro da sala de aula, que eu não vou ser nomeada, então…, pra
mim, não é novidade”.
E conclui a narrativa:
“Agora oh, (aí eu batia o dedo no nariz, viu?). Sou dona
do meu nariz. Não vou ser nomeada, mas não vou me dobrar a político… Não sei
mais dizer direito, o que foi que eu disse… mas devo ter dito uns desaforos, a
eles, batendo o dedo na ponta do nariz, pra não me dobrar a eles, e, saí de lá,
tendo mais um inimigo porque, como se não bastasse os Maia, agora os Azis, que
tinham o; porque tinham o poder econômico e o poder político, porque Zequinha
Azi quando saiu da prefeitura como prefeito, ele foi deputado estadual.
Os ferroviários fizeram muitas lutas e formaram diversos líderes.
ResponderExcluirNão sabia que Iraci era filha do sindicalismo operário!!!!