Histórias e memórias de Alagoinhas, pelos escritos de Maria
Feijó – XVI: retomando
Professor José Jorge Andrade Damasceno
É a partir do ano de 2012, que este autor começa a tomar contato, ler e se interessar pela produção literária – sobretudo a prosa - de Maria Feijó e, entre os anos de 2013e 2014, entre os meses de outubro e maio, escreveu uma série de dezesseis pequenos textos que publicou no jornal eletrônico “Alagoinhas Hoje”. As quatro primeiras daquelas publicações, após receberem uma redação acadêmica, resultaram no capítulo intitulado “Histórias e memórias de Alagoinhas pelos escritos de Maria Feijó —1972-1988”, publicado em 2015, no livro “Alagoinhas: histórias e historiografia”, organizado pela professora Eliana Evangelista Batista. Outros daqueles arrazoados foram incorporados a outras publicações, como por exemplo, o artigo intitulado “ESCRITA DA HISTORIA DA CIDADE – MEMÓRIAS E NARRATIVAS: ALAGOINHAS COMO OBJETO DE ATENTOS VIAJANTES E MEMORIALISTAS (1889-1960)”, publicado na revista eletrônica “Veredas da História.
Aqui, se pretende retomar a série de publicações, depois de
seis anos da última, que aliás, será o ponto da retomada da aludida série, uma
vez que através dela, se pretende – como já indicava – aprofundar o exame da
obra “pelos Caminhos ... de uma Professora Primária”, prosa que este articulista
pensa tratar-se de um tratado memorialístico, hipótese que espera deixar clara
ao finalizar o último dos arrazoados.
Assim, a ideia é retomar o fio da meada, publicando na
íntegra o último dos textos, sem grandes alterações.
Espera-se contribuir para um
diálogo em torno desta obra monumental que joga luzes e sombras sobre as “Histórias
e memórias de Alagoinhas”, encontradas em grande monta na obra que aqui se
pretende discutir.
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Há já largas semanas, se vem discorrendo sobre as histórias
e memórias de Alagoinhas, que podem ser apreendidas na prosa de Maria Feijó, publicada
entre as décadas de 1970 e 1980.
Tendo nascido naquela Alagoinhas ainda muito pacata dos idos
de 1918 e nela vivido até os finais da década de 1940 ou inícios da década seguinte, ocasião
em que, segundo informa Eliana Batista em sua dissertação de mestrado intitulada “A NORMALISTA COMO
INTERSEÇÃO: ESCOLA, LITERATURA, IMPRENSA E ESTRATÉGIAS POLÍTICAS NO ESTADO NOVO
(ALAGOINHAS / 1937-1945)”,defendida em 2012, "a escritora abandona o magistério
primário", na década de 1950, a jovem Feijó se lança em busca de alargar seus
horizontes, rumando para a então Capital do Brasil, para nela prosseguir
vivendo e ali, escrever grande parte de sua obra, que teve os jornais locais como
viveiros nos quais, ainda nos seus tenros anos, semeou as sementes e viu
crescer as primeiras mudas do seu bosque literário.
Assim é que, com base na sua vivência profissional e na
convivência sociocultural com o cotidiano em que esteve inserida, Marijó, como
assinava seus escritos nos periódicos da cidade e da região, tece os fios de sua
memória, entrelaçando-os aos muitos fios de outras memórias individuais e
coletivas, com os quais acaba construindo um tecido narrativo que entrega ao exame
de seu leitor , sobretudo, em “Alecrim de Tabuleiro”, “Pensionato Paraíso das Moças
outros ensaios” e “Pelos Caminhos da Vida ... de uma Professora Primária”, o
mais alentado dos três volumes, por isto mesmo o de maior complexidade e de mais
difícil leitura.
Nos arrazoados já escritos até aqui, o material em exame
provinha de textos diretos, nos quais, a própria cronista era ao menos uma das
protagonistas das suas narrativas, envolvendo-se com as mais diversas
situações, vivendo as mais diferentes circunstâncias. Neles, ela dá a conhecer
suas formas de pensar, suas visões de mundo, seus hábitos, gostos e costumes,
sempre se apresentando como agente ativo da narrativa. Suas observações acerca
do desenvolvimento urbano da cidade natal; suas críticas mais ácidas a
comportamentos de pessoas e/ou de grupos de pessoas; seus elogios mais rasgados
a alguém e/ou a alguma coisa que lhe agrada, na cidade distante, que ela não
perde de vista; mesmo os enlevos reminiscentes de tempos de há muito vividos,
aparecem naqueles textos de Feijó que até aqui foram apreciados, sem que ela
procure esquivar-se à sua identidade ou esgueirar-se por trás de alguma árvore
frondosa, para não ter seu rosto reconhecido.
No entanto, quando se toma a sua mais alentada obra e, se
percorre as oitocentas páginas de “Pelos Caminhos da vida ... de Uma Professora
Primária”,visto que, como bem observou a professora Eliana Batista, em
dissertação já aludida acima, "as duas outras prosas de sua lavra, não
ultrapassava o limite de cento e cinquenta páginas", nota-se que a escritora
alagoinhense procura lançar mão de técnicas narrativas que lhe permitam sair do
texto enquanto protagonista, colocando-se como aquela que dá voz a uma
narradora, a partir de quem desenvolverá todo o trabalho de escrita do romance.
Assim é que, logo nas primeiras páginas da obra, destinadas
ao que se convencionou chamar de “pré-textos”, Maria Feijó procura se cercar de
cuidados relacionados ao teor das páginas que se seguirão, tratando de
construir uma espécie de escudo, por meio do qual possa defender-se de
eventuais problemas que suas afirmações e/ou informações possam trazer.
É esta, e não outra, a razão que leva a autora a afirmar que
“As páginas que se seguem, apresentando semelhança com fatos e pessoas vivas ou
mortas, é apenas coincidência...”.
Ao comentar esta afirmativa em arrazoado publicado na
revista eletrônica “Veredas da História, foram feitas algumas observações que
aqui serão transcritas. Ali, este autor pondera que “já na página seguinte” [Feijó],
“trata de advertir ao leitor que”:
Luísa Peixoto? Não. Ela não existe em particular e,
sim, em todas as Professoras Primárias do Interior da Bahia. Em todas elas há
uma Luísa Peixoto. Sem tirar nem pôr. Os outros personagens? [...], não existe
A, B ou C nestas páginas. Meus personagens se locomovem, vivem,” figuram” em todas
as Professoras Primárias do Interior. Um pouco de cada uma em todas elas.
Dessa maneira, ninguém precisa ficar preocupado, porque não se achará. Nem a
própria Luísa Peixoto! Apenas... procurei alguns fatos, avulsamente, aqui. ali.,
e os romanceei, a fim de dar um toque mais interessante e colorido a este
narrar-de-coisas. [...].[1]
O autor prossegue sua análise, afirmando que:
“Tamanha precaução, lembra o recurso utilizado pelo escritor baiano Jorge
Amado 1912-2001, ao apresentar o livro Farda
fardão, camisola de dormir – fábula
para acender uma esperança. Como se percebe, o autor informa já no subtítulo
da obra, tratar-se de uma “fábula”. Era a história de uma conturbada sucessão
na Academia Brasileira de Letras, que se apresentaria diante do seu leitor. Diz
Jorge Amado uma página antes de iniciar sua narrativa:
“Esta fábula conta como dois velhos literatos, acadêmicos e
liberais, partiram em guerra contra o nazismo, a ditadura e a prepotência. Toda
e qualquer semelhança com tipos, organizações, academias, classes e castas,
figuras e sucessos da vida real será pura e simples coincidência, pois a anedota
é produto exclusivo da imaginação e da experiência do autor. Reais são apenas a
ditadura do Estado Novo com a Lei de Segurança, a máquina de repressão, as
prisões cheias, as câmaras de tortura e o obscurantismo, e a Segunda Grande
Guerra Mundial, desencadeada pelo nazifascismo, em seu pior momento, quando se
dava tudo por perdido e a esperança fenecia.[2]
É assim que, daqui por diante, se pretende discorrer sobre a
obra “Pelos caminhos ... de uma professora primária”, publicada em 1978,
salientando nela os aspectos memorialísticos em torno das “histórias”
envolvendo Alagoinhas e alagoinhenses encontrados ao longo daquelas oitocentas
páginas de escrita corrida, de leitura quase sem tomar fôlego, observando-se as
descrições e ideias inerentes àquele tipo de prosa.
Saliente-se outrossim, que outros estudiosos da obra de
Maria Feijó de Souza, como é o caso da professora Eliana Evangelista Batista, terão
os seus trabalhos utilizados como referências que ajudarão a desenvolver este
arrazoado.
[1]
FEIJÓ, Maria. Op. Cit., 1978.
[2] AMADO,
Jorge. Farda Fardão Camisola de Dormir-
Fábula para Acender uma Esperança. 16ª Edição, Record, Rio de Janeiro, Rj,
1997.(A primeira edição é de 1979).