segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Voltando aos escritos de Maria Feijó - depois de seis anos

             

Histórias e memórias de Alagoinhas, pelos escritos de Maria Feijó – XVI: retomando

 

Professor José Jorge Andrade Damasceno

 

É a partir do ano de 2012, que este autor começa a tomar contato, ler  e se interessar pela produção literária – sobretudo a prosa - de Maria Feijó e, entre os anos de 2013e 2014, entre os meses de outubro e maio, escreveu uma série de dezesseis pequenos textos que publicou no jornal eletrônico “Alagoinhas Hoje”. As quatro primeiras daquelas publicações, após receberem uma redação acadêmica, resultaram no capítulo intitulado “Histórias e memórias de Alagoinhas pelos escritos de Maria Feijó —1972-1988”, publicado em 2015, no livro “Alagoinhas: histórias e historiografia”, organizado pela professora Eliana Evangelista Batista. Outros daqueles arrazoados foram incorporados a outras publicações, como por exemplo, o artigo intitulado “ESCRITA DA HISTORIA DA CIDADE – MEMÓRIAS E NARRATIVAS: ALAGOINHAS COMO OBJETO DE ATENTOS VIAJANTES E MEMORIALISTAS (1889-1960)”, publicado na revista eletrônica “Veredas da História.

Aqui, se pretende retomar a série de publicações, depois de seis anos da última, que aliás, será o ponto da retomada da aludida série, uma vez que através dela, se pretende – como já indicava – aprofundar o exame da obra “pelos Caminhos ... de uma Professora Primária”, prosa que este articulista pensa tratar-se de um tratado memorialístico, hipótese que espera deixar clara ao finalizar o último dos arrazoados.

Assim, a ideia é retomar o fio da meada, publicando na íntegra o último dos textos, sem grandes alterações.

Espera-se contribuir para um diálogo em torno desta obra monumental que joga luzes e sombras sobre as “Histórias e memórias de Alagoinhas”, encontradas em grande monta na obra que aqui se pretende discutir.

 

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Há já largas semanas, se vem discorrendo sobre as histórias e memórias de Alagoinhas, que podem ser apreendidas na prosa de Maria Feijó, publicada entre as décadas de 1970 e 1980.

Tendo nascido naquela Alagoinhas ainda muito pacata dos idos de 1918 e nela vivido até os finais da década  de 1940 ou inícios da década seguinte, ocasião em que, segundo informa Eliana Batista em sua dissertação de  mestrado intitulada “A NORMALISTA COMO INTERSEÇÃO: ESCOLA, LITERATURA, IMPRENSA E ESTRATÉGIAS POLÍTICAS NO ESTADO NOVO (ALAGOINHAS / 1937-1945)”,defendida em 2012, "a escritora abandona o magistério primário", na década de 1950, a jovem Feijó se lança em busca de alargar seus horizontes, rumando para a então Capital do Brasil, para nela prosseguir vivendo e ali, escrever grande parte de sua obra, que teve os jornais locais como viveiros nos quais, ainda nos seus tenros anos, semeou as sementes e viu crescer as primeiras mudas do seu bosque literário.

Assim é que, com base na sua vivência profissional e na convivência sociocultural com o cotidiano em que esteve inserida, Marijó, como assinava seus escritos nos periódicos da cidade e da região, tece os fios de sua memória, entrelaçando-os aos muitos fios de outras memórias individuais e coletivas, com os quais acaba construindo um tecido narrativo que entrega ao exame de seu leitor , sobretudo, em “Alecrim de Tabuleiro”, “Pensionato Paraíso das Moças outros ensaios” e “Pelos Caminhos da Vida ... de uma Professora Primária”, o mais alentado dos três volumes, por isto mesmo o de maior complexidade e de mais difícil leitura.

Nos arrazoados já escritos até aqui, o material em exame provinha de textos diretos, nos quais, a própria cronista era ao menos uma das protagonistas das suas narrativas, envolvendo-se com as mais diversas situações, vivendo as mais diferentes circunstâncias. Neles, ela dá a conhecer suas formas de pensar, suas visões de mundo, seus hábitos, gostos e costumes, sempre se apresentando como agente ativo da narrativa. Suas observações acerca do desenvolvimento urbano da cidade natal; suas críticas mais ácidas a comportamentos de pessoas e/ou de grupos de pessoas; seus elogios mais rasgados a alguém e/ou a alguma coisa que lhe agrada, na cidade distante, que ela não perde de vista; mesmo os enlevos reminiscentes de tempos de há muito vividos, aparecem naqueles textos de Feijó que até aqui foram apreciados, sem que ela procure esquivar-se à sua identidade ou esgueirar-se por trás de alguma árvore frondosa, para não ter seu rosto reconhecido.

No entanto, quando se toma a sua mais alentada obra e, se percorre as oitocentas páginas de “Pelos Caminhos da vida ... de Uma Professora Primária”,visto que, como bem observou a professora Eliana Batista, em dissertação já aludida acima, "as duas outras prosas de sua lavra, não ultrapassava o limite de cento e cinquenta páginas", nota-se que a escritora alagoinhense procura lançar mão de técnicas narrativas que lhe permitam sair do texto enquanto protagonista, colocando-se como aquela que dá voz a uma narradora, a partir de quem desenvolverá todo o trabalho de escrita do romance.

Assim é que, logo nas primeiras páginas da obra, destinadas ao que se convencionou chamar de “pré-textos”, Maria Feijó procura se cercar de cuidados relacionados ao teor das páginas que se seguirão, tratando de construir uma espécie de escudo, por meio do qual possa defender-se de eventuais problemas que suas afirmações e/ou informações possam trazer.

É esta, e não outra, a razão que leva a autora a afirmar que “As páginas que se seguem, apresentando semelhança com fatos e pessoas vivas ou mortas, é apenas coincidência...”.

Ao comentar esta afirmativa em arrazoado publicado na revista eletrônica “Veredas da História, foram feitas algumas observações que aqui serão transcritas. Ali, este autor pondera que “já na página seguinte” [Feijó], “trata de advertir ao leitor que”:

 

Luísa Peixoto? Não. Ela não existe em particular e, sim, em todas as Professoras Primárias do Interior da Bahia. Em todas elas há uma Luísa Peixoto. Sem tirar nem pôr. Os outros personagens? [...], não existe A, B ou C nestas páginas. Meus personagens se locomovem, vivem,” figuram” em todas as Professoras Primárias do Interior. Um pouco de cada uma em todas elas. Dessa maneira, ninguém precisa ficar preocupado, porque não se achará. Nem a própria Luísa Peixoto! Apenas... procurei alguns fatos, avulsamente, aqui. ali., e os romanceei, a fim de dar um toque mais interessante e colorido a este narrar-de-coisas. [...].[1]

 

O autor prossegue sua análise, afirmando que:

“Tamanha precaução, lembra o recurso utilizado pelo escritor baiano Jorge Amado 1912-2001, ao apresentar o livro Farda fardão, camisola de dormirfábula para acender uma esperança. Como se percebe, o autor informa já no subtítulo da obra, tratar-se de uma “fábula”. Era a história de uma conturbada sucessão na Academia Brasileira de Letras, que se apresentaria diante do seu leitor. Diz Jorge Amado uma página antes de iniciar sua narrativa:

 

“Esta fábula conta como dois velhos literatos, acadêmicos e liberais, partiram em guerra contra o nazismo, a ditadura e a prepotência. Toda e qualquer semelhança com tipos, organizações, academias, classes e castas, figuras e sucessos da vida real será pura e simples coincidência, pois a anedota é produto exclusivo da imaginação e da experiência do autor. Reais são apenas a ditadura do Estado Novo com a Lei de Segurança, a máquina de repressão, as prisões cheias, as câmaras de tortura e o obscurantismo, e a Segunda Grande Guerra Mundial, desencadeada pelo nazifascismo, em seu pior momento, quando se dava tudo por perdido e a esperança fenecia.[2]

 

É assim que, daqui por diante, se pretende discorrer sobre a obra “Pelos caminhos ... de uma professora primária”, publicada em 1978, salientando nela os aspectos memorialísticos em torno das “histórias” envolvendo Alagoinhas e alagoinhenses encontrados ao longo daquelas oitocentas páginas de escrita corrida, de leitura quase sem tomar fôlego, observando-se as descrições e ideias inerentes àquele tipo de prosa.

Saliente-se outrossim, que outros estudiosos da obra de Maria Feijó de Souza, como é o caso da professora Eliana Evangelista Batista, terão os seus trabalhos utilizados como referências que ajudarão a desenvolver este arrazoado.



[1] FEIJÓ, Maria. Op. Cit., 1978.

[2] AMADO, Jorge. Farda Fardão Camisola de Dormir- Fábula para Acender uma Esperança. 16ª Edição, Record, Rio de Janeiro, Rj, 1997.(A primeira edição é de 1979).


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