sexta-feira, 29 de maio de 2020

A expressão da minha tristeza - Morre o meu irmão Miguel Gama Damasceno - maio de 2020


Uma crônica para uma morte precoce: a do meu irmão Miguel – maio de 2020
No dia que se chama hoje, eu perdi para a Covid-19, o meu irmão Miguel, que era poucos meses mais velho do que eu,. Ele contava 60 anos, completados neste mesmo maio. Para o Estado, a partir do momento que teve o seu óbito registrado e forneceu o atestado aos familiares, ele deixa de existir como pessoa e passa a ser apenas um conjunto de números frios e duros. Ninguém mais verá o seu rosto; nem mesmo será velado o seu corpo. Assim, é apagada a
 Sua trajetória; esquecida a sua memória; sem efeito os seus feitos, os seus defeitos. Agora é considerado apenas cifras formadoras da “necro”-estatística daqueles que foram arrastados da vida, na passagem da tempestade sanitária que nos assola.
Mas, o que fazer? Nada, nada. O que dizer? Nada, nada, simplesmente nada.
Mas eu insisto em querer dizer aos meus irmãos de Santa Bárbara – Simone, Chico, Qele e Perla -, aos meus irmãos de Alagoinhas – João, Edgar Filho e Alba -, aos filhos que lhe nasceram aqui, perto de nós – Gina, Elvis, Roberta e Eduardo -, aos que nasceram em Salvador, cujos nomes não sei de todos; à a sua mãe Adélia, a sua viúva – Telma – e a Edvânia Barbosa – que sendo sua filha adotiva, nossa sobrinha é -, que se sintam estreitados ao meu peito; que sintam os nossos rostos bem juntos, de onde as lágrimas quentes correm: deixemos que elas escorram, que nos molhem a roupa; permitamos que os soluços nos sacudam os corpos, como demonstração do tamanho da perda que acabamos de sofrer; suspiremos de tristeza e saudade, até que a dor que agora nos visita, se levante e vá embora.
Enfim, choremos por ele que partiu, que acabrunhados nos deixou; mas, cuidemos dos que, por enquanto, ainda estamos aqui.

José Jorge Andrade Damasceno

terça-feira, 26 de maio de 2020

Alagoinhas, maio de 1990


Alagoinhas - maio de 1990 - atravessando o rio das dúvidas

Crê-se que era a segunda semana de maio de 1990, quando foram retomadas as atividades letivas na Faculdade de Formação de Professores de Alagoinhas, após uma greve deflagrada pelos seus docentes, antes mesmo que o semestre tivesse sido iniciado.
Naquela retomada das aulas, este escrevente passava a cursar o sexto período letivo, embora fosse aluno da turma que entrara em 1986. Estava matriculado em seis matérias, premido pela necessidade de integralizar a carga horária obrigatória do curso de História em um tempo que lhe permitisse ingressar no mercado de trabalho, visto já ter entrado no ano em que completaria a terceira década de vida, sem ter ainda qualquer perspectiva de provimento das suas necessidades, a não ser, a expectativa de concluir aquele curso e partir para a busca de espaço para atuar como professor.
Mais tarde se voltará a este que é o tema central deste arrazoado. Antes, faça-se uma breve contextualização da cidade no tempo e no espaço.
Do ponto de vista econômico e social, Alagoinhas não mudara muito em relação ao panorama encontrado dez anos antes. A oferta de postos de trabalho continuava majoritariamente ligada ao setor educacional público e privado, ao comércio varejista e aos serviços bancários e ao setor público. Isto obrigava a aqueles que não fossem absorvidos em tais atividades, a se deslocar em direção a outras paragens mais alhures, em busca de colocação laboral.
Saliente-se, no entanto, que é possível notar um incremento de abertura de postos de trabalho no setor da educação privada, consoante ao aumento do número de unidades escolares, mormente, considerando-se o surgimento de unidades de pequeno e médio porte, o que enseja um reforço no atendimento de uma demanda crescente. Além disto, há uma notável expansão daquelas unidades escolares de ensino privado já existentes, embaladas, sobretudo, pela aceleração da queda na qualidade da educação pública instalada.
Destarte, ao comparar a infraestrutura encontrada no início da década de 80 que chegava ao seu último ano, observa-se uma melhoria no que respeita ao saneamento básico, embalado pela implementação do “projeto Cura”, levada a bom termo pela administração do prefeito Judélio de Souza Carmo. Com aquela arrojada intervenção urbana, toda a rede de esgotamento sanitário do centro da cidade e suas cercanias foi completamente reconstruída, permitindo um maior alcance do processo de captação de resíduos, ajudando a ampliar o número de domicílios atendidos pela coleta de esgotos, além de aumentar a capacidade de escoamento de águas pluviais. Como parte do referido projeto, se procedeu a canalização do rio Catu, transformando-o, visto que, até então, nada mais era do que um esgoto a céu aberto.
Assim, aquela soberba intervenção urbanística, contribuiu significativamente para uma melhora nas condições de habitabilidade dos cidadãos que moravam e/ou praticavam o pequeno comércio nas suas margens, promovendo uma grande valorização de seus imóveis, além de resolver o problema crônico das enchentes e, de quebra, abrindo uma nova via de circulação para a cidade.
Ali, nascia a avenida Lourival Batista, com duas pistas de rolamento, que fora o logradouro para onde havia sido transferida a feira livre do município, até então funcionando em precaríssimas condições de estrutura e higiene, no eixo central da cidade, formado pelas ruas Marechal Bitencourt, Francisco Batista, e Dom Pedro II e, nas sextas e sábados, escorregava pela Praça J.J. Seabra, se estendendo por toda a extensão da rua Soro Joana Angélica, alcançando a praça da Bandeira.
Tendo a sua construção viabilizada pela administração anterior, em espaço preparado por longos anos de trabalho de transformação estrutural, envolvendo obra de engenharia pesada e complexa, uma vez que o local era pantanoso, o que levou ao seu aterramento, com o fito de permitir a preparação do espaço onde foi implantada a Central de Abastecimento. O novo equipamento urbano da cidade foi, conforme pesquisa realizada pela professora Mônica Benfica Marinho, inaugurado e colocado em funcionamento, na administração do prefeito Chico Reis, em abril de 1990.
Uma dentre as  várias críticas que se fez à época em que as ações voltadas para “modernizar” a infraestrutura de saneamento do município estava em processo de discussão e de implementação, foi a de que os benefícios advindos da implantação do projeto Cura, ficaram restritos ao centro da cidade e a alguns bairros adjacentes, que de alguma maneira, já contavam com esgotamento sanitário. Os bairros mais distantes do centro e mais populosos, permaneceram sem contar com aquele serviço tão necessário à saúde ao bem estar das pessoas.
Os serviços de transporte coletivo ainda eram precários e sem qualidade, embora tenha havido um aumento populacional em relação ao início da década anterior, aproximando-se dos cento e quinze mil habitantes, o que acabaria implicando em aumento na demanda de passageiros, bem como no número de localidades atendidas. O terminal da praça Castro Leal fora desativado e, as atividades de embarque e desembarque passaram para o equipamento que, provavelmente fora inaugurado naquele mesmo ano de 1990, em logradouro próximo ao novo espaço de realização da feira livre do município. Um tanto maior do que o primeiro, aquele novo equipamento não era muito melhor do que o da Castro Leal, apenas oferecendo mais espaço físico e podendo comportar um número maior de veículos simultaneamente.
Ainda no transcurso do terceiro ano da década de 1980, a cidade ganha o seu terminal rodoviário, o que viria a suprir uma lacuna no processo de expansão urbana, respondendo a uma demanda de passageiros e transportadores por um local de embarque e desembarque amplo que comportasse as partidas e chegadas para e da capital do estado, bem como das gentes oriundas e/ou destinadas aos diversos pontos do litoral norte baiano. Aquele novo equipamento urbano iniciou uma espécie de retorno da cidade ao ponto inicial de sua povoação, ampliando pouco a pouco a reocupação dos espaços deixados vazios pelo êxodo em direção ao terminal ferroviário, tornado eixo por meio do qual se distribuiu a ocupação populacional da cidade, a partir da década de 1860.
Tendo a BR101 como o novo eixo a partir do qual se redistribuiria a organização do movimento populacional na direção dos bairros que nasceriam naquele que fora o ponto inicial de povoamento da urbe emancipada na segunda metade do século XIX, um redirecionamento no sentido centro-leste é fomentado pela criação de conjuntos habitacionais de grande demanda como as Inocoops, principalmente a Inocoop III e  o conjunto Alagoinhas IV. Além disso, em função da crescente demanda de passageiros, os permissionários de ônibus são obrigados a ampliação do serviço das linhas de transporte urbanos, fazendo com que os trajetos que partiam dos bairros, passassem pelo centro da cidade e chegassem até o novo terminal rodoviário, onde seria ponto final de suas rotas.
Aquela reorientação do afluxo populacional para os lados do que por muito tempo ficou conhecido como “Alagoinhas Velha”, é reforçada pela instalação de equipamentos urbanos como o novo Cemitério, além de outros espaços que foram paulatinamente ocupando as áreas entre a praça da chamada “Igreja Inacabada” e a pista da nova estrada, como o primeiro grande Hotel de luxo construído na cidade e o primeiro motel de grande porte  na região. Até então, a cidade praticamente acabava pouco depois do hospital Dantas Bião, o que foi se modificando com a implementação das Inocoops I e II; tendo chegado no intervalo entre elas e o mencionado hospital, um hiper mercado e um shopping center de pequeno porte, chegando aos anos 1990 com uma ocupação razoável do espaço entre aqueles novos equipamentos e a “praça de Alagoinhas Velha. Algumas chácaras que marcavam a paisagem urbana daquele local, pouco a pouco eram substituídas por condomínios familiares e/ou casas de moradias de uma parcela da “elite” social da urbe em expansão.
Assim era maio de 1990, cheio de novidades e desenvolvimentos urbanos que davam a impressão de uma pujança que fugira das terras alagoinhenses por volta da década de 1960, conforme apontou Salomão Barros (1899-1986), em obra publicada em 1979. Nela, Barros informa que um grupo de cidadãos locais, em 1968, redigira um "memorial" ao governo do Estado, [...] [...] em 1968, o devotado alagoinhense Dr. Israel Pontes Nonato encetou uma campanha, obtendo, em inúmeras listas, 8.020 assinaturas subscrevendo um Memorial, em termos candentes, rebatendo a falsa imagem criada de ALAGOINHAS e mostrando que tinha razões prioritárias para o mesmo Município possuir um Distrito Industrial. Esse Memorial foi às mãos do então Governador do Estado que garantiu atender ao pleiteado. (Barros, 1979, P. 76).
O pleiteado “distrito industrial” fora implantado entre os anos de 1973-1977, durante a vigência do primeiro mandato de Judélio Carmo, embora não tenha trazido os benefícios tão almejados pelos “devotados Cidadãos alagoinhenses”, signatários do dito “memorial”.
Aquele maio, no entanto, se afigurava como um momento de desenvolvimento da cidade, impelido pelos “novos ventos” de uma administração municipal ainda aureolada de esperanças de avanços mais significativos, visto ter sido sufragada nas urnas de 1989, sob expectativa de manter o ritmo empreendido pela administração a que sucedeu, quase como um referendum a ela.
Como já foi dito páginas atrás, aquele era o ano em que este escrevedor completaria a terceira década de sua existência, sem que vislumbrasse quaisquer perspectivas de alteração do quadro até ali vivenciado, marcadamente naquilo que respeita ao provimento de suas necessidades essenciais e o exercício da paternidade. Aquele maio o encontrara envolto em uma crise pessoal que afetava desde o processo de preparação acadêmica/profissional, com a retomada de semestre letivo, passando pela angústia do passar do tempo que o poderia tornar “velho” para a atuação no magistério, passando pela extrema dependência do provimento materno – com seu trabalho de lavadeira de ganho e a pensão por morte de seu filho mais velho  -, até questões ainda não compreendidas    por ele, no que tange ao “amor” - em todas as suas acepções - e, por assim dizer, mais um profundo e caudaloso rio de dúvidas que precisaria atravessar.
Na prática, o ano estava começando. As dúvidas se Avolumavam, sobre  se encontraria maneiras de fazer frente às dificuldades técnicas para continuar a cursar uma formação profissional, em que o volume de leituras e as condições técnicas e cognitivas de sua efetivação eram cada vez mais estreitas; se haveria de superar os entraves impostos pela sua frágil base escolar, o que dificultava ainda mais a compreensão/apreensão do material acadêmico que precisava ler, a fim de construir a “massa crítica” tão necessária ao exercício docente, que, em última análise, seria o objetivo final para que se desprendia todo aquele esforço.
É interessante notar que, aquele foi o ano em que este escrevedor mais ouviu cantar o e sobre o “amor”. Era o auge das composições de Sullivan e Massadas, com belíssimas intepretações de gente como Joana, Fafá de Belém, Rosana, Raimundo Fagner; além de interpretações e composições de Djavan, Marisa Monte, dentre outros que muitas vezes ficaram em uma única aparição na “cena” musical, que o rádio inundava os ouvidos de todos, mesmo daqueles mais céticos e desconfiados daquelas inúmeras metáforas e hipérboles que marcaram aquele momento, que talvez se pudesse chamar de “tempo do amor hiper romantizado”, comunicados  em forma de poemas, que quase sempre eram envoltos em harmoniosas melodias.,
Mas, tudo aquilo era como que um devaneio, embora o escrevedor já não mais fosse adolescente e, talvez, por isto mesmo, voltava a pensar no real, a cismar de si para consigo, buscando mais adiante, como se ele pudesse se transportar para a outra margem daquele rio de dúvidas, enfrentar aquela correnteza da realidade que insistia em lhe arrastar, angustiando-o por precisar esforçar-se ainda um pouco mais para a vencer, na vã tentativa de atravessar o tempo, antes mesmo de chegar nele, buscando saber: como seria o “feijão” do prover-se, da conclusão da graduação, da ocupação laboral, dos meios como exerceria a docência para a qual se estava preparando?
Foram estas as questões que alimentaram os “chorares” com os quais ele se alimentou; foi aquele imenso volume de suspiros com o qual ele se defrontou; todo aquele ano foi marcado pelo esforço necessário para prosseguir o atravessar; pelo receio que viesse a perder o que foi acumulado ao longo da travessia, se viesse a fracassar; foi um angustiar-se quase sem fim e, pior: sempre só, embora houvesse um bom número de pessoas o rodeando; mãe, dona Amanda, embora nada pudesse compreender de tudo aquilo que se passava, era o apoio, era a pessoa a quem se queria “realizar” com aquele “enfim: a outra margem.

Professor Jorge Damasceno

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Há quase dez anos

Há quase dez anos da morte de José Saramago
Em junho de 2010, se fez uma postagem aqui neste espaço, no momento em que se tomava conhecimento da morte do escritor português José Saramago (1922-2010). Trata-se de um arrazoado no qual foram feitas algumas observações acerca de uma das muitas obras do autor nascido nas terras luzitanas. Se resolveu republicar aqui o texto, uma vez que o modo como o seu autor pensava a referida obra àquela altura, não sofreu grandes reparos, no instante em que se aproxima a data em que se completará a primeira década do desaparecimento do vencedor do prêmio Nobel de literatura na última década do século XX, mais precisamente em 1998.
Uma outra razão que levou este escrevente a republicar o escrito em 2010, relaciona-se ao escrito postado na semana passada, neste mesmo espaço, onde se desenvolveu um conjunto de considerações sobre o "Ensaio sobre a Cegueira", fundamentado em entrevista lida em 1995, a partir da qual, este escrevente construiu as suas objeções à referida obra.
Antes de inserir o arrazoado mencionado acima, convém salientar que este escrevedor consegue separar a obra do seu autor. Isto é: suas objeções estão relacionadas exclusivamente ao "ensaio sobre a cegueira" e não ao seu autor e/ou ao conjunto de sua obra. Afinal, ela é vasta e amplamente reconhecida pela sua qualidade literária - além de ser pouquíssimo conhecida por este escrevedor -, o que, diga-se de passagem, pavimentou o caminho para que Saramago fosse agraciado com o "Nobel de Literatura", como reconhecimento de sua capacidade criadora.
Bom, agora fiquem os leitores com aquele escrito há dez anos.


Morre o autor de "Ensaio sobre a Cegueira"
Lembro-me que o primeiro contato que tive com livros escaneados para se ler no computador, foi justamente um dos livros que mais custei a ler e mais detestei quando li. Nas primeiras tentativas de leitura, o que me fazia recuar era a dificuldade de compreender o texto, seu contexto e seu autor.
Precisei de dez longos anos, várias outras leituras e, sobretudo, a leitura de uma reportagem publicada no periódico português "O Expresso - a revista", onde a repórter, apresenta um longo ensaio sobre a obra e, após ele, uma excelente entrevista com o próprio Saramago, na qual ele procurava explicar a obra, seu contexto e as circunstâncias que o levara a escrevê-la. Tanto pior, pois detestei ainda mais o "Ensaio sobre a cegueira", mesmo sem ter conseguido ler mais de dez, das suas mais de trezentas páginas.
Finalmente, em uma quase interminável noite de insônia, fui além de minha rejeição à obra e a li, de uma só vez, como quem toma um remédio amargo. E, continuei detestando-a, pois nela, o autor põe a nu todo o seu modo pessoal e social de pensar o cego e a cegueira, visto que, não se pode dissociar o escritor da sociedade na qual ele está inserido. Ele não só influencia o todo social com seus conceitos, opiniões e formulações de uma determinada visão de mundo, quanto por ele é influenciado, atuando como "caixa de ressonância" do meio em que vive.
Assim, em sua obra, Saramago deixa bem claro o modo como ele vê o cego e a cegueira, ao mesmo tempo em que reflete o modo como a sociedade pensa e age em relação a este tipo de circunstância, quer seja ela levada ao nível do ser individual, humano (o cego, homem ou mulher), quanto ao trazer para o nível abstrato da sociedade, como ele dizia na mencionada entrevista, que quando escrevia a obra em questão, "pensava em Hitler" e em seu intento de impor ao mundo sua proposta de sociedade arianizada. Ali ele via uma sociedade adoecida por uma cegueira coletiva e endêmica.
Ora, não é difícil para a opinião pública, transferir esta e outras proposições conceituais encontradas no "Ensaio Sobre a Cegueira", para o âmbito do ser humano, e/ou grupo formado por seres humanos desprovido das capacidades visuais, associando tal falta, à impossibilidade de racionalizar, de elaborar pensamento crítico, bem como a uma permanente impossibilidade de perceber, entender e agir com o que se encontra ao seu redor e com as vicissitudes que se lhes apresenta no cotidiano.
Alienar, segregar os doentes e proteger a população "sã", deles e do seu contágio, é o grande esforço que se faz no transcurso de toda a obra. No entanto, ele apresenta o ser cego, aquele que naturalmente o era, como alguém mais vil e capaz de gestos, atitudes e práticas de maior repugnância social, na medida em que aquele grupo por eles formado, submete e sujeita os cegos "temporários", às maiores vilezas e situações de degradação, em um nível de abjeção inimagináveis.
Então, com tanta contradição no modo de ver e pensar o cego e a cegueira, apresentada naquela obra, onde pretendia o escritor chegar? Qual era o juízo que pretendia formar junto à opinião pública, leitora de suas obras? Seria uma crítica social tão profunda e sutil, que eu e os poucos críticos da obra não quisemos e/ou pudemos entender?
Eis aí estão postas questões a serem pensadas, sobretudo no contexto da história e da memória de um escritor que se vai e, sobretudo, em torno de uma obra que, ficará como monumento àquele que a trouxe à luz

Jorge Damasceno, - Professor de História na Universidade do estado da Bahia


quarta-feira, 20 de maio de 2020

Dez anos depois da morte de José Saramago: eu detesto "O ensaio sobre a cegueira".

O ifame "ensaio sobre a cegueira": obra que só reforça idéias contra as quais tanto nos debatemos.

 Agora há pouco, uma colega dona de uma brilhante construção textual, fez uma postagem nas redes sociais, apontando ser um erro considerar "cegos" os apoiadores do atual presidente, da sua política e/ou de suas atitudes frente aos graves problemas do país, indicando que tal postulação só reforça os preconceitos que marcam a vida de homens e mulheres efetivamente desprovidos do sentido da visão, total ou parcialmente. Eu não quis comentar diretamente naquela  postagem, pois poderia causar algum constrangimento. Achei muito pertinente aquele "modus esperniandi" sobre o uso do termo "cego" para ignorante, alienado ... dentre outros.]
Mas, eu queria chamar a atenção para um detalhe, que para mim é bastante relevante. Quando a dita obra foi lançada e possibilitada a sua leitura, grande parte dos cegos que tomaram contato com aquelas suas mais de trezentas páginas,acharam o infame "Ensaio sobre a cegueira", a última maravilha literária/artística da humanidade.
E aquela obra infame mostrava a cegueira exatamente neste viés: o acometido de cegueira é um alienado, arracional, que precisa de alguém que lhe diga o que é certo e o que é errado e, ainda assim, o tal não escolherá corretamente: necessitará sempre ser tutelado por alguém que veja - daí ter ficado alguém que não cegou no tal "estranho surto".
A chave desta minha interpretação está em uma entrevista que o próprio autor concedeu ao periódico "Expresso" revista editada em Lisboa, Portugal, publicado quase imediatamente após ao Nobel de Literatura que lhe foi outorgado. Assinada pela jornalista CLARA FERREIRA ALVES, , a dita entrevista circulou sob o título «José Saramago todos os pecados do mundo», Expresso, a revista, n.o 1200, 28 de Outubro de 1995, pp. 80-86.
Talvez alguns dos que lêem estas linhas, também tenha lido a referida entrevista; eu a li em transcrição em Braille, saída na revista tiflológica portuense "Poliedro, N.o 412, novembro de 1995", antes mesmo de ler aquela belíssima porcaria, no sentido de que ela só faz reforçar tudo aquilo que a mencionada colega, acertadamente, criticou agora há pouco na aludida postagem e, contra o quê nos debatemos cada dia da nossa existência.
Basta ao leitor destas linhas observar as considerações que Saramago faz a respeito daqueles cegos que foram levados para o tal isolamento, mas que não eram cegos por conta do tal surto imaginado por ele.
O autor, em certa altura da entrevista no ebdomadário lisboeta, disse que ao escrever aquela obra, estava pensando no nazismo e em tudo de irracional que ele representou; na insanidade que foi a guerra provocada por Hitler e os seus seguidores "cegos" pela irracionalidade que eram as idéias e atitudes do Fürer...
E, para este que escrevinha este palavreado, o livro que, talvez pretendesse corrigir o abuso metafórico desenvolvido por Saramago, o seu "ensaio sobre a lucidez", tornou a emenda pior do que o soneto. Mas, esta já é uma outra consideração a se fazer.
Professor Jorge Damasceno

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Com vontade de escrever - III


Com vontade de escrever III – extraindo as palavras dos veios já quase esgotados.

Em arrazoados anteriores, tratou-se, despretensiosamente, de discorrer acerca de pandemias que vez por outra assolam grande parte das sociedades, desde quando os seres humanos  sulcam a terra no intento de produzir víveres necessários à subsistência ao se tornar sedentários e/ou ainda quando eram nômades e vagueavam pela terra caçando, coletando e pescando para garantir a vida contra a fome, o frio e demais intempéries a que estavam sujeitos. Também foi dito que o continente ocupado pelos europeus a partir do final do século XV, experimentou uma avalanche de epidemias, que teve como um dos resultados uma gravíssima redução populacional da qual nunca se recuperou – considerando-se a população nativa do continente -, tendo sido a varíola a mais grave e letal delas.
Crê-se ser hora de arrematar o tema, visto que este escrevedor não tem domínio dele, bastando se contentar com elaborações desprovidas de assertivas definitivas, por não ser um pesquisador cujo objeto seja o que aqui se chamaria de “História das doenças”; Por tanto, por escrever tão somente na condição de professor de “História da América” há já algum tempo, cujas bases são as muitas leituras já feitas para o labor da sala de aulas, é preciso então concluir.
Como já foi dito, a virulência de tais agentes patogênicos sobre a população nativa que habitava o “Novo Mundo” quando os europeus o “encontram” entre os dois Oceanos,  se explica, em geral, pelo fato de não haver imunidade aos vírus que também eram “novos” para os seus sistemas imunológicos, devido à inexistência de contatos humanos anteriores a um período de ao menos 10 mil anos entre os que habitavam de um lado e do outro do Oceano Atlântico.   
Alguns autores chegaram a postular a possibilidade de tratar-se de uma espécie de “protótipo” de “Guerra” bacteriológica. É difícil sustentar tal postulado, salvo a existência de estudos satisfatoriamente desenvolvidos com bases sólidas de apoio documental, uma vez que não poderia haver uma “contaminação” ardilosamente arquitetada, visto os europeus sequer suspeitarem da existência de outro lugar que não fossem aqueles já bastante conhecidos: os situados no bloco continental convencionalmente chamado de “velho Mundo”.
Mesmo quando já havia o interesse pela ocupação, conquista e exploração das “novas” terras “descobertas”, não fica claro que os europeus pretendiam quebrar as resistências dos nativos, mediante a sua eliminação pura e simples.
Se assim procedessem, quem lhes faria o trabalho de prospecção de metais preciosos, tão necessários ao processo de “acumulação primitiva de capital”, que em última análise, era a motivação maior daqueles homens deixarem toda uma vida já de algum modo solidificada na Europa, para arriscar tudo, inclusive a vida no “novo “continente ?
E, ainda quando a prata e o ouro não mais era o móvel impulsionador da colonização, não fazia sentido uma dizimação populacional, deliberadamente urdida pelos exploradores, sob pena de perder – como ocorreu em alguns casos – os braços que amanhariam e cultivariam a terra para eles.
As centúrias que se seguiram à chegada de Colombo ao Caribe, são marcadas por várias ondas das doenças inicialmente  desencadeadas pelo aportar de homens, mercadorias, animais e vírus nos diversos lugares do continente, intercalados por surtos, mais ou menos letais; também as doenças locais tiveram grande participação nas ondas de mortes que provocaram debacles demográficas consideráveis, dificultando a plausibilidade de ter havido uma “guerra bacteriológica” no curso do processo de ocupação, colonização e exploração das novas terras, uma vez que aquilo tornaria difícil e dispendiosa a substituição de braços, ainda que tais fossem importados do continente africano, o que, saliente-se, não era barato ou rentável.
Cabe ainda considerar que os patogênicos locais, de alguma forma já conhecidos pelo sistema imunológico dos nativos da Terra ameríndia, foram avassaladoramente letais aos homens que se lançaram na “empresa” agro colonizadora, bem como naqueles outros cujo impulso fora a mineração em um primeiro momento e, após o esgotamento de lavras e/ou dos meios de as alcançar em profundidades maiores, se dedicaram ao extrativismo de produtos exóticos para a exportação.
Assim, tendo em vista a falta de anticorpos para os vírus e bactérias existentes nos trópicos americanos, fizeram com que inúmeros europeus fossem sepultados no lugar de onde pretendiam voltar ricos; que alguns deles tivessem membros parcial ou totalmente gangrenados pelos “bichos de pé” e demais tipos de fungos extremamente agressivos; que ainda outros muitos levaram para o velho continente doenças lá ainda não existentes, provocando grande número de contaminações e mortes.

Professor Jorge Damasceno

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Há quarenta anos: Alagoinhas e eu.

Alagoinhas, idos de 1980: já se passaram quarenta anos.

Em maio de 1980, Alagoinhas, já era contada entre os municípios baianos com população superior a cem mil almas instaladas nos espaços urbanos e nas áreas rurais compreendidas entre as divisas com as cidades de Inhambupe, Aramari, Catu, Teodoro Sampaio e Entre Rios. No tempo aqui analisado, Araçás, Boa União, Riacho da Guia são alguns dos seus distritos.
Embora já houvesse sido uma cidade que alcançara algum desenvolvimento na década de 1950 devido à sua condição de "entreposto ferroviário, cinco meses após se iniciar o ano de 1980, era uma cidade quase paralisada do ponto de vista econômico e pauperizada do ponto de vista social; contava com uma infraestrutura urbana implementada cerca de vinte anos antes, apresentando defasagens notórias, visto ter havido um incremento populacional, embora, não acompanhado de crescimento econômico e de desenvolvimento social, levando uma parte daquela população a deixar a cidade - ainda que temporariamente -, em busca de emprego, estudos e lazer.
Aquela Alagoinhas tinha grande parte dos seus logradouros calçada com paralelepípedos fixados ao solo com areia e cimento; poucas eram as ruas centrais com pavimentação asfáltica: parte da Praça J. J. Seabra, Rua Soror Joana Angélica e parte da Rua Francisco Batista. Sua rede de esgotamento sanitário era diminuta e abarcava pouco mais além do centro comercial, em grande parte direcionada ao leito do rio Catu, sem qualquer tratamento prévio.
Malgrado já contar com o Serviço Autônomo de Água e Esgoto, grande parte das residências ainda não contava com água tratada, valendo-se de poços, chafarizes, bombas e outras formas de obtenção do "precioso líquido".
Havia pouco mais de dez anos que a cidade possuía um precário serviço de transporte coletivo para atender uma população já numerosa, distribuída em bairros cada vez mais distantes do núcleo central da urbe. O embarque e desembarque de passageiros era feito em um terminal inaugurado em fins dos anos 1960, construído no espaço onde fora o "mercado da carne", demolido e reconstruído um pouco mais abaixo, em um quadrilátero formado pelas ruas Pedro Pondé, Praça da Bandeira e Soror Angélica.
Localizado à Praça Castro Leal, o dito terminal de coletivos era um acanhado retângulo com pavimentação de cimento, coberto com telhas, com sinalização dos espaços em que cada linha deveria estacionar os seus veículos para embarque e desembarque. Em seus espaços centrais, era ocupado por barracas construídas com  diversos tipos de material, nas quais os transeuntes podiam comprar cigarros e vários tipos de doces; também ali mercadejava o folclórico Aminadabe com sua bandeja de "quebra-queixo" e, de acordo com a época do ano, ali ele também oferecia amendoins e aquelas laranjas já descascadas por uma engenhoca de sua invenção/fabricação.
Em maio de 1980, embora já contasse com mais de cem mil pessoas ali residentes, Alagoinhas ainda não contava com uma estação rodoviária onde todo o fluxo de veículos interurbanos, bem como de passageiros saindo da cidade e chegando nela, pudesse se concentrar em um espaço comum, com o fito de propiciar mais conforto para tantos quantos precisassem fazer deslocamentos com segurança e tranquilidade. Do mesmo modo, a cidade ainda não havia sido ligada à rodovia BR101, então em processo de construção. Aquela rodovia federal a ligaria de forma mais rápida e confortável com as cidades de Pedrão, Teodoro Sampaio e Feira de Santana de um lado, bem como às cidades de Entre Rios, Esplanada e Rio Real, que fazia divisa com o estado de Sergipe, de outro. Até então, a cidade só contava com a BR110 como rodovia federal de integração a outras cidades como Catu, Pojuca, Mata de São João, Camaçari, Salvador, além de propiciar acesso aos Estados de Sergipe e Alagoas, passando pelas cidades de Inhambupe, Olindina, Ribeira do Pombal, Paulo Afonso, para ficar apenas nestes exemplos.
Ainda no ano da graça de 1980, a despeito de já contar com os serviços de algumas agências bancárias, inclusive a do Banco do Nordeste do Brasil, instalada em um imponente prédio na esquina da J. J. Seabra com a Rodrigues Lima, o comércio era fundamentado em empreendimentos de caráter pessoal e/ou familiar, cujo predomínio era o daquele desenvolvido pelos "armazéns de sêcos e molhados", lojas de tecidos e "aviamentos", móveis e eletrodomésticos, açougues, padarias, calçados e confecções, conservas e estivas em geral; algumas poucas farmácias - como por exemplo a farmácia de seu "amintas; a farmácia de seu "Machado"; a farmácia "Central". Os supermercados do tipo "pegue-pague", começam a ganhar espaço e importância nas atividades locais.
A feira livre ainda se realizava no mesmo lugar para onde foi transferida compulsoriamente há pouco mais de cem anos: no "largo do Tamarineiro" e no seu entorno, abarcando as ruas Marechal Bitencourt, Francisco Batista e Alcindo de Camargo. Nas sextas e sábados, ela ocupava praticamente toda a parte central da cidade, espraiando-se até a frente do Paço municipal. Trata-se da tradicional "Feira do Pau", que só seria outra vez compulsoriamente transferida dez anos mais tarde.
Nos bairros, regiões quase rurais onde o saneamento e o calçamento das ruas eram pouco presentes, sendo o Mangallô, 2 de julho, Praça Santa Isabel, Partes do Silva Jardim, da Praça Kenedy e de santa Terezinha, alguns exemplos na direção de algum saneamento básico. Em tais espaços de ocupação populacional majoritariamente de assalariados e/ou sub-assalariados, as "vendas" ainda eram os espaços comerciais relevantes para aquela parte da população que não possuía renda suficiente para realizar as suas compras nos "empórios" comerciais do centro da cidade.
É com esta configuração sócio-espacial que, ao amanhecer, o domingo onze de maio encontra a urbe alagoinhense e um dos seus jovens habitantes, aquele que ora escreve estas linhas. Ao chegar à noite daquele mesmo domingo, ele seria arrolado ao rol de membros da Primeira Igreja Batista de Alagoinhas, mediante batismo, realizado pelo Reverendo Jessé da Silva, então seu pastor.
Em santuário lotado pela membresia, parentes e outros convidados, assistiram aquele ato público de "profissão de fé", o que se deu em clima festivo. Embora o tempo estivesse frio e chuvoso, a celebração contou com "hinos inspirativos" como então se dizia, ensejando uma sensação de grande alegria nos participantes daquele culto.
Cabe salientar de passagem, que aquela fora a confissão pública que dera, no sentido de demonstrar haver feito algumas escolhas que resultariam em mudança profunda no seu modo de compreender a vida e perceber o mundo à sua volta; com tal gesto público, como resultado de decisões interiores, ele estava pretendendo dizer aos que viessem a saber daquele mudar de rumos, que buscaria construir uma nova trajetória para a sua vida, baseada em fundamentos cristológicos, ainda que, reconhecesse que não se tornaria um ser perfeito, mas, um homem em processo de constante aperfeiçoamento.

domingo, 10 de maio de 2020

Niterói, idos de 2005: quando sorrisos infantis provocam lágrimas de saudade

Manhã fria e chuvosa de 10 de maio. Há precisos quinze anos, eu me encontrava em Niterói cursando o primeiro semestre do doutorado em História, na Universidade Federal Fluminense. Ia margeando a Baía de Guanabara para assistir aula no Campus do Gragoatá. Era ainda cedo, cerca das oito da manhã; do meu lado esquerdo, corriam as várias pistas de rolamento.... Era enorme a saudade dos meus filhos ainda muito tenros e da minha mãe que perderia dali há alguns meses; a vontade de jogar tudo para o alto e voltar correndo para junto deles era quase incontrolável... Enquanto assim pensava, em uma das ditas pistas passava um veículo cheio de crianças em alvoroço, que me pareceram ter a idade das minhas que estavam tão longe de mim... Ao ouvir suas vozezinhas cheias de encanto e extravasando mil alegrias, não consegui segurar as lágrimas e encostei no cais para chorar e me perguntar: por que estou aqui? Para quê estou aqui? Na minha memória musical, ressoava o hino dos Vencedores por Cristo "Vou chegar", que ainda hoje me emociona ao ouvir ou mesmo ao pensar em sua letra... Mesmo agora, quando escrevo estas linhas, não consigo conter a emoção daquela lembrança... Porto Solidão, de Jessé, também era presente enquanto  ruminava aquelas reflexões. Esta  trilha sonora muitas vezes me acompanhou por todo o processo vivido por mim naqueles dias que quase não passavam.
Enxugando o rosto com as mãos e profundamente resoluto, segui até o Bloco O... assisti a aula da grande Professora Virgínia  Fontes; reuni os últimos rebotalhos de forças e permaneci no curso, integralizando-o aos dezessete dias do mês de abril de 2009, defendendo a minha tese doutoral, mas já sem a presença da minha mãe na terra...
Ah, como eu gostaria de voltar àquela terça feira de maio de 2005... era marcada pela saudade ... mas ela ainda estava viva, ajudando a cuidar dos meus pequenos, enquanto eu imaginava desenvolvia-me profissional e intelectualmente...

Com vontade de escrever - II: mas ... e as palavras? E as idéias? Onde estão? Como as achar?


                Escrever:
As palavras teimam em não se deixar gravar no texto. Mas, sem palavras não há texto.
Então, não são as palavras que não se deixam gravar, mas sim, as ideias que insistem em não se deixar formular. Desta forma, como poderei escrever se: as palavras não se deixam gravar, nem as idéias se deixam formular?
Bom, então, vamos ver. Em outro escrito, apontei que a pandemia/crise sanitária que agora grassa sobre o mundo do século XXI é uma espécie de reedição de pragas havidas em outras plagas que, ao que parece, se faz sentir periodicamente de tempos em tempos e, sua incidência sobre os humanos, vez por outra é bastante impetuosamente letal. A Europa do século XIII sofreu uma abrupta queda demográfica, dentre outras razões, por ter sido duramente atingida por uma praga extremamente mortífera, ao ponto de várias regiões ficarem com um certo déficite de “almas”.
Ainda que apenas de raspão, indiquei que a “conquista” e a “ocupação/exploração” do “novo mundo” teve como um de seus mais trágicos lances, o ingresso de vírus e bactérias já inóquas aos europeus ocidentais paladinos de tais “conquistas”, tendo se mostrado assaz mortíferas para as populações nativas do continente invadido e devastado, não só pelos pés e mãos dos homens ávidos por metais e prestígio, mas e sobretudo, por vírus, bactérias e seus vetores, implacáveis para com organismos humanos sem qualquer imunidade para os combater.
Inteiramente povoadas quando chegam os europeus ocidentais, as terras posteriormente denominadas “América”, compreendia uma grande variedade de formações econômicas e sociais, com lapsos de complexidade política e diversidade cultural. À medida em que os “invasores” adentravam nos seus profundos vales, percorriam as suas extensas planícies, venciam as alturas das suas montanhas, navegavam os seus caudalosos rios, encontravam grupos populacionais diversos e, lhes impunham suas línguas; incutiam-lhes as suas crenças e formas de pensar; introduziam novos hábitos alimentares, novos costumes indumentários e os submetiam a formas de organização social que eram estranhas ao viver cotidiano daquele grupos heterogêneos de povos; e,principalmente, os forasteiros disseminavam doenças que aos seus corpos se tornaram inofensivas.
Para os habitantes do “novo mundo”, o contato com patogênicos desconhecidos pelo seu sistema imunológico, em razão de estar apartado por alguns milênios de tempo e outros milhares de quilômetros de distância do contato com uma parte dos outros humanos e não-humanos que viviam nas margens opostas dos oceanos, acarretou em um flagelo especialmente letal.
A falta de anticorpos no sistema imunológico da população ameríndia levou a produzir alguns milhões  de vítimas fatais, motivadas por diversas novas doenças, desde “gripezinhas”, passando por sarampos, desinterias e as tão temidas varíolas               , fazendo com que houvesse uma fenomenal queda demográfica em todo o continente, no transcurso de um século e meio, aproximadamente.
Tratando os nativos como se fossem “subhumanos” ou “pouco mais do que bichos”, os invasores possuíram as suas mulheres, se apropriaram de suas terras, expropriaram  sua força de trabalho, moeram os seus corpos, exauriram o seu solo e, de quebra, promoveram uma brutal queda demográfica em todo o continente, cuja população era estimada em 25 milhões quando da chegada dos primeiros europeus no final do século XV, tendo havido uma redução de cerca de pelo menos dois terços, nos meados do século XVII.                                             
Aquela avalanche de epidemias foi exponencialmente letal para os nativos da terra, não só pela inexistência de conhecimento prévio de sua existência/incidência, mas também pela absoluta falta de toda ordem de recursos que pudessem ser utilizados para o combate a tais doenças.
Tudo o que se disse aqui, não se configura como novidade para a história, muito menos, são fenômenos desconhecidos de pessoas e/ou instituições que se dedicam à pesquisa nos diversos campos das ciências sociais/humanas ou das ciências médicas. Há um grande número de obras de valiosa qualidade histórico-científica espalhada pela rede mudial de computadores, que poderá ser visitada por quem tiver interesse em apreender sobre o tema, bastando pesquisar nos diversos buscadores disponíveis, usando por exemplo a expressão “doenças nativas do Novo Mundo”. Apesar de ter feito a busca nestes termos, o que mais apareceu foi exatamente este processo de importação viral/bacteriana promovida pelos homens, ideias e mercadorias quecruzaram o Oceano Atlântico no sentido leste oeste, embora também tenham levado de volta algumas outras que por aqui encontraram, para fazer um grande número de vítimas no Velho continente, mas, sem o grau de mortalidade que marcou as que de lá foram transportadas.
Professor  Jorge Damasceno.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Com vontade de escrever ... mas ...

Hoje, eu acordei com vontade de escrever. Mas, o que escrever? Por que escrever? para quê escrever?
Não é que falte assunto; não é que falte disposição... Mas ...
O que escrever que já não foi escrito? Ou o que dizer que já não foi dito? O que haveria de novo "debaixo do sol" para que aqui se pudesse discorrer, sem incorrer em "vagueares" em águas por muito e por muitas vezes navegadas?
É certo que, nestes últimos pouco mais de cem dias, vive-se uma devastadora "pandemia" viral que, viajando ao redor do planeta, atravessando os oceanos, singrando os mares, planeando os ares  e palmilhando os continentes e, em seu percurso vai desconhecendo distâncias, fronteiras, nacionalidades, culturas, religião ou cor de pele; idade ou condição social, poder econômico ou importância política. Ao que se sabe, o tal de "novo Coronavirus" já seifou vidas humanas, não aos milhares, mas, sim, às centenas de milhares... Mas, como diria um ocupante de cadeira presidencial "e daí"? Já não se falou sobre este assunto à exaustão? As inúmeras gerações de humanos que habitam a terra, já não foram engolfadas por outras centenas de epidemias, pandemias, pragas e pestes, com muitos milhões de mortes? Em que difere esta penúltima - ou antepenúltima - das demais que já passaram, deixando rastros de destruição e nas suas pegadas profundas pelo solo terráqueo, deixando sulcos de  muita dor naqueles que perdem os seus, produzindo "prantos e rangeres de dentes"?

E, aqueles que a elas sovreviveram, por ventura se tornaram melhores homens e mulheres; melhores sociedades; melhores organizações humanas; mais solidárias e solícitas ao clamor dos que tem fome de pão, ao gemido dos que tem sede de água; se fizeram sensíveis para com o clamor por justiças - de quaisquer ordem -; aos anseios de equidade e mutualidade?
Bom, a julgar pela história de guerras, conflitos de terra, explorações de povos tidos como "inferiores" por outros povos, massacres e aprisionamentos de pessoas humanas, inferiorizadas e subjugadas por outras pessoas humanas; das guerras fratricidas, dos holocaustos, dos genocídios ocorridos depois das diversas mortandades  que sobrevieram aos humanos, ao longo dos milênios... dá para inferir que as pragas passaram avassaladoras como desce a enxurrada do cimo do mais alto monte e leva de roldão tudo que encontre pela frente, sem promoverem nos homens o menor desejo de se abster de sua sanha dominadora.
Apenas para citar um exemplo: as terras encontradas pelos europeus ocidentais, localizadas ao oeste do "velho mundo", logo denominadas "América" ou "Novo Mundo", teve grande parte de sua população nativa dizimada por endemias e pandemias trazidas pelos "conquistadores vindos nos navios, junto com as quinquilharias, as "heresias",as "crendices" populares e eclesiásticas  medievais, a "eucaristia", as roupas, os espelhos, a língua "românica" que acompanharam os "civilizadores" que aportaram em terras que acreditaram ser a "Índia".
 Voltando ao tempo presente, ao que parece, analisando-se os desdobramentos do evento pandêmico em curso, não se vislumbra quaisquer vestígios de que a humanidade que sobreviva a ele, passe a pensar, agir e viver de uma forma menos agressiva e egoísta do que vivera até uns três ou quatro meses atrás...
E o "pandemônio político" que graça avassalador sobre o Brasil de 2020? Bom... Quanto a isto ... outros tem escrito abundantemente nas redes sociais, nas revistas semanais e nos jornais diários ... Embora este escrevedor aprecie tais discussões, ele não possue elementos consistentes para desenvolver uma análise sobre o atual momento brasileiro, com o rigor e a responsabilidade que se exige em tais casos.
Pronto. Escrevi.
Professor Jorge Damasceno