segunda-feira, 25 de maio de 2020

Há quase dez anos

Há quase dez anos da morte de José Saramago
Em junho de 2010, se fez uma postagem aqui neste espaço, no momento em que se tomava conhecimento da morte do escritor português José Saramago (1922-2010). Trata-se de um arrazoado no qual foram feitas algumas observações acerca de uma das muitas obras do autor nascido nas terras luzitanas. Se resolveu republicar aqui o texto, uma vez que o modo como o seu autor pensava a referida obra àquela altura, não sofreu grandes reparos, no instante em que se aproxima a data em que se completará a primeira década do desaparecimento do vencedor do prêmio Nobel de literatura na última década do século XX, mais precisamente em 1998.
Uma outra razão que levou este escrevente a republicar o escrito em 2010, relaciona-se ao escrito postado na semana passada, neste mesmo espaço, onde se desenvolveu um conjunto de considerações sobre o "Ensaio sobre a Cegueira", fundamentado em entrevista lida em 1995, a partir da qual, este escrevente construiu as suas objeções à referida obra.
Antes de inserir o arrazoado mencionado acima, convém salientar que este escrevedor consegue separar a obra do seu autor. Isto é: suas objeções estão relacionadas exclusivamente ao "ensaio sobre a cegueira" e não ao seu autor e/ou ao conjunto de sua obra. Afinal, ela é vasta e amplamente reconhecida pela sua qualidade literária - além de ser pouquíssimo conhecida por este escrevedor -, o que, diga-se de passagem, pavimentou o caminho para que Saramago fosse agraciado com o "Nobel de Literatura", como reconhecimento de sua capacidade criadora.
Bom, agora fiquem os leitores com aquele escrito há dez anos.


Morre o autor de "Ensaio sobre a Cegueira"
Lembro-me que o primeiro contato que tive com livros escaneados para se ler no computador, foi justamente um dos livros que mais custei a ler e mais detestei quando li. Nas primeiras tentativas de leitura, o que me fazia recuar era a dificuldade de compreender o texto, seu contexto e seu autor.
Precisei de dez longos anos, várias outras leituras e, sobretudo, a leitura de uma reportagem publicada no periódico português "O Expresso - a revista", onde a repórter, apresenta um longo ensaio sobre a obra e, após ele, uma excelente entrevista com o próprio Saramago, na qual ele procurava explicar a obra, seu contexto e as circunstâncias que o levara a escrevê-la. Tanto pior, pois detestei ainda mais o "Ensaio sobre a cegueira", mesmo sem ter conseguido ler mais de dez, das suas mais de trezentas páginas.
Finalmente, em uma quase interminável noite de insônia, fui além de minha rejeição à obra e a li, de uma só vez, como quem toma um remédio amargo. E, continuei detestando-a, pois nela, o autor põe a nu todo o seu modo pessoal e social de pensar o cego e a cegueira, visto que, não se pode dissociar o escritor da sociedade na qual ele está inserido. Ele não só influencia o todo social com seus conceitos, opiniões e formulações de uma determinada visão de mundo, quanto por ele é influenciado, atuando como "caixa de ressonância" do meio em que vive.
Assim, em sua obra, Saramago deixa bem claro o modo como ele vê o cego e a cegueira, ao mesmo tempo em que reflete o modo como a sociedade pensa e age em relação a este tipo de circunstância, quer seja ela levada ao nível do ser individual, humano (o cego, homem ou mulher), quanto ao trazer para o nível abstrato da sociedade, como ele dizia na mencionada entrevista, que quando escrevia a obra em questão, "pensava em Hitler" e em seu intento de impor ao mundo sua proposta de sociedade arianizada. Ali ele via uma sociedade adoecida por uma cegueira coletiva e endêmica.
Ora, não é difícil para a opinião pública, transferir esta e outras proposições conceituais encontradas no "Ensaio Sobre a Cegueira", para o âmbito do ser humano, e/ou grupo formado por seres humanos desprovido das capacidades visuais, associando tal falta, à impossibilidade de racionalizar, de elaborar pensamento crítico, bem como a uma permanente impossibilidade de perceber, entender e agir com o que se encontra ao seu redor e com as vicissitudes que se lhes apresenta no cotidiano.
Alienar, segregar os doentes e proteger a população "sã", deles e do seu contágio, é o grande esforço que se faz no transcurso de toda a obra. No entanto, ele apresenta o ser cego, aquele que naturalmente o era, como alguém mais vil e capaz de gestos, atitudes e práticas de maior repugnância social, na medida em que aquele grupo por eles formado, submete e sujeita os cegos "temporários", às maiores vilezas e situações de degradação, em um nível de abjeção inimagináveis.
Então, com tanta contradição no modo de ver e pensar o cego e a cegueira, apresentada naquela obra, onde pretendia o escritor chegar? Qual era o juízo que pretendia formar junto à opinião pública, leitora de suas obras? Seria uma crítica social tão profunda e sutil, que eu e os poucos críticos da obra não quisemos e/ou pudemos entender?
Eis aí estão postas questões a serem pensadas, sobretudo no contexto da história e da memória de um escritor que se vai e, sobretudo, em torno de uma obra que, ficará como monumento àquele que a trouxe à luz

Jorge Damasceno, - Professor de História na Universidade do estado da Bahia


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente; quero saber o que você pensa!