domingo, 24 de dezembro de 2023

Idos de Dezembro de 2004

Histórias e Memórias do último Dezembro que Mãe e filho Passaram Juntos Era dezembro de 2004 e, as coisas corriam com alguma normalidade, quando se trata de pessoas que não nutriam grandes expectativas natalinas, nem vãs esperanças de um novo ano, como propalavam os reclames comerciais do período. A rua ainda gozava de um relativo sossego e o abuso das músicas em alto volume, ainda não era um problema de respeito aos vizinhos. Embora sempre houvesse quem gostasse de tocar músicas em volumes extremos, isto ocorria em algumas ocasiões, sobretudo, no Natal e Ano Novo, ainda assim, poucos eram os sons tocados em carros, o que tornava um pouco mais suportável. Por volta dos meados do mês, este escrevedor acabara de chegar do Rio de Janeiro, trazendo na bagagem a aprovação par o ingresso do programa de Pós-Graduação da UFF, na turma de doutorado para o ano de 2005, aprovação que coroara de êxito os esforço envidados por este escrevedor, desde o ano de 2000, vendo adiar-se ano a ano, temendo o avanço da idade e a possibilidade nada improvável de lograr inserir-se naquele curso tão bem avaliado. Embora sua mãe pouco ou nada entendesse de todo aquele processo, de todo aquele ir e vir de seleção em seleção, se regozijara deveras com o resultado do filho; este, evidentemente, se regozijara bem mais do regozijo dela, do que do seu resultado, talvez, por ter consciência do que aquela aprovação representava para o curso do seu caminhar acadêmico, bem como da responsabilidade que assumira para si, tanto diante da universidade que o receberia, quanto daquela que o liberaria para realizar a pesquisa e defender a tese, sem os labores docentes em sala de aula. A bem da verdade, já estava no seu horizonte, o que precisaria providenciar para uma ausência de um semestre, pretendendo que aquele período de estada no Rio, não sobrecarregasse aquela senhora prestes a completar setenta anos, pois, sob os seus cuidados, ficariam as tarefas que eles sempre desempenharam juntos, um dividindo com o outro, o peso do farfalhar cotidiano. Isto, já o preocupava sobremaneira. Como já era um hábito, desde que voltou a morar em Alagoinhas, a então consorte era levada com as crianças para Salvador, a fim de passarem com a avó e tios, as festividades de fim de ano, já que, aqui, ele e sua mãe, nunca se importaram com tais festejos, ele por não entender haver qualquer sentido neles; ela por ter tido uma vida de perdas e com os seus parcos recursos financeiros, não pudera ou sequer fizera questão de comemorar tais veleidades comerciais. Logo, mãe e filho ficariam sós em casa, por ocasião dos feriados de final de ano. Com a casa assim esvaziada, mãe e filho se puseram a imaginar o que poderiam elaborar para aquele almoço em que só eles estariam à mesa – sem que ele pudesse nem de longe suspeitar, embora sempre temesse esta hipótese -, que aquele seria o último que passariam juntos aqui na vida terreal. Não eram exigentes; mas ela sabia fazer algumas coisas muitíssimo saborosas. Na sexta-feira, 24, como de costume, saíram por volta das oito da manhã para fazer a feira, onde comprariam o costumeiro feijão mulatinho, a indispensável farinha, algumas frutas e verduras, mangaba para o suco, ovos – que ela sempre comprava nas mãos de uma antiga vizinha -, bem como a galinha de postura, abatida na hora, que ambos, muito apreciavam; depois, entrariam no supermercado, onde comprariam o restante dos produtos e temperos para o preparo dos alimentos; além de café, açúcar, arroz, leite... enfim, o necessário para passar a semana, para além das festividades da ocasião. De volta ao espaço de residência, foi preparado e servido o almoço: talvez tenha sido um fígado, ou mesmo um peixe, que ela temperava com todo o seu esmero de q mãe solícita e cuidadosa. Veio a tarde e, com ela a solidão daqueles dois que não eram movidos por qualquer interesse natalino do modo como era apregoado, comemorado e, até mesmo, pregado pelas Igrejas protestantes, que aliás, embora tenha se separado da Igreja romana por divergências de interpretação das escrituras, não se desvencilhou de suas práticas dogmáticas e tradicionais de natais e coisas que tais; viria mais uma noite sem “Missa do Galo” na Matriz; ou sem “cantata de Natal” na primeira Igreja Batista, ou na Igreja Batista Belém; sem árvores artificiais; sem pisca-piscas; sem quaisquer enfeites nas paredes ou pendentes dos teto; sem quimeras “pais noéis”, nem mesmo para iludir as crianças; sem roupas nem sapatos novos para ostentar; nem presentes – só ausentes: os meninos! -; sem “reunião de família”, inútil e desnecessária, visto que durante todo o ano o que prevalece é a “desunião”; enfim: uma noite como as demais do ano; aliás, diferente, pois em casa eram só os dois – mãe e filho - que se encontravam presentes -; sem músicas alusivas a data – aliás, todas insossas, insípidas, inodoras, sem sentido, desgastadas e, porque não dizer: ineficazes! Portanto, felizmente, passara aquela noite desprovida de qualquer valia prática para a fé de quem quer que creia, pois, o “Natal” além de uma ser uma tradição europeia/ibérica sem o menor valor histórico e cultural para grande parte da população hispano/luso falante, também é um festejo de exclusão social, mediada pela fragilíssima condição econômica daqueles que são desprovidos dos recursos financeiros exigidos para que possa tomar parte dele. Também é cediço que o tal festejo natalino é lastreado no engano – cujo maior exemplo é o já insustentável mito do “Papai Noel”. Deve se salientar, outrossim, que o tal de “Natal”, traz ampla possiblidade da prática aberta e despudorada da mais estúpida hipocrisia. Mas, ela – a noite de 24 - passou e, veio o dia. O que seria pior: a noite de 24, ou todo o dia de 25? A resposta vai depender de quem responde: ou aquele que recebeu todo que pedira – porque, fique claro, havia que pudesse dar – ou daquele que nada recebera – igualmente, pelo motivo contrário: não teve que pudesse dar. E, veio o dia e, com ele, a hora do almoço. Um feijão caprichosamente temperado; uma porção de arroz com passas, temperado com o mesmo capricho e grande esmero; coxa e sobre coxa de uma galinha de postura, assada no forno; salada de verdura; farofa de cenoura: e dois pratos na mesa; apenas duas pessoas assentadas diante deles. Só ela e o seu filho, almoçaram naquele dia 25 de dezembro de 2004. No ano seguinte, só ele estivera àquela mesa, pois ela partira deste mundo, pouco menos de dois meses antes. Ele, até tentara repetir o prato: mas não logrou êxito; as abundantes lágrimas de saudade e de desalento, lhe fizeram companhia àquela cabeceira da mesa em que estivera na companhia dela, apenas um ano antes. Alagoinhas, 24 de dezembro de 2023 – dezenove anos depois dos fatos aqui rapidamente narrados. José Jorge Andrade Damasceno

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

CARTA ABERTA - II

Carta aberta a excelentíssima senhora dona Solidão. Prezada senhora: não te desejo saúde, nem te saúdo com qualquer tipo de cumprimento. Para mim, a senhora nem merece o tempo que vou dispender para escrever este arrazoado. Mas, como é preciso falar algumas coisas, então, vamos lá. É certo que já nos conhecemos a um bom número de décadas; é igualmente certo, que já procurei obter da senhora o divórcio inúmeras vezes; e, claro, todas aquelas inúmeras vezes a senhora se recusou a descasar-se de mim. A senhora, é bom que se diga, se casou comigo, evidentemente contra a minha vontade, desde aquele dia que fui expulso do aconchegante ventre da minha mãe e, de lá para cá, venho envidando diversos esforços para me desvencilhar da relação abusiva e tóxica – como está na moda se dizer hoje em dia-, a que tenho sido submetido pela excelentíssima senhora , por todos estes sessenta e dois anos, já vividos até o presente instante. Diversas foram as tentativas feitas por mim para que a senhora me desse um pouco de sossego; para que a senhora desse um tempo e esquecesse de mim; para que a senhora se fosse para bem longe e, de lá nem pensasse em voltar. Procurei brincar de quase todas as brincadeiras que as minhas limitações permitiam: mas, a senhora estava lá, sobretudo, quando parte daquelas brincadeiras não eram compatíveis com os meus faróis intermitentemente apagados. Tentei conversar com as meninas; tentei trocar ideias com os meninos; tentei contar causos e piadas; tentei me enturmar entre os colegas das escolas por onde passei; procurei me envolver nos folguedos e nas festas dos que possuíam a mesma idade que eu; procurei fumar os cigarros badalados de então: - LS, Vila Rica, River, Hollywood, Continental, Callton Minister, Hilton -, para ver se era aceito e encontrava a minha turma, procurando me entrosar em alguma delas: nada feito, tudo em vão. Sempre a senhora se intrometia nos lugares aonde eu ia, frequentava...; Também cantei em bares; neles toquei violão; ali, tomei largos goles de cachaça; bebi cerveja, experimentei vinho; até “Cuba Libre” em um bar no centro da cidade, eu tomei: mas sempre só, em uma mesa que poderiam estar quatro pessoas assentadas, trocando figurinhas, jogando conversa fora e, claro, apreciando a mistura de Montilla com Coca cola e limão! Mas, quem era a minha companhia inseparável, quem não desgrudava de min, nem da minha vida? A senhora, dona Solidão. Muitas vezes fui a festas, visto que diziam: - Ora, você não sai de casa! Pois então: fui a festas; várias festas. Festas no Tênis Clube; festa no Vencedor, festa da Mocidade, Criação de Mário Boa Morte e Tibúrcio, realizada na Praça Maestro Santa Isabel; fui algumas vezes atrás do Trio Elétrico de Valnei; fui em duas micaretas; fui em festas de Natal, garbosamente realizada no largo da Matriz de Santo Antônio; também nas de passagem de ano, tempo em que se armava o parque Cacique. Mas, adivinha quem era a minha companheira constante, permanente, presente sempre em todas aquelas ocasiões? A senhora, dona Solidão. Amigos? Namoradas, que todos tinham em profusão, muitas vezes causando até mesmo confusão? Todos tinham mas, eu não. Bom. Aí, aí veio o tempo do “Segundo Grau” e o tempo da “Igreja”. Nem ali, dona Solidão, a senhora se afastou de mim. Tentei entrar nos grupos; nas patotas; nas “igrejinhas” já consolidadas.... Aí é que a coisa entornou de vez. Não se entra nestes espaços, sem que seja convidado por um de seus líderes; assim mesmo, um tempo de desconfiança e retração é invariavelmente vivido pelo novato, convidado; que dizer do noviço intruso? Mas, a senhora, mesmo não tendo sido convidada nem por mim, nem pelos demais participantes do meio onde se davam as celebrações cúlticas ou as atividades escolares, lá estavas, garbosa e ensimesmada, dona da situação, fazendo com que eu me sentisse ainda mais isolado do que o fio elétrico que, além de ser encapado para segurança dos usuários, corre dentro de dutos, escondidos nas paredes e lajes de um prédio qualquer. Ineludivelmente o tempo passava célere, a idade avançava indiferente a mim e ao teu assédio constante ao meu viver sem ninguém com quem pudesse contar, com até alguns poucos amigos, mas, eles, já tinham as suas obrigações laborais, as suas demandas conjugais, os seus compromissos profissionais que os ocupavam, que deles exigiam energias e atenção. Portanto, não dispondo de tempo para me ouvir as queixas, para me amenizar os temores, para me confortar as dores do celibato compulsório. Mas a senhora, dona Solidão, cá estava, pronta a me enredar em insônias, em mil tentativas de encontrar soluções, quase sempre as mais desencontradas. Nem é preciso dizer que tudo isto acabava fazendo com que eu me angustiasse com os dias velozes que passavam e a minha vida permanecia indefinida, sob todos os aspectos. E a senhora, o que dizia em meu apoio? Nada, pois a senhora nunca tem nada a dizer, para aqueles a quem a senhora se assenhora da vida, dos espaços, dos pensamentos, dos desejos... A sua tirania, dona Solidão, pode ser comparada àquela exercida sobre aqueles que são levados al cadafalso para ser submetido à guilhotina, sem que tenha quem o possa substituir, como o encontrara um dos personagens de Charles Dickens, ao “contar” um dos mais sangrentos momentos da Revolução Francesa. A tirania daquelas multidões enfurecidas e ávidas por sangue, que ansiavam por guilhotinar a tantos quantos pudessem e a tantos quantos classificassem como “traidores”, é a tirania que a senhora exerce sobre aqueles a quem a senhora aprisiona em tuas teias tecidas com os fios da incerteza, arrematando conosco de dúvidas quase insanáveis, de tristezas inconsoláveis, de angústias quase insuportáveis, distribuídos em várias partes da tessitura maldita. Pouco ou nada adiantou para este missivista o fato de ter alcançado alguns patamares na vida acadêmica e profissional, pois, como sempre fora, a senhora não o largara. Ao contrário. Acada vez que ele se encontrava rodeado de alunos, de colegas ou, de alguns poucos amigos.... a senhora lá estava, impávida, incólume, ereta e altiva, sem sequer fazer qualquer esforço para ele não perceber a tua presença incômoda. Só bastava ele ultrapassar o limiar da porta de saída do seu local de trabalho, para a senhora se lhe chegar aos ouvidos para dizer: - Oi, estou por aqui, viu? Mesmo neste Ônibus cheio de estudantes em algazarras juvenis. Quando você descer no ponto do Batalhão e atravessar o asfalto, tomando a direção de casa, o meu silêncio te acompanhará até lá. Fique tranquilo. Conte comigo! Não foi diferente nas minhas andanças por São Lázaro, pelo tempo que cursei o mestrado, pois foi a senhora a minha companhia; nem em Niterói, onde eu passei os mais duros dias do meu viver, onde a saudade dos meus filhos me feria os olhos e a tristeza de estar longe deles me cortava os ossos, era a senhora, dona Solidão que me acompanhava cada passo dado naquela cidade e, mesmo, no Campus do Gragoatá, para onde me dirigia ladeando a Baía de Guanabara para assistir as aulas; lá estava a senhora, andando comigo, falando comigo, dormindo comigo, acordando comigo, morando comigo, assistindo impassiva, quando eu chorava a falta dos meus filhos ainda tenros e frágeis... E o que dizer quando a morte tirou a minha mãe de mim, aliás, a única pessoa que fazia frente à tua insistência em estar sempre comigo? Foi a senhora que, de uma vez por todas, sem a menor cerimônia, sem nenhum pejo ou pudor de quaisquer ordem, se assenhoreou de mim e do meu ser, sem me deixar qualquer chance de te rechaçar, de te rejeitar, de te recusar a indesejada companhia. Agora que já estou velho, cansado de tua presença constante em minha vida, na minha cama, na minha mesa, no meu quarto, no meu almoço e no meu jantar; no meu café e na minha sala de estar, na minha cozinha; no meu escritório de trabalho; no meu escrever, no meu ler, no meu ouvir músicas; que até me impedes de fazer um café fresco para tomar no meio da tarde, já que ninguém há para me fazer companhia, com quem saborear aos goles em meio a uma boa conversa; depois de me teres feito chorar tantas lágrimas quantos anos eu já vivi; depois de me teres angustiado a não mais poder enumerar..., uma vez mais insisto que me quero divorciar da senhora, dona Solidão; quero da senhora, separação incondicional; quero que o destrato seja irrevogável; insisto que quero que a senhora se retire da minha vida e se vá para bem longe; insisto que me deixe viver o que resta dos meus dias, reaparecendo apenas, para me fazer companhia na sepultura, onde, aliás, dona Solidão, eres presença inevitável. Alagoinhas 24 de Novembro de 2023 José Jorge Andrade Damasceno historiadorbaiano@gmail.com

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UM MININUTINHO DE ATENÇÃO

Histórias e Memórias De Um Minutinho de Atenção Já vai bem distante o tempo em que o estádio Antônio Carneiro fora palco de memoráveis eventos esportivos, envolvendo o Atlético de Alagoinhas em seus tempos de jovem equipe de futebol, que enfrentava de igual para igual as agremiações futebolísticas de Salvador, sobretudo, o Esporte Clube Bahia de Osório Vilas Boas e, o Esporte Clube Vitória de Raimundo Rocha Pires, que desde pelo menos a década de 1960, alternavam entre si as posições de campeões e vice-campeões baianos, quase todas as edições da competição no período referido, exceto duas ou três delas, que foram vencidas pelo Fluminense de Feira de Santana e pelo Leônico. De sorte que, tendo chegado à década de 1970 e o Atlético de Alagoinhas, ainda há pouco fundado, fazia frente aquelas duas equipes soteropolitanas, muitas vezes, derrotado, segundo se dizia, pela intervenção da arbitragem. Para este aprendiz de cronista, Um daqueles domingos , talvez de julho ou agosto de 1976, amanhecera como quase todos os outros dos meses anteriores e amanheceria como os que ainda viriam nos meses subsequentes. Levantara-se como de costume, mas, com o propósito de se dirigir ao Carneirão, pois ali se travaria uma partida decisiva para a classificação do Atlético para a disputa do título, caso fosse o vencedor da peleja contra um dos dois sempre campeões ou vice-campeões, como já se salientou. Após o almoço frugal de um filho de mulher do povo, que com o seu trabalho, mal conseguia prover a ração diária da sua prole já desfalcada do seu primogênito, aquele garoto, há pouco entrado nos quinze anos, passou a matutar em uma forma de entrar no estádio, visto que não possuía os recursos para a aquisição do ingresso, nem conhecidos entre aqueles que fariam a conferência dos bilhetes e dariam permissão ao acesso. Aquele rapaz lembrou-se de que poderia se apresentar na portaria da rádio Emissora de Alagoinhas e, junto aos locutores que iria fazer a transmissão da peleja futebolística, quem sabe, o faria ingressar junto com a equipe esportiva. Assim pensando, saiu d final do Dois de julho onde morava e, dirigiu-se até a Rua Dom Pedro II, 117, onde se situava a rádio em questão. Lá estava o pessoal quase de saída e, parando para dar atenção àquele inesperado ouvinte/torcedor, o senhor Celio Machado, então diretor da emissora, autorizou que ele fosse junto com a equipe, com a recomendação de não sair do perímetro das cabines de imprensa. Aquela equipe formada por Lourival de Andrade, Augusto Saraiva, J Batista e Belmiro Deusdete, com J Costa na técnica interna, em uma Chevrolet Veraneio, juntamente com os cabos e demais materiais que seriam utilizados na jornada, levou consigo aquele torcedor insólito, que apenas teria contato com aquela importante partida mediante à audição das transmissões radiofônicas. Porém, àquela altura, a ele isto pouco importava; o que queria era estar ali, no calor humano emanado pela presença daqueles torcedores atentos e aguerridos, incentivando e empurrando o seu time local para a vitória contra o gigante da capital e mais: perto, ao lado, lado a lado com os locutores que só podia ouvir de casa, em um aparelho de rádio. Ali, ele os ouviria, como se diria hoje, “em tempo real”. Mas, uma surpresa lhe estava reservada:: ao ser concluído o primeiro tempo de jogo, ele saiu bisbilhotando as demais cabines de rádio, aliás, todas ocupadas pelas emissoras de Salvador, que faziam transmissões esportivas: Rádio Cultura, Rádio Excelsior, rádio Cruzeiro da Bahia, talvez, já a rádio Clube – a mais nova dentre elas, inaugurada em 1975 – e, a mais conhecida e de maior audiência: a Rádio Sociedade da Bahia, então integrante dos famosos Diários Associados, do lendário Assis Chateaubriand. Naquela cabine em especial, se encontrava para transmitir aquele duelo futebolístico, um locutor que aquele rapazinho já ouvia pelas ondas da rádio Sociedade, espraiadas a partir de seus transmissores, ainda localizados em Água Comprida, nas proximidades de Simões Filho: Antônio Pondé, era aquele locutor, já conhecido dos alagoinhenses mais maduros, mas que este escrevedor só conhecera enquanto locutor esportivo, quando se transferiu para aquela emissora que se proclamava “a mais potente do norte e nordeste”. Como era o intervalo da partida e o microfone estava sendo ocupado por um dos comentaristas, talvez Edson Almeida, dono de uma voz forte, firme e bem empostada, Antônio Pondé, gentilmente, concedeu um minutinho de sua atenção para este escrevedor, apertando-lhe a mão, o que lhe causou uma tão profunda impressão, que, ao ler que a Câmara Municipal de Alagoinhas, inaugurara um comitê de imprensa, colocando nele o seu nome, imediatamente aquele aperto de mão tão breve, singelo e despropositado, veio à memória deste escrevedor.– José Jorge Andrade Damasceno – Alagoinhas – 24 de novembro de 2023. historiadorbaiano@gmail.com

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Carta Aberta - I - Errata

Carta Aberta à Excelentíssima senhora dona Insegurança. Caríssima senhora: cumprimentos acabrunhados. Perdoe se este missivista não sabe ao certo, se a digna senhora é a filha primogênita da dúvida ou, se é a madrasta da incerteza. De qualquer sorte, esta carta aberta é dirigida à sua digníssima pessoa. Talvez tu até já saibas, mas há que se reforçar nesta carta, o fato de que tens sido a causa de inúmeras desgraças de tantos quantos são atormentados pela vossa constante presença em sua vida; qualquer uma das três de vossas senhorias, alimenta os ódios entre as pessoas e os povos, os medos, os temores erráticos ou reais, de maneira a provocar cismas, guerras fratricidas, rompimentos irremediáveis entre amigos, assassinatos de reputações e carreiras, suicídios, feminicídios, homicídios sem conta, devido à semeadura que vossas senhorias provocam e/ou alimentam, fazendo crescer o desejo de não mais abrir-se ao afeto/à fraternidade, à amizade, o medo do fim daquele amor há tanto tempo desejado/esperado, o temor de perdas irreparáveis de relações a tanto custo construídas, provocando o fechamento do coração para a crença nas pessoas. Em outro campo, as vossas presenças acabam oferecendo os álibis os mais diversos e as mais desatinadas desculpas/justificativas – sempre injustificáveis, saliente-se -, para o cometimento de inúmeros crimes hediondos. Doutra sorte, algumas vezes, as senhoras provocam abatimentos profundos e até fazem correr lágrimas quentes e sentidas, tão copiosas quanto dolorosas, uma vez que alguns elementos inerentes ao modo de ser de vossas senhorias, produzem na pessoa acometida pela vossa presença, um forte sentimento de perda – quase sempre infundado, mas que a pessoa atingido não tem “certeza” de o ser -, que o leva a pensar ter de fato perdido, sobretudo, a pessoa a quem ama. O resultado disto, senhoras, é um misto de tristeza e sensação de derrota iminente, quando não, já consumada, de suas pretensões de felicidade e paz. Muitas vezes, caras senhoras, uma palavra quase despropositada, um elogio inconsequente dirigido a outrem, desencadeia a tempestade emocional naquele sobre quem as senhoras insistem em atuar, ensejando um forte mal-estar, forçando ao que é atingido pela presença de vossas senhorias, a buscar forças onde quase não as tem, para evitar um abalo sísmico de grande potencial destruidor, ou para não sucumbir ao peso dos efeitos deletérios inerentes à tais situações. Isto posto, esta missiva dirigida a vossa senhoria, que certamente tem algum controle sobre as outras duas senhoras, vem solicitar que tenha a gentileza de se retirar da presença deste signatário, pois, os danos que a ele foram causados por toda a sua existência, não podem ser mensurados, visto que, como a senhora está farta de saber, ele viveu um sem-número de situações e circunstâncias provocadas pela insistente presença de vossas senhorias em sua vida, desde mesma a sua mais tenra idade. A senhora, dona Insegurança, sabe bem o mal que tem produzido ao longo do percurso deste missivista, razão pela qual ele te escreve esta epístola, solicitando retirada incondicional das trincheiras que a senhora e as tuas outras companheiras construíram e ocuparam altivamente por todo este tempo. Certo de que esta missiva será lida pela senhora e pelas vossas sequazes, que será tomada na devida conta e, que será acatada a solicitação acima exposta, subscreve-se, atenciosamente: Este E Todo Aquele Que Se Sinta Atingido Pela Altiva Presença da Excelentíssima Senhora.

Carta Aberta - I

Carta Aberta à Excelentíssima senhora dona Insegurança. CISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UMA AMIZADE – Parte II – Repentinamente: um hóspede. Transcorria normalmente u uma já distante tarde de dezembro do último ano do século XX. Como de costume, em um início de dezembro, dormia-se tranquilamente o sono vespertino, quando se ouve a voz de alguém anunciando correspondência. Tendo levantado para atender ao carteiro, recebe-se um pacote que havia sido encaminhado para atender ao edital de seleção para ingresso no programa de Pós-graduação, cujo prazo para aquele tipo de envio fora rigorosamente cumprido pelo candidato. , Entre aturdido e incrédulo com o que se lhe apresentava naquele instante, aquele senhor, que ainda mal acabara de acordar, recebera o pacote na condição de devolução, sem atentar para o que houvera feito de errado no processo de subscrição da encomenda, para que, ao invés de ser entregue ao destinatário na cidade de Niterói, estivesse ali, em suas mãos, o que implicaria na perda do prazo para a concretização da inscrição, se tentasse efetivar um reenvio. Sem atinar bem no que poderia fazer para reverter aquela situação, afigurou-se lhe uma ideia, que, em princípio pareceu despropositada, visto que implicaria em pedir apoio a uma pessoa residente no Rio de Janeiro, com a qual já trocava algumas correspondências e ideias, mas, sem ainda ter havido quaisquer contatos de ordem real entre eles. Tratava-se de Maurício Zeni, de quem este escrevedor já havia lido e apreciado o projeto recentemente aprovado para ingresso no curso doutoral; com quem já permutava correspondências eletrônicas com alguma frequência; com quem discutira um pouco, o seu próprio projeto que inscreveria para a seleção daquele ano e, que agora tinha de volta em suas mãos. Depois de alguma ponderação de si para consigo, pegara o telefone e, logo às primeiras palavras com as quais explicara o motivo daquela ligação, Maurício, sem qualquer hesitação, aceita receber aquele desconhecido em sua residência, para que ele não perdesse a oportunidade de ao menos, submeter aquele projeto ao crivo da banca examinadora. Ato contínuo, fez-se a compra da passagem para o Rio de Janeiro, para o dia seguinte, prazo final da inscrição presencial ,e igualmente foram tomadas as providências que permitissem chegar ao aeroporto de Salvador, a fim de embarcar pela Vasp, com o fito de realizar aquela viagem emergencial. O taxista que faria o transporte terrestre era Seu Nadinho, um fervoroso torcedor do Bahia, que com o seu Ford Del Rei, passou na residência do cliente as três horas da madrugada e o deixara as cinco no Balcão de embarque. Este escrevente tendo partido direto do aeroporto rumo a Universidade Federal Fluminense, campus do Gragoatá, em Niterói, levando consigo o pacote devolvido no dia anterior, pode realizar a sua inscrição em tempo hábil, entrando assim, no grupo daqueles que teriam as suas propostas avaliadas. Mas, aquele candidato, por razoes de logística, precisaria permanecer no Rio de Janeiro, até, pelo menos, obter o resultado da primeira parte da avaliação, o que se daria dali a pouco mais ou menos dez dias. Desta forma, o casal Maurício Zeni e Sônia Lucas, acabariam por receber em seu espaço de convivência conjugal, um hospede inesperado para uma estada não programada. Ao concluir o procedimento de inscrição e entrega do material, foi pedido que entrasse em contato com os anfitriões que, muito rápida e solicitamente, atenderam e se dispuseram a encontrar aquele forasteiro em Niterói e o conduzir até a residência em que viviam, na Tijuca. Lá, entre muitas conversas, aprendizados e largas gargalhadas, este escrevente aguardou a desclassificação de sua proposta de pesquisa, que, ainda assim, não ofuscou os excelentes momentos passados com aquele casal que acabara de conhecer pessoalmente. E, será que tem música? Claro! Por que não haveria? E, serão duas. Como todo bom cego, há sempre um rádio em suas mãos ou no pé dos seus ouvidos. Como não poderia deixar de ser, quando não estava em conversas com o casal, o rádio era o companheiro inseparável. Foi em uma daquelas audições radiofônicas, que este ouvinte teve o primeiro contato com a música de Zeca Pagodinho, Caviar, que o impressionara bastante. https://youtu.be/eFQCPE9uDy0?si=1q8pYbromrbNTQr4 Naquela mesma época, o filme Titanic fora exibido na televisão e, este hóspede inesperado, fora convidado pelo casal para acompanhar aquela exibição juntos. É verdade que o hóspede dormira quase todo o tempo de duração do filme..., mas, estava ali, com o casal, que assistira, aliás, atentamente. A sua música tema tocava em quase todas as emissoras FM, cujo seguimento era voltado para músicas “românticas”. https://youtu.be/F2RnxZnubCM?si=KcxwlELH2aeRaPBf Embora este escrevente tenha retornado triste pela reprovação de sua proposta de pesquisa para ingresso no programa de Pós-Graduação da UFF, naquele ano – e em mais três subsequentes, até ingressar na edição de 2005 -, a alegria de ter estado com Maurício Zeni, que se tornaria um grande amigo com quem este tagarela contaria outras muitas vezes, ficou como o grande ganho daquela primeira viagem ao Rio de Janeiro, depois de dez anos, quando ali esteve para conhecer uma jovem da região do vale do Aço, de que já se falou neste mesmo espaço. José Jorge Andrade Damasceno – 17 de novembro de 2023 historiadorbaiano@gmail.com Carta Aberta à Excelentíssima senhora dona Insegurança. Caríssima senhora: cumprimentos acabrunhados. Perdoe se este missivista não sabe ao certo, se a digna senhora é a filha primogênita da dúvida ou, se é a madrasta da incerteza. De qualquer sorte, esta carta aberta é dirigida à sua digníssima pessoa. Talvez tu até já saibas, mas há que se reforçar nesta carta, o fato de que tens sido a causa de inúmeras desgraças de tantos quantos são atormentados pela vossa constante presença em sua vida; qualquer uma das três de vossas senhorias, alimenta os ódios entre as pessoas e os povos, os medos, os temores erráticos ou reais, de maneira a provocar cismas, guerras fratricidas, rompimentos irremediáveis entre amigos, assassinatos de reputações e carreiras, suicídios, feminicídios, homicídios sem conta, devido à semeadura que vossas senhorias provocam e/ou alimentam, fazendo crescer o desejo de não mais abrir-se ao afeto/à fraternidade, à amizade, o medo do fim daquele amor há tanto tempo desejado/esperado, o temor de perdas irreparáveis de relações a tanto custo construídas, provocando o fechamento do coração para a crença nas pessoas. Em outro campo, as vossas presenças acabam oferecendo os álibis os mais diversos e as mais desatinadas desculpas/justificativas – sempre injustificáveis, saliente-se -, para o cometimento de inúmeros crimes hediondos. Doutra sorte, algumas vezes, as senhoras provocam abatimentos profundos e até fazem correr lágrimas quentes e sentidas, tão copiosas quanto dolorosas, uma vez que alguns elementos inerentes ao modo de ser de vossas senhorias, produzem na pessoa acometida pela vossa presença, um forte sentimento de perda – quase sempre infundado, mas que a pessoa atingido não tem “certeza” de o ser -, que o leva a pensar ter de fato perdido, sobretudo, a pessoa a quem ama. O resultado disto, senhoras, é um misto de tristeza e sensação de derrota iminente, quando não, já consumada, de suas pretensões de felicidade e paz. Muitas vezes, caras senhoras, uma palavra quase despropositada, um elogio inconsequente dirigido a outrem, desencadeia a tempestade emocional naquele sobre quem as senhoras insistem em atuar, ensejando um forte mal-estar, forçando ao que é atingido pela presença de vossas senhorias, a buscar forças onde quase não as tem, para evitar um abalo sísmico de grande potencial destruidor, ou para não sucumbir ao peso dos efeitos deletérios inerentes à tais situações. Isto posto, esta missiva dirigida a vossa senhoria, que certamente tem algum controle sobre as outras duas senhoras, vem solicitar que tenha a gentileza de se retirar da presença deste signatário, pois, os danos que a ele foram causados por toda a sua existência, não podem ser mensurados, visto que, como a senhora está farta de saber, ele viveu um sem-número de situações e circunstâncias provocadas pela insistente presença de vossas senhorias em sua vida, desde mesma a sua mais tenra idade. A senhora, dona Insegurança, sabe bem o mal que tem produzido ao longo do percurso deste missivista, razão pela qual ele te escreve esta epístola, solicitando retirada incondicional das trincheiras que a senhora e as tuas outras companheiras construíram e ocuparam altivamente por todo este tempo. Certo de que esta missiva será lida pela senhora e pelas vossas sequazes, que será tomada na devida conta e, que será acatada a solicitação acima exposta, subscreve-se, atenciosamente: Este E Todo Aquele Que Se Sinta Atingido Pela Altiva Presença da Excelentíssima Senhora. historiadorbaiano@gmail.com

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UMA AMIZADE - PARTE II

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UMA AMIZADE – Parte II – HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UMA AMIZADE – Parte II – Repentinamente: um hóspede. Transcorria normalmente u uma já distante tarde de dezembro do último ano do século XX. Como de costume, em um início de dezembro, dormia-se tranquilamente o sono vespertino, quando se ouve a voz de alguém anunciando correspondência. Tendo levantado para atender ao carteiro, recebe-se um pacote que havia sido encaminhado para atender ao edital de seleção para ingresso no programa de Pós-graduação, cujo prazo para aquele tipo de envio fora rigorosamente cumprido pelo candidato. , Entre aturdido e incrédulo com o que se lhe apresentava naquele instante, aquele senhor, que ainda mal acabara de acordar, recebera o pacote na condição de devolução, sem atentar para o que houvera feito de errado no processo de subscrição da encomenda, para que, ao invés de ser entregue ao destinatário na cidade de Niterói, estivesse ali, em suas mãos, o que implicaria na perda do prazo para a concretização da inscrição, se tentasse efetivar um reenvio. Sem atinar bem no que poderia fazer para reverter aquela situação, afigurou-se lhe uma ideia, que, em princípio pareceu despropositada, visto que implicaria em pedir apoio a uma pessoa residente no Rio de Janeiro, com a qual já trocava algumas correspondências e ideias, mas, sem ainda ter havido quaisquer contatos de ordem real entre eles. Tratava-se de Maurício Zeni, de quem este escrevedor já havia lido e apreciado o projeto recentemente aprovado para ingresso no curso doutoral; com quem já permutava correspondências eletrônicas com alguma frequência; com quem discutira um pouco, o seu próprio projeto que inscreveria para a seleção daquele ano e, que agora tinha de volta em suas mãos. Depois de alguma ponderação de si para consigo, pegara o telefone e, logo às primeiras palavras com as quais explicara o motivo daquela ligação, Maurício, sem qualquer hesitação, aceita receber aquele desconhecido em sua residência, para que ele não perdesse a oportunidade de ao menos, submeter aquele projeto ao crivo da banca examinadora. Ato contínuo, fez-se a compra da passagem para o Rio de Janeiro, para o dia seguinte, prazo final da inscrição presencial ,e igualmente foram tomadas as providências que permitissem chegar ao aeroporto de Salvador, a fim de embarcar pela Vasp, com o fito de realizar aquela viagem emergencial. O taxista que faria o transporte terrestre era Seu Nadinho, um fervoroso torcedor do Bahia, que com o seu Ford Del Rei, passou na residência do cliente as três horas da madrugada e o deixara as cinco no Balcão de embarque. Este escrevente tendo partido direto do aeroporto rumo a Universidade Federal Fluminense, campus do Gragoatá, em Niterói, levando consigo o pacote devolvido no dia anterior, pode realizar a sua inscrição em tempo hábil, entrando assim, no grupo daqueles que teriam as suas propostas avaliadas. Mas, aquele candidato, por razoes de logística, precisaria permanecer no Rio de Janeiro, até, pelo menos, obter o resultado da primeira parte da avaliação, o que se daria dali a pouco mais ou menos dez dias. Desta forma, o casal Maurício Zeni e Sônia Lucas, acabariam por receber em seu espaço de convivência conjugal, um hospede inesperado para uma estada não programada. Ao concluir o procedimento de inscrição e entrega do material, foi pedido que entrasse em contato com os anfitriões que, muito rápida e solicitamente, atenderam e se dispuseram a encontrar aquele forasteiro em Niterói e o conduzir até a residência em que viviam, na Tijuca. Lá, entre muitas conversas, aprendizados e largas gargalhadas, este escrevente aguardou a desclassificação de sua proposta de pesquisa, que, ainda assim, não ofuscou os excelentes momentos passados com aquele casal que acabara de conhecer pessoalmente. E, será que tem música? Claro! Por que não haveria? E, serão duas. Como todo bom cego, há sempre um rádio em suas mãos ou no pé dos seus ouvidos. Como não poderia deixar de ser, quando não estava em conversas com o casal, o rádio era o companheiro inseparável. Foi em uma daquelas audições radiofônicas, que este ouvinte teve o primeiro contato com a música de Zeca Pagodinho, Caviar, que o impressionara bastante. https://youtu.be/eFQCPE9uDy0?si=1q8pYbromrbNTQr4 Naquela mesma época, o filme Titanic fora exibido na televisão e, este hóspede inesperado, fora convidado pelo casal para acompanhar aquela exibição juntos. É verdade que o hóspede dormira quase todo o tempo de duração do filme..., mas, estava ali, com o casal, que assistira, aliás, atentamente. A sua música tema tocava em quase todas as emissoras FM, cujo seguimento era voltado para músicas “românticas”. https://youtu.be/F2RnxZnubCM?si=KcxwlELH2aeRaPBf Embora este escrevente tenha retornado triste pela reprovação de sua proposta de pesquisa para ingresso no programa de Pós-Graduação da UFF, naquele ano – e em mais três subsequentes, até ingressar na edição de 2005 -, a alegria de ter estado com Maurício Zeni, que se tornaria um grande amigo com quem este tagarela contaria outras muitas vezes, ficou como o grande ganho daquela primeira viagem ao Rio de Janeiro, depois de dez anos, quando ali esteve para conhecer uma jovem da região do vale do Aço, de que já se falou neste mesmo espaço. José Jorge Andrade Damasceno – 17 de novembro de 2023 historiadorbaiano@gmail.com Repentinamente: um hóspede.

 

Transcorria normalmente u uma já distante tarde de dezembro do último ano do século XX. Como de costume, em um início de dezembro, dormia-se tranquilamente o sono vespertino, quando se ouve a voz de alguém anunciando correspondência. Tendo levantado para atender ao carteiro, recebe-se um pacote que havia sido encaminhado para atender ao edital de seleção para ingresso no programa de Pós-graduação, cujo prazo para aquele tipo de envio fora rigorosamente cumprido pelo candidato. , Entre aturdido e incrédulo com o que se lhe apresentava naquele instante, aquele senhor, que ainda mal acabara de acordar, recebera o pacote na condição de devolução, sem atentar para o que houvera feito de errado no processo de subscrição da encomenda, para que, ao invés de ser entregue ao destinatário na cidade de Niterói, estivesse ali, em suas mãos, o que implicaria na perda do prazo para a concretização da inscrição, se tentasse efetivar um reenvio.

Sem atinar bem no que poderia fazer para reverter aquela situação, afigurou-se lhe  uma ideia, que, em princípio pareceu despropositada, visto que implicaria em pedir apoio a uma pessoa residente no Rio de Janeiro, com a qual já trocava algumas correspondências e ideias, mas, sem ainda ter havido quaisquer contatos de ordem real entre eles. Tratava-se de Maurício Zeni, de quem este escrevedor já havia lido e apreciado o projeto recentemente aprovado para ingresso no curso doutoral; com quem já permutava correspondências eletrônicas com alguma frequência; com quem discutira um pouco, o seu próprio projeto que inscreveria para a seleção daquele ano e, que agora tinha de volta em suas mãos.

Depois de alguma ponderação de si para consigo, pegara o telefone e, logo às primeiras palavras com as quais explicara o motivo daquela ligação, Maurício, sem qualquer hesitação, aceita receber aquele desconhecido em sua residência, para que ele não perdesse a oportunidade de ao menos, submeter aquele projeto ao crivo da banca examinadora.

Ato contínuo, fez-se a compra da passagem para o Rio de Janeiro, para o dia seguinte, prazo final da inscrição presencial ,e igualmente foram tomadas as providências que permitissem chegar ao aeroporto de Salvador, a fim de embarcar pela Vasp, com o fito de realizar aquela viagem emergencial. O taxista que faria o transporte terrestre era Seu Nadinho, um fervoroso torcedor do Bahia, que com o seu Ford Del Rei, passou na residência do cliente as três horas da madrugada e o deixara as cinco no Balcão de embarque.

Este escrevente tendo partido direto do aeroporto rumo para a Universidade Federal Fluminense, campus do Gragoatá, em  Niterói, levando consigo o pacote devolvido no dia anterior, pode realizar a sua inscrição em tempo hábil, entrando assim, no grupo daqueles que teriam as suas propostas avaliadas.

Mas, aquele candidato, por razoes de logística, precisaria permanecer no Rio de Janeiro, até, pelo menos, obter o resultado da primeira parte da avaliação, o que se daria dali a pouco mais ou menos dez dias. Desta forma, o casal Maurício Zeni e Sônia Lucas, acabariam por receber em seu espaço de convivência conjugal, um hospede inesperado para uma estada não programada.

Ao concluir o procedimento de inscrição e entrega do material, foi pedido que entrasse em contato com os anfitriões que, muito rápida e solicitamente, atenderam e se dispuseram a encontrar aquele forasteiro em Niterói e o conduzir até a residência em que viviam, na Tijuca.

Lá, entre muitas conversas, aprendizados e largas gargalhadas, este escrevente aguardou a desclassificação de sua proposta de pesquisa, que, ainda assim, não ofuscou os excelentes momentos passados com aquele casal que acabara de conhecer pessoalmente.

E, será que tem música? Claro! Por que não haveria? E, serão duas. Como todo bom cego, há sempre um rádio em suas mãos ou no pé dos seus ouvidos. Como não poderia deixar de ser, quando não estava em conversas com o casal, o rádio era o companheiro inseparável. Foi em uma daquelas audições radiofônicas, que este ouvinte teve o primeiro contato com a música de Zeca Pagodinho, Caviar, que o impressionara bastante.

https://youtu.be/eFQCPE9uDy0?si=1q8pYbromrbNTQr4

 

Naquela mesma época, o filme Titanic fora exibido na televisão e, este hóspede inesperado, fora convidado pelo casal para acompanhar aquela exibição juntos. É verdade que o hóspede dormira quase todo o tempo de duração do filme..., mas, estava ali, com o casal, que assistira, aliás, atentamente. A sua música tema tocava em quase todas as emissoras FM, cujo seguimento era voltado para músicas “românticas”.

 

https://youtu.be/F2RnxZnubCM?si=KcxwlELH2aeRaPBf

 

Embora este escrevente tenha retornado triste pela reprovação de sua proposta de pesquisa para ingresso no programa de Pós-Graduação da UFF, naquele ano – e em mais três subsequentes, até ingressar na edição de 2005 -, a alegria de ter estado com Maurício Zeni, que se tornaria um grande amigo  com quem este tagarela contaria outras muitas vezes, ficou como o grande ganho daquela primeira viagem ao Rio de Janeiro, depois de dez anos, quando ali esteve para conhecer uma jovem da região do vale do Aço, de que já se falou neste mesmo espaço.

 

José Jorge Andrade Damasceno – 17 de novembro de 2023

 

historiadorbaiano@gmail.com 

domingo, 12 de novembro de 2023

SÓ NA ESTRADA

SÓ NA ESTRADA

 

Aos primeiros augúrios do alvorecer, não importando a estação ou o dia, os pássaros iniciam os seus gorjeios, acompanhando os marcados passos do tempo e o farfalhar do que se preparam para o mourejar dos que cedo se colocam aos recomeços dos seus deveres, prazeres e devoções matinais.

Na casa de José Mário, que cedo acordava com o cantar dos galos e o piar das demais aves alvoroçadas com as primeiras luzes da aurora, embora só saísse para a escola, por volta das seis e meia, após o primeiro “apito” da “Leste”, convocando os seus operários para o trabalho as sete, o cotidiano não fosse muito diferente, visto que dona Arminda logo cedo precisava dar conta do café, da iniciação do preparo do almoço e, pouco depois das sete horas, se dirigisse ao rio Aramari, com sua bacia de roupas para lavar e, daquela atividade para a qual precisava usar a força dos seus braços, apurar os recursos para o provimento dele e dos seus dois irmãos mais velhos.

Saliente-se de passagem que, aquele esforço braçal, também exigia alguma habilidade, uma vez que as roupas não só deveriam   ser lavadas e passadas, como, em algumas ocasiões, precisavam ser caprichosamente engomadas, para que fossem entregues e recebesse a parca remuneração por um serviço tão inglório. Nem por isto, Dona Arminda descuidava daquelas tarefas, desempenhando-as com esmero e afinco, pois, se não receberia melhor remuneração por tanta dedicação, poderia ganhar outras “freguesas”, a partir da satisfação daquelas senhoras que pagavam pelos serviços, mediante indicação a alguma outra que dele quisesse fazer uso.

Tendo iniciado a sua vida escolar no ano em que as autoridades locais promoveram a implantação de uma sala “especial” no prédio escolar Brasilino Viegas, onde ele seria apresentado ao Sistema Braille de leitura e escrita, por meio do qual teria enfim, acesso ao mundo do saber: literatura, matemática, gramática, clássicos da cultura e da história, José Mário, aquele menino irrequieto, traquino e curioso, ali permaneceu até a conclusão do que então se chamava 1º grau escolar, no seu nível 1. Ali, foi possível tomar contato com os primeiros rudimentos da leitura, uma vez que, em um dado momento de sua escolarização, pudera interagir diretamente com os companheiros de classe, na medida em que tivera o mesmo livro utilizado pelos demais colegas, sendo-lhe possível participar das “leituras” desenvolvidas coletivamente, que foram de grande valia para o seu aprimoramento na prática daquela atividade.

Em grande medida, José  Mário presenciou por todos os anos da sua vida, aqueles labores de sua mãe, em grande parte do tempo, destinados a provisão das suas necessidades de alimentação, vestuário, abrigo e formação para a vida. Para além dos labores, também vivenciou as suas dores. No ano em que ele completaria catorze anos, ele tem contato direto com a morte de alguém a quem era muito afeiçoado, contato que lhe modificara inexoravelmente o rumo da vida.  Dona Arminda ainda não completara  trinta e nove anos, quando fora atingida pela fatalidade que fora a morte do seu filho mais velho, filho que se fizera seu companheiro no arrimo daquela casa. Aquele  golpe quase a fizera ruir em seu ânimo e interesse pela vida.

Mergulhada em profunda tristeza e vertendo lágrimas de profunda dor, ela se prostrara por longas semanas, se erguendo apenas para o estrito cumprimento dos deveres laborais, considerando que ainda haveria de carregar sob os seus ombros, agora sozinha, um seu filho que, conforme considerava, dependeria das forças que lhe restassem, até o fim dos seus dias.

Aquele início de inverno de 1974 marcou indelevelmente um divisor de águas para dona Arminda e José Mário. Para ela, fora o fim precoce da vida do seu primogênito, sobre quem ela depositava as suas esperanças de dias melhores, na medida em que ele estava sendo iniciado na arte da marcenaria, profissão com a qual procuraria mitigar as necessidades orçamentárias da casa e, quiçá, a ajudaria a encontrar meios de sobrevivência menos penosos. Para José Mário, aquela fora uma morte incompreendida para os seus poucos laivos de maturidade, uma vez que ainda não se tivera deparado com aquele tipo de vivência tão próxima de si – embora dois de seus irmãos mais novos houvessem morrido antes de completarem o terceiro ano de vida -, sobretudo, na idade que aquela morte lhe arrebatara o irmão:  vinte anos , era o tempo vivido por Zé Carlos, quando o seu corpo fora descido a campa fria no cemitério da Praça da Saudade.

Dali em diante, muitas coisas mudaram na vida de José Mário e de sua Mãe. Ele, acreditando que também morreria aos vinte anos, como se dera com o seu irmão, passara a viver atemorizado, embora a ninguém jamais houvera dito dessa impressão que lhe impregnara o espírito, durante o tempo que transcorrera aquele evento e o momento que completara a sua segunda década. Ela, ao se prostrar de corpo de espírito, pois perdera o interesse por quase tudo aquilo que fazia no seu dia a dia; se tornara triste e acabrunhada, vergada ao peso do golpe funesto que a abatera profundamente, tornara-se taciturna e por muitos anos, se alimentara da dor da perda e dessedentara-se com as lágrimas daquela dor. Segundo confessara mais tarde, só a existência daquele outro filho que, conforme entendia, dependeria dela para sobreviver, é que a erguera lentamente do seu torpor, retomando aos poucos o seu lidar diário, sem, porém, aquele entusiasmo que sempre a impulsionara, a despeito de todas as agruras inerentes ao tipo de trabalho que desenvolvia para mitigar a fome e a nudez dela e dos seus.

Transcorreram os anos, as décadas e, aqueles dois seres passaram a dividir um com o outro os fardos que a vida lhes impunha, bem como suportaram juntos os infortúnios da pobreza, que os impedia de proporcionar-se mutuamente conforto e bem estar; as incertezas profissionais e funcionais que permearam os anos de formação escolar e acadêmica de José Mário e, choraram juntos – embora cada um de si para consigo -, os inúmeros fracassos que ele acumulou na sua árida caminhada em busca de ingresso na docência.

Quando finalmente obteve êxito naquela empreitada, passaram a dividir – conforme ela já o fizera com o seu primogênito – as responsabilidades gerenciais da casa, o que permitiu a ele, reduzir a pesada carga que ela suportara sozinha por todos aqueles anos, pois, puderam caminhar juntos, lado a lado, levando o peso daquilo que lhes era dado, de modo equânime e equilibrado

Mas, trinta e um anos depois, outra vez a morte se apresenta para interromper uma daquelas vidas, conforme já se temia; já se esperava, por conta do avançar dos anos. Era dona Arminda que tivera a vida arrebatada do convívio do seu filho, como o fizera com o seu primogênito.

Certa manhã, como era o seu costume, ao descer para junto com ela tomara primeira refeição do dia, José Mário estranhou não sentir o aroma daquele café que deveria lhe chegar às narinas, logo que assomasse o portão da casa; era a hora de costume; ela porém, não movimentava as panelas na cozinha, indicando o labor de um café que acabava de ser coado: reinava o silêncio e, o que ele temia estava bem ao seu lado ao passar para a cozinha, a fim de espreitar o que estaria acontecendo.

Tendo encontrado as panelas frias; o café do dia anterior; não encontrando qualquer vestígio de que ela houvesse descido para alimentar as suas galinhas, atemorizou-se sobremaneira e, com receio de encontrar o  cadáver de sua mãe, entrou no quarto, mas, não ousou encostar na cama.

Ele só se dera conta que acontecera o que não queria acreditar, quando uma neta de dona Arminda chega e pergunta:

- O que vó tem?

Ao que replicou:

- Onde ela está?

- No sofá.

Ali, José Mário compreendeu que ela houvera sofrido um AVC e, por isto, não pudera se comunicar com ele, embora houvesse passado por ela duas ou três vezes, já ansioso por saber o que houvera se dado.

Depois de ter sido levada pela SAMU, José Mário subiu até o seu quarto e ergueu a sua voz em um pranto longo e sofrido, pois aquilo que presenciara, lhe dera a certeza de que ela nunca mais voltaria àquele espaço que por quase quarenta anos eles compartilharam.

Alguns dias depois, os seus temores se confirmaram. Depois de alguns dias internada; depois de concluído o horário de visita em que ela lhe apertou a mão com a sua ainda grossa pelo amanho das trouxas de roupa, como se se quisesse despedir do seu filho, ficou reforçada no espírito de José Mário a convicção que tivera no dia em que fora levada para o hospital. Procurando conter-se na saída da enfermaria, desabou em pranto convulsivo ao se encontrar só em casa. Ele não conseguia se enganar: aquele desfecho se daria em uma questão de dias. E, se deu. Uma semana após aquele emblemático aperto daquelas  mãos ainda fortes e calosas, chegara o fim da contagem dos seus dias sobre a terra.

Ao falecer dona Arminda, José Mário teve bem claro que, dali em diante, ele passaria a trilhar só a estrada, até chegar o dia que por sua vez, ele fosse também tragado pela morte. E tem sido assim, nos últimos 18 anos.

 

Alagoinhas, 12 de novembro de 2023

José Jorge Andrade Damasceno


sábado, 28 de outubro de 2023

CRÔNICA DE UMA SOLIDÃO PERMANENTE

Crônica de uma solidão permanente

 

Sempre lhe faltou a intrepidez; sempre lhe sobrou a timidez; o medo de arriscar, de avançar, sempre lhe paralisou; a apreensão de a realidade não ser tal  como a ele parecia, sempre apeou-lhe os passos e lhe fez caminhar com grandes dificuldades; a incerteza sempre esteve a fervilhar nos seus pensamentos e muitas vezes lhe fez recuar os passos; tantas vezes pensou, tantas vezes ponderou, tantas vezes considerou e, ainda assim, muitas foram as decisões insensatas que tomou, muitos os caminhos tortuosos que trilhou, em muitos poços sem fundo desceu, muitos foram os abismos profundos que mergulhou, foram muitas as cisternas rotas que cavou.. o receio de errar, o levou a cometer inumeráveis erros: de cálculo, de avaliação, de leitura da realidade, de apreensão do mundo, de compreensão do que se lhe dizia/fazia ou parecia dizer/fazer, de compreensão das coisas à sua volta, de interpretação de intensões/palavras/ações...

A solidão sempre foi a marca indelével do seu existir, bem mais do que ele imaginasse ou desejasse; é certo que do alto dos seus arroubos de indignação e de fúria pelos seus desacertos e fracassos, sempre a evocou como quem pudesse o esconder da vergonha dos desastres, das derrotas, das muitas vezes que foi incapaz de perceber as coisas, em tempo de recuar ou de sequer pensar em dar um passo a mais em sua busca ou execução; não se dava conta - ou não queria - que ela nunca lhe deixara, mesmo cercado por multidões de pessoas, grandes ou diminutas; a solidão parece ser parte inerente do seu ser; desde a mais tenra infância: as brincadeiras, as peraltices, as traquinagens, quase invariavelmente eram atos solitários.

Agora mesmo, no momento em que estas letras são digitadas, a enorme casa está esvaziada  e, é habitada apenas por quem o faz... tem-se por companhia os pássaros que gorjeiam no espaço externo e contíguo; os insetos do forro e do telhado; a poeira e a sujeira do chão; os poucos móveis do imóvel; os equipamentos que ainda permitem alguma comunicação com o mundo exterior e com algumas pouquíssimas pessoas que se dignam em estabelecer algum tipo de relação com um ser tão pouco sociável como este solitário., Ele não o é por escolha, nem tem prazerem o ser... Mas, ao que parece, foi eleito uma de suas peças humanas prediletas

Em um tempo já pretérito de sua vida, muitas foram as vezes em que ele se banhou, se perfumou e se vestiu à sua maneira e, de acordo como lhe era possível, mediante as suas condições econômicas e sociais, bem como a da sua genitora/provedora, com o objetivo de sair à rua, como o faziam os demais rapazes da sua idade, em busca de encontrar alguma moça que ao menos lhe desse um pouco de atenção, lhe pudesse ouvir, ainda que apenas para lhe fazer companhia; fossem os carnavais, os natais ou quaisquer folguedos ou espaços, vãs eram as suas buscas.

Malgrado ter se acotovelado entre as muitas pessoas, em diversos espaços da cidade; ou ter participado por um largo tempo de duas igrejas, com perfis sociais e litúrgicos diferentes; a despeito de ter frequentado escolas e alguns bares; apesar de ter ido a algumas festas de largo e tendo trabalhado em uma empresa de porte médio na capital do seu Estado; não obstante ter estudado em algumas Universidades – nos diversos graus de graduação – e, ter se tornado docente na mesma faculdade em que se graduara, a solidão lhe era inarredável, estando sempre com ele; quantas vezes, ao voltar de um dia intenso de atividades acadêmicas, ele sentia o peso do isolamento e do descolamento social em que vivia, tendo apenas ela – a solidão -, e somente ela como sua constante companhia.

Saliente-se, por dever de justiça, que parte daquele isolamento era uma escolha daquele solitário, sobretudo, por não se sentir um com aqueles outros – colegas, alunos – que gravitavam naqueles espaços, como se fossem “corpos” soltos e preocupados cada um com a sua própria órbita, que claro, eram os próprios umbigos. Tendo as vaidades pessoais como fios condutores dos seus fazeres e seres, acercavam-se do professor desarraigado, apenas enquanto lhe fosse útil para o seus tarefares. Neste ponto, o alto-isolamento acabava por ser um instrumento a partir do qual intentava estabelecer uma espécie de proteção do isolamento que já lhe era inerente, na vã tentativa de reduzir os seus danos.

Entrementes, por incontáveis anos, a solidão insiste em estar presente, mesmo nos instantes de contrição ou das ideias e dos desejos os mais inconfessáveis; ela é, em suma, crônica; ela se instalou no seu viver, desde pouco depois de nascer em casa, por obra de parteira.

 

José Jorge Andrade Damasceno – outubro de 2023 

historiadorbaiano@gmail.com

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Histórias e Memórias de uma grande Amizade - Parte I.

Histórias e memórias de uma amizade – Parte I.

 

O ano era 1998 e o mês era maio. Este escrevedor encontrava-se em Salvador, hospedado em casa de Marilza, por ocasião de uma jornada promovida pelo programa de Pós-graduação em História, que se realizaria na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA – provavelmente um minicurso - e, por razões de logística, fez-se necessário encontrar onde permanecer por alguns dias na cidade de Salvador.

Após o regresso das atividades em São Lázaro, voltava para a casa onde gentilmente fora hospedado e, depois de bom café com a sua proprietária, memoráveis momentos de boníssima prosa.

Este escrevente conhecera pessoalmente a sua anfitriã, sobretudo, a partir da sua experiência com o Dosvox; ela já era conhecida dele, há alguns anos antes, quando intentara realizar um curso de programação que ela ministrara na Biblioteca central do Estado, que o cronista não conseguira acompanhar, por pura dificuldade de compreender as formulações matemáticas inerentes à matéria em questão.

Marilza, por sua vez, conhecera o hóspede pessoalmente pouco tempo antes, quando a seu convite, viera até a grande Alagoinhas, prestar-lhe auxílio no amanho do Dosvox.

Dito isto, volte-se ao seu apartamento, situado em Amaralina, no andar térreo do edifício Quineret. Entre as diversas digressões e divagações entabuladas na prosa que transcorrera em sua sala de estar, surgiu um nome com o qual este escrevedor já estava familiarizado, por conta de ler suas proposições nas “listas” que passara a tomar contato por meio da internet, ainda em processo de implantação/popularização, principalmente entre as pessoas cegas, que passavam a ter acesso ao seu conteúdo, a partir do sistema Dosvox – instrumento por meio do qual o cego passava a ter a possibilidade de utilizar o computador, até então, só possível para aqueles cegos que fossem programadores -, também em processo de desenvolvimento.

Impressionado com a profundidade e clareza dos seus textos, sabendo que a anfitriã era sua colega de profissão e, gozava de prestígio junto ao recém-constituído mestre, este cronista manifestou interesse em travar contato com aquele cego, brilhante e, que acabara de concluir uma dissertação que, acreditava, o poderia ajudar, como de fato ajudou, na elaboração da sua, ora em curso.

Ato contínuo, Marilza pega o telefone e liga para o dito, conversa um pouco com ele e, de chofre, anuncia:

- Maurício, está aqui em casa uma pessoa que tem lido os teus escritos na lista Dosvox e, se tornou teu admirador. Vou passar o telefone para ele.

Do outro lado da linha, ouve-se a voz do sujeito que fala com desenvoltura e desembaraço com o seu interlocutor, como se já o conhecesse de longas jornadas.

Era nada mais nada menos do que Maurício Zeni, que falava ali, sem qualquer ar de superioridade; sem qualquer tipo de empostação e/ou  imposição de “lugar”; um humor e uma genialidade perceptível às primeiras palavras; às primeiras frases.

Nascia ali uma amizade tão frutífera quanto frutuosa, ao ponto de não ter havido qualquer diferença, quando este garatujador o encontrou pessoalmente, alguns poucos anos depois daquela apresentação telefônica.

Aliás, aquele encontro será o tema do próximo desfilar de lembrares.

Como não poderia deixar de ser, há uma música neste arrazoado. Nas manhãs que antecediam as atividades acadêmicas, eram ocupadas com a audição de “CDs” encontrados no acervo da anfitriã. E o que se ouviu no dia seguinte ao papo com Maurício, não poderia deixar de ter sido Chico Buarque, com a sua magnífica interpretação de “Tanto Mar”.

 

https://youtu.be/t0y96gpmAzk?si=0ub6uDC5xmMfxleG

 

Alagoinhas 21 de setembro de 2023.

José Jorge Andrade Damasceno

 

historiadorbaiano@gmail.com 

sábado, 5 de agosto de 2023

História e Música - Parte II - A Guerrilheira estilhaça blindagens e esmigalha carapaças.

História e música – Parte II – A Guerrilheira estilhaça blindagens e esmigalha carapaças.

 

Corria o ano da graça de 2013; nos seus primeiros três meses. Não é possível precisar quanto tempo decorreu entre a sua primeira aparição abrupta e avassaladora e os primeiros diálogos entabulados entre aquela “guerrilheira” e aquele sujeito que acreditava estar afeito aos enfrentamentos da guerra cujo terreno é o coração, a partir de sua bem construída fortaleza.

Bem guardado por sua espessa blindagem e envolto em grossas camadas de carapaças, ele se acreditava tão inexpugnável, ao ponto de acreditar resistiria a quaisquer movimentos daquela guerrilheira e que facilmente repeliria um eventual ataque desferido por quem estava munida apenas de armas leves e frágeis, pouco ou nada acreditando que pudesse dispor de táticas capazes de alcançar qualquer êxito em um possível confronto.

Na verdade, é bom que se diga, sequer ele acreditava que aquela menina arisca e bem dotada de todos os encantos, teria algum interesse em realizar algum movimento que o tivesse como alvo. Afinal, quem não gostaria de ter o privilégio de cercá-la, cortejá-la, conquistá-la? Faria ela algum movimento de guerrilha na direção daquele velho e cansado guerreiro, mais preocupado em se resguardar de enfrentar outras batalhas, do que de as provocar?

Por que, se ela era uma terra nova, culta e fértil e, todos quantos fossem sensatos e sábios, quereriam arrebatar para si?

Assim pensando, procurou e obteve a chance de estabelecer alguma aproximação; trocaram mensagens, contatos, endereços eletrônicos... conversas se amiudaram; passaram a trocar ideias, em conversas despretensiosas e amenas, cada um explorando as capacidades cognitivas do outro; envolvendo os assuntos mais variados e diversificados, de modo que não houvesse espaço para quaisquer avanços, sem que se não armasse cada um com as suas respectivas forças de defesa, intentando impossibilitar que as linhas demarcatórias fossem ultrapassadas; qualquer erro poderia resultar em um ataque preventivo, perpetrado por cada um dos lados e, até mesmo, o nascimento de uma inimizade de difícil reversão.

Assim, eles permaneceram se resguardando mutuamente. Ela porém, por ser leve, ágil e hábil, sem que o fortificado pudesse repelir em tempo, lançou uma bomba poética em direção à porta principal da fortaleza que aquele fortificado edificara tão cuidadosamente e, rompeu, quase que imediatamente, os principais fundamentos das blindagens ali superpostas, promovendo a imediata invasão do local, sem que houvesse tempo de ser repelida.

Aproveitara o inesperado do gesto e, tratou de esgarçar as carapaças que lhe guardava as portas do coração e, lá entrou, quebrou os últimos focos de resistência; se alojou indelevelmente; estabelecida no espaço que parecia ter sido talhado para ela, fortificou-se ali, sem deixar qualquer margem para uma efetiva e eficaz reação, no sentido de lhe fazer voltar às posições anteriores.

Sim: ela conquistou a fortaleza; fez dali o seu lugar de ações táticas; dela saiu, apenas para buscar reforços, visto que o fortificado fora deixado amarrado à sua própria alma, sem que houvesse qualquer chance de desamarrar-se por si só.  Não mais poderia voltar à orgulhosa posição de “inexpugnável”, ostentada até momentos antes do movimento tático levado a bom termo por aquela guerrilheira faceira, que se atrevera a promover a conquista de um fortificado, tornando-o indefeso e incapaz de resistir aos encantos que logo foram derramados sobre todo o seu ser, transformando-o em seu perpétuo prisioneiro.

A curiosidade do leitor deve estar aguçada, visto que se falou que “uma bomba poética” fora lançada dentro da fortaleza, esmiuçando lhe e transformando em fragmentos, toda a blindagem que a guardava. Enquanto eram trocadas mensagens, ideias e impressões, ambos estudavam o terreno onde cada um se movia; ela, mais atenta e eficiente, logo iniciou o bombardeio com eficácia, visto que, escolhera adrede, músicas que, no conjunto formado por melodias e versos, pudessem atingir e transpor as carapaças que foram interpostas com o objetivo de evitar que uma flecha, ainda que a mais sutil, viesse a penetrar e a se alojar onde pudesse injetar o doce veneno da querência. Ele já estava exausto de descuidar-se e, fizera o propósito de não mais se deixar inebriar por querências ou quereres, que, depois de o vencer, o deixaram sangrando, quase a morrer.

Destarte, a guerrilheira lança mão de armas poéticas de calibre suficiente para esboroar os escudos mais resistentes que aquele fortificado pudesse dispor. Portanto, duas músicas foram enviadas, em um curto intervalo de tempo, para que, a soma das duas, viesse a funcionar como a poderosa bomba que, ao mesmo tempo quebraria as blindagens e espedaçaria as carapaças que o protegeriam, deixando-o indefeso, facilitando o trabalho de conquista.

A primeira delas: Simone – Quem é você.

 

 https://youtu.be/rgXNUWz-ro https://youtu.be/rgXNUWz-ro0

https://youtu.be/rgXNUWz-ro0

 

A segunda: Sandra de Sá – Com você tudo fica melhor.

 

https://youtu.be/nvnTkJ1zxlw

 

Como o leitor pode perceber, as músicas foram enviadas com o intuito de dizer ao fortificado, que os demais guerreiros que pretendessem conquistar o coração da Guerrilheira, não tinham chance de avançar um único milímetro, sem que ela não o defendesse com força e valentia.

 

05 de agosto de 2023

 

 

Jorge Damasceno 

sexta-feira, 16 de junho de 2023

História e Música - I

História e Música Parte I - A Guerrilheira

 

Há um tempo que se apresenta difícil de precisar com exatidão, pouco a pouco a densa floresta do isolamento a que as pessoas cegas estavam imersas, começava a ser bafejada pelos raios primaveris produzidos por alguns desenvolvimentos tecnológicos iniciados com os primeiros esforços que resultaram na criação de um conjunto de programas que permitiriam acesso aos computadores, mediante a utilização de vozes sintetizadas. O primeiro dos movimentos exitosos naquela direção foi o “Sistema Dosvox”, que se apresentava à pessoa cega, que, quase deslumbrada diante de um equipamento pensado e desenvolvido para aqueles que vêm, esperando que respondesse:

- ”[...], o que você deseja”?

 

Previamente instruído a respeito do modo como responder ao sistema que passava a permitir a sua interação com os computadores pessoais, a pergunta era respondida e a pessoa cega começava a perceber as clareiras que se faziam abrir, a cada operação que conseguia executar com independência, indo de árvore em árvore, de bosque em bosque, até se embrenharem em grutas, cavernas e rios caudalosos, largos e fundos, que, por sua complexidade e abrangência, se convencionou chamar, acertadamente , “revolução tecnológica, dali em diante, acessível às pessoas cegas.

Assim, a espessa floresta onde errava grande parte das pessoas cegas, passa a contar com caminhos e estradas bem arquitetadas em um “sistema operacional” frágil nos primeiros anos e que foram robustecidos algum tempo depois, fazendo possível trafegar com segurança e, permitindo até mesmo o desenvolvimento de atalhos e desvios mais arriscados.

É assim que se constrói um programa que passaria a estabelecer contatos entre aquelas pessoas que antes, se se conhecessem, só se falariam pessoalmente, por telefone – quem o tivesse – ou pelos Correios em suas longas jornadas de saídas e chegadas de cartas – em braile; mas também, escritas à máquina: chegara o “Papovox”.

Com um número de usuários razoável e com uma diversidade – no início pequena – de possibilidades, aquele programa se firmou como um meio seguro e de comunicação virtual, cheio de surpresas. Ali, vários de seus usuários se tornaram “amigos”, ainda que nunca houvessem se encontrado no mundo real, em algum lugar real. Muitas foram as noites viradas por este escrevedor, em salas públicas ou privadas; muitas foram as confabulações que varavam a madrugada, sem que os seus protagonistas se dessem conta do passar do tempo.

Pois bem: foi neste ambiente de muitas permutas, que surgiram projetos de pesquisas, namoros virtuais; enlaces e rompimentos; não faltando calorosos debates, altercações e reflexões; brigas, ciúmes que quase sempre resultavam em homéricas discussões que, por vezes, resvalaram na rispidez e grosseria generalizada entre os envolvidos.

Em uma daquelas madrugadas em que este escrevedor entrara para mais uma jornada de confabulações e trocas de amenidades, surge uma “guerrilheira”, como um raio avassalador, trovejando com a sua metralhadora bafejando inteligência aos borbotões. Talvez contasse dezesseis ou dezoito anos e, já esbanjava segurança, força de caráter e firmeza de palavras e atitudes. Tão veloz entrara e atirara algumas palavras pouco compreendidas por grande parte dos circunstantes, quanto ainda mais veloz saíra, quase sem deixar vestígios, como deve ser, em sua ação de guerrilhar, esboroando as defesas mais robustas.

Aquela Guerrilheira, em princípio inofensiva e frágil, avançou firme e resoluta no seu afã de revolucionar, deixando para trás de si, um velho soldado ferido, indefeso e enfermo, necessitado do seu socorro médico e, sobretudo, do seu cuidado. Qual! Ela o deixaria desfalecer; outros soldados, igualmente feridos pela fúria do seu metralhar, certamente, teria melhor sorte do que aquele que, apenas passava pelo local, como um caminhante distraído, desacreditando haver naquela guerrilheira, alguma intenção de o ferir. Para que? Sequer valeria a pena gastar a sua munição com aquele soldado andarilho, que nem parecia que estivesse em condições de lutar.

Aquela Guerrilheira deixou marcas indeléveis no espírito daquele soldado, que, por já haver vivido o dobro de sua vida e, por se acreditar experiente o suficiente para não se deixar atingir pelas suas balas de raríssima inteligência, sucumbira ao seu jeito  tão eficaz de manusear a palavra como arma de encantamento; pelo seu ágil modo de guerrilhar e de escapar aos revides da defesa; antes mesmo que fosse possível esboçar-se qualquer movimento no sentido de ser alvejada, a sua capacidade de fuga e de alto-proteção já se fazia sentir e, ela escapava e se protegia.

Crê-se que uma ilustração perfeita da Guerrilheira e o seu guerrilhar com o cérebro e a palavra que facilmente brotava dos seus dedos ágeis, velozes e irrequietos, seja a canção que tão bem representa este tipo de guerrilhar: “Canción para Mi América”, magnificamente interpretado por Mercedes Sosa.

 

https://youtu.be/o5Uuh6k7mJI

 

José Jorge Andrade Damasceno -17 de junho de 2023. 

sábado, 27 de maio de 2023

Memórias de Maio II

Memórias de maio II – Mãos que outra vez se entrelaçam

 

O outono é uma estação em que o corpo e a alma estão sendo preparados para a chegada do inverno, o que faz dela uma ponte entre o verão, com seus cheiros e sabores bem característicos, algumas vezes tórrido e seco, que permite a realização de inúmeras empreitadas impulsionadas por um farfalhar de sons, ventos e folguedos e, o inverno, mais frio, mais lento e  mais calmo. Nela, aqueles que são mais propensos à solidão e à circunspecção, fazem longas incursões imaginativas e profundas reflexões, que perpassam todo o seu interior, alcançando o âmago da alma, onde estão depositados os inúmeros sedimentos do viver pretérito, do amar, do querer sem poder, do desejar sem ter; das ilusões perdidas, das dores muitas vezes sentidas; onde residem as partículas de saudade, que vez por outra são revolvidas pelas reminiscências, evocadas ou não, que fazem subir à superfície lembranças que se pensava, há muito apagadas.

No outono, os cheiros de terra molhada; de folhas ao vento, bem como os sons dos pássaros e do ambiente como um todo, juntamente com os sabores bem mais leves e demoradamente apreciados, faz erguer os rememorares de há muito sufocados, que, uma vez acionados por alguma voz doce que chega aos sentidos, desdobra-se em torrentes nostálgicas que impelem o coração até lugares já não visitados, há algum tempo.

É assim que, outra vez em maio, este escrevedor volta ao lugar que dez anos antes, deixara triste e com o gosto amargo de se sentir tal qual aquela ave, que fora abatida em pleno voo, quando acreditava se dirigia a um lugar de floração viçosa, de frutos saborosos, que imaginava lhe agradaria o paladar, saciaria a sua sede de néctar e atiçaria o seu olfato com um suave perfume. Ou então, usando outra alegoria, ele volta a pisar naquele solo, que deixara dez anos antes, cabisbaixo e com aquela sensação experimentada pelo automobilista, que, a despeito de liderar toda a jornada, sofre pane seca, pouco antes de completar a volta que o levaria ao topo do podium.

Outra vez um sábado; um sábado em que chovia torrencialmente, se daria um reencontro tão longamente esperado. Ali, se desfaria um imenso hiato, aberto ao deixarem o Riomar, naquele memorável maio, que já se fazia decano. O outono se fez ainda mais presente, visto que a chuva quase não deu tréguas, contudo, sem impedir que aquelas mãos voltassem a se entrelaçar.

Entre duas xícaras de café e um suco de laranja, transcorreu aquela tarde; chegou aquela noite; o passar do tempo não foi percebido e, os dois puderam conversar; puderam sentir o perfume um do outro; puderam sorrir... ele, pôde fazer voar a imaginação; experimentar a emoção de outra vez estar ao lado dela; de outra vez pensar nela, não mais tão distante quanto ela estivera por todo este tempo; não mais mediado pelos meios de comunicação moderna. Não. Ela estava ali, ali ao alcance de suas mãos; sua voz lhe chegava aos ouvidos, não pelo telefone ou pelo whats App; mas, ali, ao lado; na cadeira ao lado. Os instantes de silêncio, ela interrompia indagando:

- No que está pensando?

E ele, apanhado em flagrante delito do coração, respondia, quase desconcertado:

- Em nada!

Ora, naquele momento a sua timidez irreversível se apresentou intrépida, fazendo com que ele se sentisse, como um menino que, mal dissimuladamente, tenta fechar nas suas mãos trêmulas, os caramelos subtraídos da frasqueira, sem que houvesse tempo de escapar à chegada súbita de quem os guardara!

Assim, aquele “nada” dado como resposta, foi uma imposição da timidez, que nunca o deixa falar, quando precisa falar; quando quer falar; quando deseja falar: o que sente, o que anseia, o que anela daquele alguém que ali está perguntando:

- “No que está pensando”? “O que está maquinando”? “Por que o silêncio”?

E a resposta, imposta é:

- “Nada”, “nada”, “por nada”!

Ah, esta timidez paralisadora! Silenciadora! Não haveria um remédio para, ao menos, neutralizar os seus efeitos que tanto abate o espírito de quem sofre com ela?  Como se desvencilhar do estupor que ela provoca, no momento mesmo em que se encontra frente a frente, lado a lado, desfrutando do instante há muito esperado, imaginado?

Aquele ensejo de reencontro, embora tenha sido muitas vezes cuidadosamente elaborado no espírito daquele que tanto o desejara, ao se lhe afigurar como algo que ali estava, diante de si, o intimida e paralisa: a voz quase não saem; as palavras teimam em não se deixar manejar; as frases mal articuladas, rebentam de lábios quase cerrados, o que, certamente, dificulta o entendimento de quem as ouve...

Como das outras vezes, várias foram as músicas trocadas, em uma espécie de preparativo para o novo entrelaçar de mãos. Entre elas, se poderia escolher duas, entre as que um mandou para o outro.

Ela, curiosa e arguta caçadora de "amenidades", descobrira uma que ele nunca houvera ouvido, embora seja apaixonado por músicas e, tenha um bom número delas.

 

https://youtu.be/RhmCA7FZKRE

 

A outra, ele também nunca ouvira antes – embora tenha sido gravada nos últimos anos do século XX -, mas, por entender que se encaixava perfeitamente no interregno entre os dois momentos até então vividos, mandou para ela.

 

https://youtu.be/dFE4V5qSawY

 

José Jorge Andrade Damasceno – maio de 2023

historiadorbaiano@gmail.com 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Memórias de Maio - I

Memórias de maio – mãos que se enlaçaram

 

Pleno de reminiscências, maio tem sido pródigo em evocar um bom número delas. Já se escreveu sobre algumas; outras ainda aguardam a sua vez. Talvez, tais reminiscências aflorem pelo fato de ser um mês outonal, momento em que o inverno se aproxima e, o clima ameno, desperta memórias que se fazem recônditas no fundo da alma, como se quisesse indicar o aprofundamento da solidão, marca indelével deste escrevedor, avultada por sua escassa sociabilidade, aprofundada pelo inverno frio e chuvoso que se avizinha. Nele o tempo parece se arrastar ainda mais lentamente; o corpo sente mais intensamente a falta de calor.

Corria o ano da graça de 2013 e, chovia torrencialmente em Aracaju, como se aquele fosse um “Toró de lágrimas”, que, depois de amainar e se tornar “água corrente”, acabaria por molhar não apenas a superfície; mas, evidentemente que então não se sabia, acabaria por molhar caprichosamente uma plantinha, ainda recém germinada no coração, que mais tarde, se desenvolveria e se tornaria árvore.

A despeito do temporal que caía intermitente e impassível, eles saíram de diferentes e distantes espaços e dirigiram-se ao Riomar, para enfim, terem um encontro pessoal, real, concreto e palpável, no mundo real das pessoas e das coisas. Fora o momento mágico em que as suas vozes foram ouvidas mutuamente, sem a intermediação de equipamentos eletrônicos, sínteses de voz, leitores de tela... Sim: eles ali estavam, frente a frente; lado a lado; como até então, não puderam estar.

Na memória, ficou o momento da apresentação; o sorriso que aflorou naquele rosto que a tristeza teimava em moldar com a dureza e a circunspecção do tempo de asperezas e labores permanentes...Levados a um local onde pudessem conversar, ali se deixaram ficar, talvez, para se poderem certificar que de fato estavam ali, um juntinho do outro, separados por uma mesa onde repousavam duas latas de refrigerante, que aliás, custaram a ser esvaziadas...; ela, com suas mãozinhas ágeis, delicadas e irrequietas, logo quebrou o gelo do toque, do contato tátil, da construção cerebral dos elementos constitutivos daqueles seres reais que se encontravam ali, quase falando pelo silêncio; ele, tímido por natureza e intimidado pela graciosa presença daquela flor tão perfumada quanto meiga e doce; aspirava as suas palavras como se as precisasse reter, ou pudesse reservar para não sucumbir ao tempo que demoraria para outra vez as poder ouvir, tão perto como as ouvia naquele momento de grande enlevo e encantamento.

Mas, como já dizia um cantor da “jovem guarda”: “... tudo que é bom dura pouco”, o tempo passara veloz e, chegara a hora do encantado e da encantadora serem outra vez separados. Separados, imaginava ele, para se voltarem a encontrar no dia seguinte e, assim, pensava, ele falaria destemidamente tudo que quisera, que precisava e que desejara falar para ela; tudo que imaginara e, até ensaiara dizer para ela, sem freios, medos, acanhamentos, reservas... sobre o que sentia por ela; como se encantara pelo seu jeitinho de “fada”; como fala o poeta às suas “escolhidas” para o seu amor...

Mas “quá”! Ele a procurou; para ela ele telefonou; escreveu; esperou que respondesse ou que atendesse... Nada; um silêncio profundo se fez e, logo ele voltou ao seu habitual mundo vazio e solitário, mundo no qual sempre habitou e, por poucas vezes dele saiu.

No entanto, a lembrança daquela noite chuvosa de sábado, teimava em não se deixar apagar, a despeito de alguns esforços feitos neste sentido, uma vez que a “esperança” de um “novo amanhecer”, acabara por se desvanecer, ainda na madrugada do domingo, quando o sono quase não veio, tanto quanto não vieram as respostas que ele buscara. Os seus cabelos encaracolados; o formato do seu queixo; a maciez das suas mãos, teimaram em não lhe sair das pontas dos dedos, mesmo não mais tendo voltado a tocar neles. Parecera que houvera horas e horas de toques, como se a superfície do tocado se tivesse transformado em profundidades que as mãos que se entrelaçaram construíram e fizeram fortes aqueles vestígios tão frágeis, como se tivessem passado anos a elaborar e reelaborar aqueles sinais táteis no profundo do ser que a tocara...

Como se tem feito em outras rememorações, aqui se quer deixar marcada a música que permeou a memória deste escrevedor, no momento em que se conversava a respeito do encontro e enquanto o esperava, ansiosamente. Foram muitas as músicas trocadas entre eles, nos dias que antecederam à efeméride aqui brevemente trazida da memória. Entre elas, certamente, a interpretação de José Augusto – “Por Eu ter Me Machucado” -, expressa melhor o momento emocional que ele vivia e a expectativa que criara em torno do encontro. E, como o leitor pôde perceber no desfecho do arrazoado, acabou por ser uma espécie de “prévia” alusão aos desdobramentos posteriores.

 

https://youtu.be/4C1TkY9W0ds

 

José Jorge Andrade Damasceno

historiadorbaiano@gmail.com

 

25 de maio de 2023.