quinta-feira, 25 de maio de 2023

Memórias de Maio - I

Memórias de maio – mãos que se enlaçaram

 

Pleno de reminiscências, maio tem sido pródigo em evocar um bom número delas. Já se escreveu sobre algumas; outras ainda aguardam a sua vez. Talvez, tais reminiscências aflorem pelo fato de ser um mês outonal, momento em que o inverno se aproxima e, o clima ameno, desperta memórias que se fazem recônditas no fundo da alma, como se quisesse indicar o aprofundamento da solidão, marca indelével deste escrevedor, avultada por sua escassa sociabilidade, aprofundada pelo inverno frio e chuvoso que se avizinha. Nele o tempo parece se arrastar ainda mais lentamente; o corpo sente mais intensamente a falta de calor.

Corria o ano da graça de 2013 e, chovia torrencialmente em Aracaju, como se aquele fosse um “Toró de lágrimas”, que, depois de amainar e se tornar “água corrente”, acabaria por molhar não apenas a superfície; mas, evidentemente que então não se sabia, acabaria por molhar caprichosamente uma plantinha, ainda recém germinada no coração, que mais tarde, se desenvolveria e se tornaria árvore.

A despeito do temporal que caía intermitente e impassível, eles saíram de diferentes e distantes espaços e dirigiram-se ao Riomar, para enfim, terem um encontro pessoal, real, concreto e palpável, no mundo real das pessoas e das coisas. Fora o momento mágico em que as suas vozes foram ouvidas mutuamente, sem a intermediação de equipamentos eletrônicos, sínteses de voz, leitores de tela... Sim: eles ali estavam, frente a frente; lado a lado; como até então, não puderam estar.

Na memória, ficou o momento da apresentação; o sorriso que aflorou naquele rosto que a tristeza teimava em moldar com a dureza e a circunspecção do tempo de asperezas e labores permanentes...Levados a um local onde pudessem conversar, ali se deixaram ficar, talvez, para se poderem certificar que de fato estavam ali, um juntinho do outro, separados por uma mesa onde repousavam duas latas de refrigerante, que aliás, custaram a ser esvaziadas...; ela, com suas mãozinhas ágeis, delicadas e irrequietas, logo quebrou o gelo do toque, do contato tátil, da construção cerebral dos elementos constitutivos daqueles seres reais que se encontravam ali, quase falando pelo silêncio; ele, tímido por natureza e intimidado pela graciosa presença daquela flor tão perfumada quanto meiga e doce; aspirava as suas palavras como se as precisasse reter, ou pudesse reservar para não sucumbir ao tempo que demoraria para outra vez as poder ouvir, tão perto como as ouvia naquele momento de grande enlevo e encantamento.

Mas, como já dizia um cantor da “jovem guarda”: “... tudo que é bom dura pouco”, o tempo passara veloz e, chegara a hora do encantado e da encantadora serem outra vez separados. Separados, imaginava ele, para se voltarem a encontrar no dia seguinte e, assim, pensava, ele falaria destemidamente tudo que quisera, que precisava e que desejara falar para ela; tudo que imaginara e, até ensaiara dizer para ela, sem freios, medos, acanhamentos, reservas... sobre o que sentia por ela; como se encantara pelo seu jeitinho de “fada”; como fala o poeta às suas “escolhidas” para o seu amor...

Mas “quá”! Ele a procurou; para ela ele telefonou; escreveu; esperou que respondesse ou que atendesse... Nada; um silêncio profundo se fez e, logo ele voltou ao seu habitual mundo vazio e solitário, mundo no qual sempre habitou e, por poucas vezes dele saiu.

No entanto, a lembrança daquela noite chuvosa de sábado, teimava em não se deixar apagar, a despeito de alguns esforços feitos neste sentido, uma vez que a “esperança” de um “novo amanhecer”, acabara por se desvanecer, ainda na madrugada do domingo, quando o sono quase não veio, tanto quanto não vieram as respostas que ele buscara. Os seus cabelos encaracolados; o formato do seu queixo; a maciez das suas mãos, teimaram em não lhe sair das pontas dos dedos, mesmo não mais tendo voltado a tocar neles. Parecera que houvera horas e horas de toques, como se a superfície do tocado se tivesse transformado em profundidades que as mãos que se entrelaçaram construíram e fizeram fortes aqueles vestígios tão frágeis, como se tivessem passado anos a elaborar e reelaborar aqueles sinais táteis no profundo do ser que a tocara...

Como se tem feito em outras rememorações, aqui se quer deixar marcada a música que permeou a memória deste escrevedor, no momento em que se conversava a respeito do encontro e enquanto o esperava, ansiosamente. Foram muitas as músicas trocadas entre eles, nos dias que antecederam à efeméride aqui brevemente trazida da memória. Entre elas, certamente, a interpretação de José Augusto – “Por Eu ter Me Machucado” -, expressa melhor o momento emocional que ele vivia e a expectativa que criara em torno do encontro. E, como o leitor pôde perceber no desfecho do arrazoado, acabou por ser uma espécie de “prévia” alusão aos desdobramentos posteriores.

 

https://youtu.be/4C1TkY9W0ds

 

José Jorge Andrade Damasceno

historiadorbaiano@gmail.com

 

25 de maio de 2023.

  

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