Memórias de maio – mãos que se enlaçaram
Pleno de reminiscências, maio tem sido pródigo em evocar um
bom número delas. Já se escreveu sobre algumas; outras ainda aguardam a sua vez.
Talvez, tais reminiscências aflorem pelo fato de ser um mês outonal, momento em
que o inverno se aproxima e, o clima ameno, desperta memórias que se fazem recônditas
no fundo da alma, como se quisesse indicar o aprofundamento da solidão, marca
indelével deste escrevedor, avultada por sua escassa sociabilidade, aprofundada
pelo inverno frio e chuvoso que se avizinha. Nele o tempo parece se arrastar
ainda mais lentamente; o corpo sente mais intensamente a falta de calor.
Corria o ano da graça de 2013 e, chovia torrencialmente em
Aracaju, como se aquele fosse um “Toró de lágrimas”, que, depois de amainar e
se tornar “água corrente”, acabaria por molhar não apenas a superfície; mas,
evidentemente que então não se sabia, acabaria por molhar caprichosamente uma
plantinha, ainda recém germinada no coração, que mais tarde, se desenvolveria e
se tornaria árvore.
A despeito do temporal que caía intermitente e impassível, eles
saíram de diferentes e distantes espaços e dirigiram-se ao Riomar, para enfim,
terem um encontro pessoal, real, concreto e palpável, no mundo real das pessoas
e das coisas. Fora o momento mágico em que as suas vozes foram ouvidas
mutuamente, sem a intermediação de equipamentos eletrônicos, sínteses de voz,
leitores de tela... Sim: eles ali estavam, frente a frente; lado a lado; como até
então, não puderam estar.
Na memória, ficou o momento da apresentação; o sorriso que
aflorou naquele rosto que a tristeza teimava em moldar com a dureza e a
circunspecção do tempo de asperezas e labores permanentes...Levados a um local
onde pudessem conversar, ali se deixaram ficar, talvez, para se poderem
certificar que de fato estavam ali, um juntinho do outro, separados por uma
mesa onde repousavam duas latas de refrigerante, que aliás, custaram a ser
esvaziadas...; ela, com suas mãozinhas ágeis, delicadas e irrequietas, logo
quebrou o gelo do toque, do contato tátil, da construção cerebral dos elementos
constitutivos daqueles seres reais que se encontravam ali, quase falando pelo
silêncio; ele, tímido por natureza e intimidado pela graciosa presença daquela
flor tão perfumada quanto meiga e doce; aspirava as suas palavras como se as precisasse
reter, ou pudesse reservar para não sucumbir ao tempo que demoraria para outra
vez as poder ouvir, tão perto como as ouvia naquele momento de grande enlevo e
encantamento.
Mas, como já dizia um cantor da “jovem guarda”: “... tudo que
é bom dura pouco”, o tempo passara veloz e, chegara a hora do encantado e da
encantadora serem outra vez separados. Separados, imaginava ele, para se
voltarem a encontrar no dia seguinte e, assim, pensava, ele falaria destemidamente
tudo que quisera, que precisava e que desejara falar para ela; tudo que
imaginara e, até ensaiara dizer para ela, sem freios, medos, acanhamentos,
reservas... sobre o que sentia por ela; como se encantara pelo seu jeitinho de “fada”;
como fala o poeta às suas “escolhidas” para o seu amor...
Mas “quá”! Ele a procurou; para ela ele telefonou; escreveu;
esperou que respondesse ou que atendesse... Nada; um silêncio profundo se fez
e, logo ele voltou ao seu habitual mundo vazio e solitário, mundo no qual
sempre habitou e, por poucas vezes dele saiu.
No entanto, a lembrança daquela noite chuvosa de sábado,
teimava em não se deixar apagar, a despeito de alguns esforços feitos neste
sentido, uma vez que a “esperança” de um “novo amanhecer”, acabara por se
desvanecer, ainda na madrugada do domingo, quando o sono quase não veio, tanto
quanto não vieram as respostas que ele buscara. Os seus cabelos encaracolados;
o formato do seu queixo; a maciez das suas mãos, teimaram em não lhe sair das
pontas dos dedos, mesmo não mais tendo voltado a tocar neles. Parecera que
houvera horas e horas de toques, como se a superfície do tocado se tivesse
transformado em profundidades que as mãos que se entrelaçaram construíram e
fizeram fortes aqueles vestígios tão frágeis, como se tivessem passado anos a
elaborar e reelaborar aqueles sinais táteis no profundo do ser que a tocara...
Como se tem feito em outras rememorações, aqui se quer
deixar marcada a música que permeou a memória deste escrevedor, no momento em que
se conversava a respeito do encontro e enquanto o esperava, ansiosamente. Foram
muitas as músicas trocadas entre eles, nos dias que antecederam à efeméride
aqui brevemente trazida da memória. Entre elas, certamente, a interpretação de José
Augusto – “Por Eu ter Me Machucado” -, expressa melhor o momento emocional que ele
vivia e a expectativa que criara em torno do encontro. E, como o leitor pôde
perceber no desfecho do arrazoado, acabou por ser uma espécie de “prévia”
alusão aos desdobramentos posteriores.
José Jorge Andrade Damasceno
25 de maio de 2023.
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