domingo, 24 de dezembro de 2023

Idos de Dezembro de 2004

Histórias e Memórias do último Dezembro que Mãe e filho Passaram Juntos Era dezembro de 2004 e, as coisas corriam com alguma normalidade, quando se trata de pessoas que não nutriam grandes expectativas natalinas, nem vãs esperanças de um novo ano, como propalavam os reclames comerciais do período. A rua ainda gozava de um relativo sossego e o abuso das músicas em alto volume, ainda não era um problema de respeito aos vizinhos. Embora sempre houvesse quem gostasse de tocar músicas em volumes extremos, isto ocorria em algumas ocasiões, sobretudo, no Natal e Ano Novo, ainda assim, poucos eram os sons tocados em carros, o que tornava um pouco mais suportável. Por volta dos meados do mês, este escrevedor acabara de chegar do Rio de Janeiro, trazendo na bagagem a aprovação par o ingresso do programa de Pós-Graduação da UFF, na turma de doutorado para o ano de 2005, aprovação que coroara de êxito os esforço envidados por este escrevedor, desde o ano de 2000, vendo adiar-se ano a ano, temendo o avanço da idade e a possibilidade nada improvável de lograr inserir-se naquele curso tão bem avaliado. Embora sua mãe pouco ou nada entendesse de todo aquele processo, de todo aquele ir e vir de seleção em seleção, se regozijara deveras com o resultado do filho; este, evidentemente, se regozijara bem mais do regozijo dela, do que do seu resultado, talvez, por ter consciência do que aquela aprovação representava para o curso do seu caminhar acadêmico, bem como da responsabilidade que assumira para si, tanto diante da universidade que o receberia, quanto daquela que o liberaria para realizar a pesquisa e defender a tese, sem os labores docentes em sala de aula. A bem da verdade, já estava no seu horizonte, o que precisaria providenciar para uma ausência de um semestre, pretendendo que aquele período de estada no Rio, não sobrecarregasse aquela senhora prestes a completar setenta anos, pois, sob os seus cuidados, ficariam as tarefas que eles sempre desempenharam juntos, um dividindo com o outro, o peso do farfalhar cotidiano. Isto, já o preocupava sobremaneira. Como já era um hábito, desde que voltou a morar em Alagoinhas, a então consorte era levada com as crianças para Salvador, a fim de passarem com a avó e tios, as festividades de fim de ano, já que, aqui, ele e sua mãe, nunca se importaram com tais festejos, ele por não entender haver qualquer sentido neles; ela por ter tido uma vida de perdas e com os seus parcos recursos financeiros, não pudera ou sequer fizera questão de comemorar tais veleidades comerciais. Logo, mãe e filho ficariam sós em casa, por ocasião dos feriados de final de ano. Com a casa assim esvaziada, mãe e filho se puseram a imaginar o que poderiam elaborar para aquele almoço em que só eles estariam à mesa – sem que ele pudesse nem de longe suspeitar, embora sempre temesse esta hipótese -, que aquele seria o último que passariam juntos aqui na vida terreal. Não eram exigentes; mas ela sabia fazer algumas coisas muitíssimo saborosas. Na sexta-feira, 24, como de costume, saíram por volta das oito da manhã para fazer a feira, onde comprariam o costumeiro feijão mulatinho, a indispensável farinha, algumas frutas e verduras, mangaba para o suco, ovos – que ela sempre comprava nas mãos de uma antiga vizinha -, bem como a galinha de postura, abatida na hora, que ambos, muito apreciavam; depois, entrariam no supermercado, onde comprariam o restante dos produtos e temperos para o preparo dos alimentos; além de café, açúcar, arroz, leite... enfim, o necessário para passar a semana, para além das festividades da ocasião. De volta ao espaço de residência, foi preparado e servido o almoço: talvez tenha sido um fígado, ou mesmo um peixe, que ela temperava com todo o seu esmero de q mãe solícita e cuidadosa. Veio a tarde e, com ela a solidão daqueles dois que não eram movidos por qualquer interesse natalino do modo como era apregoado, comemorado e, até mesmo, pregado pelas Igrejas protestantes, que aliás, embora tenha se separado da Igreja romana por divergências de interpretação das escrituras, não se desvencilhou de suas práticas dogmáticas e tradicionais de natais e coisas que tais; viria mais uma noite sem “Missa do Galo” na Matriz; ou sem “cantata de Natal” na primeira Igreja Batista, ou na Igreja Batista Belém; sem árvores artificiais; sem pisca-piscas; sem quaisquer enfeites nas paredes ou pendentes dos teto; sem quimeras “pais noéis”, nem mesmo para iludir as crianças; sem roupas nem sapatos novos para ostentar; nem presentes – só ausentes: os meninos! -; sem “reunião de família”, inútil e desnecessária, visto que durante todo o ano o que prevalece é a “desunião”; enfim: uma noite como as demais do ano; aliás, diferente, pois em casa eram só os dois – mãe e filho - que se encontravam presentes -; sem músicas alusivas a data – aliás, todas insossas, insípidas, inodoras, sem sentido, desgastadas e, porque não dizer: ineficazes! Portanto, felizmente, passara aquela noite desprovida de qualquer valia prática para a fé de quem quer que creia, pois, o “Natal” além de uma ser uma tradição europeia/ibérica sem o menor valor histórico e cultural para grande parte da população hispano/luso falante, também é um festejo de exclusão social, mediada pela fragilíssima condição econômica daqueles que são desprovidos dos recursos financeiros exigidos para que possa tomar parte dele. Também é cediço que o tal festejo natalino é lastreado no engano – cujo maior exemplo é o já insustentável mito do “Papai Noel”. Deve se salientar, outrossim, que o tal de “Natal”, traz ampla possiblidade da prática aberta e despudorada da mais estúpida hipocrisia. Mas, ela – a noite de 24 - passou e, veio o dia. O que seria pior: a noite de 24, ou todo o dia de 25? A resposta vai depender de quem responde: ou aquele que recebeu todo que pedira – porque, fique claro, havia que pudesse dar – ou daquele que nada recebera – igualmente, pelo motivo contrário: não teve que pudesse dar. E, veio o dia e, com ele, a hora do almoço. Um feijão caprichosamente temperado; uma porção de arroz com passas, temperado com o mesmo capricho e grande esmero; coxa e sobre coxa de uma galinha de postura, assada no forno; salada de verdura; farofa de cenoura: e dois pratos na mesa; apenas duas pessoas assentadas diante deles. Só ela e o seu filho, almoçaram naquele dia 25 de dezembro de 2004. No ano seguinte, só ele estivera àquela mesa, pois ela partira deste mundo, pouco menos de dois meses antes. Ele, até tentara repetir o prato: mas não logrou êxito; as abundantes lágrimas de saudade e de desalento, lhe fizeram companhia àquela cabeceira da mesa em que estivera na companhia dela, apenas um ano antes. Alagoinhas, 24 de dezembro de 2023 – dezenove anos depois dos fatos aqui rapidamente narrados. José Jorge Andrade Damasceno