Brasilino Viegas, março de 1969
Para José Mário, os dias, semanas e meses que precederam o cumprimento do
que lhe fora prometido pela Delegada escolar de Alagoinhas, foram longos e cheios
de grande ansiedade, uma vez que, a visita da referida autoridade occorrera por
volta do mês de outubro de 1968 e, o ano escolar teria seu início somente no
mês de março próximo.
Passado o torpor produzido pelo inesperado da notícia trazida pela
autoridade máxima da educação municipal, o menino e sua mãe, passaram a viver,
em diferentes dimensões, a expectativa do que estaria por vir e por se fazer,
no sentido detornar concreta e palpável,
aquilo que, naquele momento, ainda era uma possibilidade distante, para
não dizer, inalcançável.
A primeira dificuldade que se apresentava, estava diretamente relacionada
às condições econômicas e sociais daquela senhora. Era ela o arrimo de sua
casa; era com o seu árduo trabalho de lavadeira de ganho,que propiciava o
alimento, o vestuário e o abrigo aos seus três filhos. Como então agregar mais
este custo aos seus já sofríveis ganhos, representado pela necessidade de
uniformizar adequadamente o filho que “paro ano” iria para a escola?
A segundadificuldade que fervilhava no “juízo” de D. Arminda, dizia
respeito ao deslocamento do local em que residiam, até a escola onde o novo
estudante seria inserido. O lugar onde moravam era distante da escola e, o
menino não iria só, pois não enxergava,o que implicava em uma segunda pessoa
que o levasse até o local onde estudaria e o trouxesse para casa. Para tanto, fazia-se
necessárioo, a utilização de transporte, o que demandava recursos financeiros,
para fazer frente a mais este gasto adicional.
De onde tirar os recursos para fazer frente a esta demanda que,
diferentemente da primeira, seria diária e constante? Esta era a mais difícil
das perguntas cotidianamente feitas por D. Arminda e de mais difícil e
complicada resposta.
O forneceimento de um “passe
livre” ao acompanhante do menino, foi a solução encontrada para tal questão.
Mas ela não foi imediata, tranqüila ou definitiva, visto ter enfrentado tenaz
resistências dos proprietários das Kombes que faziam o transporte coletivo
naquela área da cidade. Eles entendiam que o tal “passe” era do menino e não do
seu acompanhante, que deveria pagar a passagem. Por este motivo, o menino
estudante, pouco compreendendo o que se passava a sua volta, presenciou algumas
altercações ásperas, entre cobradores, proprietários e acompanhantes, em torno
da diferença de compreensão do “espírito” do
“passe livre”. Tão freqüentes os embates e, tanto se fizeram reiteradas
as discussões, havendo mesmo sido objeto de mensões em algum periódico de
circulação na época.
A terceira dificuldade - esta já dizia respeito ao menino -, consistia na
ansiedade que nutria, diante do tempo que teimava em manter o seu ritmo, obrigando
José Mário a aguardar o rolar dos dias, semanas e meses, sem que nada pudesse
fazer para acelerar aquela marcha,que a ele parecia, exasperadoramente lenta!
Dali há pouco chegara o Natal, que de novo só lhe trouxera a certeza da
proximidade de outro ano; aliás, Natal, este ser estranho, que promete as
felicidades embrulhadas nos presentes, que no entanto se fazem ausentes; é para
o menino Zé Mário, um sujeito sisudo, austero e de pouca conversa; cheio de
negativas, negativas e tantas negativas; um cara que não se importa com a sua
existência,nem com a de sua mãe, irmãos.. O dito Natal chegava, apenas como uma
data, visto nada lhe trazer, a não ser a certeza de que dependeria dos
“caridosos” que viessem a exercer o papel teatral do lendário e distante “Papai
Noel”... Sim, chegava o Natal, mas apenas o dia do calendário... Este, somente
este, era perceptível pelo garoto, que ansiava mesmo era pela chegada do dia em
que, finalmente, seria levado para a escola.
Apesar de não parecer, o sdias passavam; corria o verão de 1969 e, se
aproximava o momento que o garoto Zé Mário tanto aguardava. Os galos, de longe
ou de perto, quebravam o silêncio da madrugada, indicando aproximar-se mais um
amanhecer. Os passarinhos, pouco a pouco, enchiam os ares com seus cantares
multi-melódicos, dando traços definitivos ao alvorecer cootidiano da cidade. As
cigarras buzinavam nas abundantes e frondosas árvores da região; as manhãs
frescas e perfumadas preguiçosamente avançavam, à mendida em que os raios
solares se faziam mais quentes. Abundabam os cajus, asmangas e as jácas, enchendo os dias com seus aromas e
aguçando os paladares de todos quantos apreciavam aqueles frutos fartamente
coletados nos grandes quintais, enormes xácaras e nos vastos tabuleiros
alagoinhenses. Janeiro, fevereiro, março...
Sim, março era o mês outonal por excelência. Como tal, trazia novidades,
não só nas folhas caídas, nas mudanças de aromas, na gradual redução das
temperaturas e nas cigarras com o buzinar já maduro, indicando o final do seu
cículo. Era, principalmente, para Zé Mário,a efetiva chegada do “paro ano” prometido pela Delegada escolar.
Naquele março, começaria o seu primeiro ano letivo.
No dia aprazado, o menino acordou cedo, ou quiçá nem dormiu. Engoliu o
café frugal; vestiu o uniforme, em um misto de contentamento e orgulho. Tudo
era novo; tudo era agradável e, longe dele, estavam as preocupações de como
seriam arrranjadas as coisas, para o permitir freqüentar, a tão ansiosamente
esperada escola. O que a ele importava, era o fato de que aquele amanhecer de
segunda-feira, se apresentava especialmente diferente. Os cheiros lhe enchiam
os pulmões com mais suavidade e encanto; o chilrear dos pássaros nativos, se
fazia mais intenso e e suas notas lhe pareciam incomuns, produzindo deleite aos
seus ouvidos infantis.
Ouve-se da sirene da Leste, o último dos três toques, o das sete horas da
manhã. Era hora de sair; de se dirigir até o local onde embarcaria na kombe que
o levaria até o terminal. Entrar naquele veículo, ouvir as pessoas à sua volta,
inquirirem daquela novidade de ir ele para a escola..
Ah, aquele trajeto feito a pé, desde o terminal situado na rua Castro
Leal,até o prédio escolar Brasilino Viegas, observando-se um percurso de cinco quarteirões,
a travessia de seis ruas, até chegar ao
local, onde vivera todo o seu processo de formação escolar, de lá saindo apenas
para cursar a quinta série, no Centro Integrado Luís Navarro de Brito.
Grande foi sua alegria ao transpor o portão que dera acesso ao espaço que
se lhe apresentou enorme e logo despertou no espírito, um desejo quase
incontido de o perscrutar, como se quisesse se apropriar de cada um dos seus
centímetros quadrados...
E as pessoas que se lhe foram apresentadas à sua chegada: diretora, Professora
Perolina; Vices: Eufrosina e Valdete; bibliotecária Ednólia; merendeiras: Mariá
(eram duas); vigias Manoel e Djaci; algumas outras professoras como Isanor,
Jurilda, Dayse (nunca viria a saber qual era a grafia do seu nome), Dalva,
lourdes, Josefa e Rita (estas vieram mais tarde a serem suas mestres nas séries
seguintes); a zeladora, dona Rosalina... Ah, como estas pessoas ficaram
nitidamente registradas em sua lembrança e se tornaram sempre presentes na sua
memória!
Levado para a sala de aula, encontrara os professores Catarino e Vilma;
os colegas Jessé, Edinice, Luís Gonzaga e José Reis (Reizinho).. Idades
diferentes, perspectivas e objetivos diferentes, constituíam o diferencial
entre todos eles. Em comum mesmo, apenas a cegueira, que os fazia iguais nos
limites sensoriais e nos métodos de leitura e escrita que precisariam dominar,
para prosseguir o processo de construção da vida escolar.
- José Mário, este ano você está na escola!