sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

BRASILINO VIEGAS, MARÇO DE 1969


Brasilino Viegas, março de 1969

 

Para José Mário, os dias, semanas e meses que precederam o cumprimento do que lhe fora prometido pela Delegada escolar de Alagoinhas, foram longos e cheios de grande ansiedade, uma vez que, a visita da referida autoridade occorrera por volta do mês de outubro de 1968 e, o ano escolar teria seu início somente no mês de março próximo.

Passado o torpor produzido pelo inesperado da notícia trazida pela autoridade máxima da educação municipal, o menino e sua mãe, passaram a viver, em diferentes dimensões, a expectativa do que estaria por vir e por se fazer, no sentido detornar concreta e palpável,  aquilo que, naquele momento, ainda era uma possibilidade distante, para não dizer, inalcançável.

A primeira dificuldade que se apresentava, estava diretamente relacionada às condições econômicas e sociais daquela senhora. Era ela o arrimo de sua casa; era com o seu árduo trabalho de lavadeira de ganho,que propiciava o alimento, o vestuário e o abrigo aos seus três filhos. Como então agregar mais este custo aos seus já sofríveis ganhos, representado pela necessidade de uniformizar adequadamente o filho que “paro ano” iria para a escola?

A segundadificuldade que fervilhava no “juízo” de D. Arminda, dizia respeito ao deslocamento do local em que residiam, até a escola onde o novo estudante seria inserido. O lugar onde moravam era distante da escola e, o menino não iria só, pois não enxergava,o que implicava em uma segunda pessoa que o levasse até o local onde estudaria e o trouxesse para casa. Para tanto, fazia-se necessárioo, a utilização de transporte, o que demandava recursos financeiros, para fazer frente a mais este gasto adicional.

De onde tirar os recursos para fazer frente a esta demanda que, diferentemente da primeira, seria diária e constante? Esta era a mais difícil das perguntas cotidianamente feitas por D. Arminda e de mais difícil e complicada resposta.

 O forneceimento de um “passe livre” ao acompanhante do menino, foi a solução encontrada para tal questão. Mas ela não foi imediata, tranqüila ou definitiva, visto ter enfrentado tenaz resistências dos proprietários das Kombes que faziam o transporte coletivo naquela área da cidade. Eles entendiam que o tal “passe” era do menino e não do seu acompanhante, que deveria pagar a passagem. Por este motivo, o menino estudante, pouco compreendendo o que se passava a sua volta, presenciou algumas altercações ásperas, entre cobradores, proprietários e acompanhantes, em torno da diferença de compreensão do “espírito” do  “passe livre”. Tão freqüentes os embates e, tanto se fizeram reiteradas as discussões, havendo mesmo sido objeto de mensões em algum periódico de circulação na época.  

A terceira dificuldade - esta já dizia respeito ao menino -, consistia na ansiedade que nutria, diante do tempo que teimava em manter o seu ritmo, obrigando José Mário a aguardar o rolar dos dias, semanas e meses, sem que nada pudesse fazer para acelerar aquela marcha,que a ele parecia, exasperadoramente lenta!

Dali há pouco chegara o Natal, que de novo só lhe trouxera a certeza da proximidade de outro ano; aliás, Natal, este ser estranho, que promete as felicidades embrulhadas nos presentes, que no entanto se fazem ausentes; é para o menino Zé Mário, um sujeito sisudo, austero e de pouca conversa; cheio de negativas, negativas e tantas negativas; um cara que não se importa com a sua existência,nem com a de sua mãe, irmãos.. O dito Natal chegava, apenas como uma data, visto nada lhe trazer, a não ser a certeza de que dependeria dos “caridosos” que viessem a exercer o papel teatral do lendário e distante “Papai Noel”... Sim, chegava o Natal, mas apenas o dia do calendário... Este, somente este, era perceptível pelo garoto, que ansiava mesmo era pela chegada do dia em que, finalmente, seria levado para a escola.

Apesar de não parecer, o sdias passavam; corria o verão de 1969 e, se aproximava o momento que o garoto Zé Mário tanto aguardava. Os galos, de longe ou de perto, quebravam o silêncio da madrugada, indicando aproximar-se mais um amanhecer. Os passarinhos, pouco a pouco, enchiam os ares com seus cantares multi-melódicos, dando traços definitivos ao alvorecer cootidiano da cidade. As cigarras buzinavam nas abundantes e frondosas árvores da região; as manhãs frescas e perfumadas preguiçosamente avançavam, à mendida em que os raios solares se faziam mais quentes. Abundabam os cajus, asmangas e as  jácas, enchendo os dias com seus aromas e aguçando os paladares de todos quantos apreciavam aqueles frutos fartamente coletados nos grandes quintais, enormes xácaras e nos vastos tabuleiros alagoinhenses. Janeiro, fevereiro, março...

Sim, março era o mês outonal por excelência. Como tal, trazia novidades, não só nas folhas caídas, nas mudanças de aromas, na gradual redução das temperaturas e nas cigarras com o buzinar já maduro, indicando o final do seu cículo. Era, principalmente, para Zé Mário,a efetiva chegada  do “paro ano” prometido pela Delegada escolar. Naquele março, começaria o seu primeiro ano letivo.

No dia aprazado, o menino acordou cedo, ou quiçá nem dormiu. Engoliu o café frugal; vestiu o uniforme, em um misto de contentamento e orgulho. Tudo era novo; tudo era agradável e, longe dele, estavam as preocupações de como seriam arrranjadas as coisas, para o permitir freqüentar, a tão ansiosamente esperada escola. O que a ele importava, era o fato de que aquele amanhecer de segunda-feira, se apresentava especialmente diferente. Os cheiros lhe enchiam os pulmões com mais suavidade e encanto; o chilrear dos pássaros nativos, se fazia mais intenso e e suas notas lhe pareciam incomuns, produzindo deleite aos seus ouvidos infantis.

Ouve-se da sirene da Leste, o último dos três toques, o das sete horas da manhã. Era hora de sair; de se dirigir até o local onde embarcaria na kombe que o levaria até o terminal. Entrar naquele veículo, ouvir as pessoas à sua volta, inquirirem daquela novidade de ir ele para a escola..

Ah, aquele trajeto feito a pé, desde o terminal situado na rua Castro Leal,até o prédio escolar Brasilino Viegas, observando-se um percurso de cinco quarteirões, a travessia de  seis ruas, até chegar ao local, onde vivera todo o seu processo de formação escolar, de lá saindo apenas para cursar a quinta série, no Centro Integrado Luís Navarro de Brito.

Grande foi sua alegria ao transpor o portão que dera acesso ao espaço que se lhe  apresentou enorme  e logo despertou no espírito, um desejo quase incontido de o perscrutar, como se quisesse se apropriar de cada um dos seus centímetros quadrados...

E as pessoas que se lhe foram apresentadas à sua chegada: diretora, Professora Perolina; Vices: Eufrosina e Valdete; bibliotecária Ednólia; merendeiras: Mariá (eram duas); vigias Manoel e Djaci; algumas outras professoras como Isanor, Jurilda, Dayse (nunca viria a saber qual era a grafia do seu nome), Dalva, lourdes, Josefa e Rita (estas vieram mais tarde a serem suas mestres nas séries seguintes); a zeladora, dona Rosalina... Ah, como estas pessoas ficaram nitidamente registradas em sua lembrança e se tornaram sempre presentes na sua memória!

Levado para a sala de aula, encontrara os professores Catarino e Vilma; os colegas Jessé, Edinice, Luís Gonzaga e José Reis (Reizinho).. Idades diferentes, perspectivas e objetivos diferentes, constituíam o diferencial entre todos eles. Em comum mesmo, apenas a cegueira, que os fazia iguais nos limites sensoriais e nos métodos de leitura e escrita que precisariam dominar, para prosseguir o processo de construção da vida escolar.

- José Mário, este ano você está na escola!

BRASILINO VIEGAS, MARÇO DE 1969


Brasilino Viegas, março de 1969

 

Para José Mário, os dias, semanas e meses que precederam o cumprimento do que lhe fora prometido pela Delegada escolar de Alagoinhas, foram longos e cheios de grande ansiedade, uma vez que, a visita da referida autoridade occorrera por volta do mês de outubro de 1968 e, o ano escolar teria seu início somente no mês de março próximo.

Passado o torpor produzido pelo inesperado da notícia trazida pela autoridade máxima da educação municipal, o menino e sua mãe, passaram a viver, em diferentes dimensões, a expectativa do que estaria por vir e por se fazer, no sentido detornar concreta e palpável,  aquilo que, naquele momento, ainda era uma possibilidade distante, para não dizer, inalcançável.

A primeira dificuldade que se apresentava, estava diretamente relacionada às condições econômicas e sociais daquela senhora. Era ela o arrimo de sua casa; era com o seu árduo trabalho de lavadeira de ganho,que propiciava o alimento, o vestuário e o abrigo aos seus três filhos. Como então agregar mais este custo aos seus já sofríveis ganhos, representado pela necessidade de uniformizar adequadamente o filho que “paro ano” iria para a escola?

A segundadificuldade que fervilhava no “juízo” de D. Arminda, dizia respeito ao deslocamento do local em que residiam, até a escola onde o novo estudante seria inserido. O lugar onde moravam era distante da escola e, o menino não iria só, pois não enxergava,o que implicava em uma segunda pessoa que o levasse até o local onde estudaria e o trouxesse para casa. Para tanto, fazia-se necessárioo, a utilização de transporte, o que demandava recursos financeiros, para fazer frente a mais este gasto adicional.

De onde tirar os recursos para fazer frente a esta demanda que, diferentemente da primeira, seria diária e constante? Esta era a mais difícil das perguntas cotidianamente feitas por D. Arminda e de mais difícil e complicada resposta.

 O forneceimento de um “passe livre” ao acompanhante do menino, foi a solução encontrada para tal questão. Mas ela não foi imediata, tranqüila ou definitiva, visto ter enfrentado tenaz resistências dos proprietários das Kombes que faziam o transporte coletivo naquela área da cidade. Eles entendiam que o tal “passe” era do menino e não do seu acompanhante, que deveria pagar a passagem. Por este motivo, o menino estudante, pouco compreendendo o que se passava a sua volta, presenciou algumas altercações ásperas, entre cobradores, proprietários e acompanhantes, em torno da diferença de compreensão do “espírito” do  “passe livre”. Tão freqüentes os embates e, tanto se fizeram reiteradas as discussões, havendo mesmo sido objeto de mensões em algum periódico de circulação na época.  

A terceira dificuldade - esta já dizia respeito ao menino -, consistia na ansiedade que nutria, diante do tempo que teimava em manter o seu ritmo, obrigando José Mário a aguardar o rolar dos dias, semanas e meses, sem que nada pudesse fazer para acelerar aquela marcha,que a ele parecia, exasperadoramente lenta!

Dali há pouco chegara o Natal, que de novo só lhe trouxera a certeza da proximidade de outro ano; aliás, Natal, este ser estranho, que promete as felicidades embrulhadas nos presentes, que no entanto se fazem ausentes; é para o menino Zé Mário, um sujeito sisudo, austero e de pouca conversa; cheio de negativas, negativas e tantas negativas; um cara que não se importa com a sua existência,nem com a de sua mãe, irmãos.. O dito Natal chegava, apenas como uma data, visto nada lhe trazer, a não ser a certeza de que dependeria dos “caridosos” que viessem a exercer o papel teatral do lendário e distante “Papai Noel”... Sim, chegava o Natal, mas apenas o dia do calendário... Este, somente este, era perceptível pelo garoto, que ansiava mesmo era pela chegada do dia em que, finalmente, seria levado para a escola.

Apesar de não parecer, o sdias passavam; corria o verão de 1969 e, se aproximava o momento que o garoto Zé Mário tanto aguardava. Os galos, de longe ou de perto, quebravam o silêncio da madrugada, indicando aproximar-se mais um amanhecer. Os passarinhos, pouco a pouco, enchiam os ares com seus cantares multi-melódicos, dando traços definitivos ao alvorecer cootidiano da cidade. As cigarras buzinavam nas abundantes e frondosas árvores da região; as manhãs frescas e perfumadas preguiçosamente avançavam, à mendida em que os raios solares se faziam mais quentes. Abundabam os cajus, asmangas e as  jácas, enchendo os dias com seus aromas e aguçando os paladares de todos quantos apreciavam aqueles frutos fartamente coletados nos grandes quintais, enormes xácaras e nos vastos tabuleiros alagoinhenses. Janeiro, fevereiro, março...

Sim, março era o mês outonal por excelência. Como tal, trazia novidades, não só nas folhas caídas, nas mudanças de aromas, na gradual redução das temperaturas e nas cigarras com o buzinar já maduro, indicando o final do seu cículo. Era, principalmente, para Zé Mário,a efetiva chegada  do “paro ano” prometido pela Delegada escolar. Naquele março, começaria o seu primeiro ano letivo.

No dia aprazado, o menino acordou cedo, ou quiçá nem dormiu. Engoliu o café frugal; vestiu o uniforme, em um misto de contentamento e orgulho. Tudo era novo; tudo era agradável e, longe dele, estavam as preocupações de como seriam arrranjadas as coisas, para o permitir freqüentar, a tão ansiosamente esperada escola. O que a ele importava, era o fato de que aquele amanhecer de segunda-feira, se apresentava especialmente diferente. Os cheiros lhe enchiam os pulmões com mais suavidade e encanto; o chilrear dos pássaros nativos, se fazia mais intenso e e suas notas lhe pareciam incomuns, produzindo deleite aos seus ouvidos infantis.

Ouve-se da sirene da Leste, o último dos três toques, o das sete horas da manhã. Era hora de sair; de se dirigir até o local onde embarcaria na kombe que o levaria até o terminal. Entrar naquele veículo, ouvir as pessoas à sua volta, inquirirem daquela novidade de ir ele para a escola..

Ah, aquele trajeto feito a pé, desde o terminal situado na rua Castro Leal,até o prédio escolar Brasilino Viegas, observando-se um percurso de cinco quarteirões, a travessia de  seis ruas, até chegar ao local, onde vivera todo o seu processo de formação escolar, de lá saindo apenas para cursar a quinta série, no Centro Integrado Luís Navarro de Brito.

Grande foi sua alegria ao transpor o portão que dera acesso ao espaço que se lhe  apresentou enorme  e logo despertou no espírito, um desejo quase incontido de o perscrutar, como se quisesse se apropriar de cada um dos seus centímetros quadrados...

E as pessoas que se lhe foram apresentadas à sua chegada: diretora, Professora Perolina; Vices: Eufrosina e Valdete; bibliotecária Ednólia; merendeiras: Mariá (eram duas); vigias Manoel e Djaci; algumas outras professoras como Isanor, Jurilda, Dayse (nunca viria a saber qual era a grafia do seu nome), Dalva, lourdes, Josefa e Rita (estas vieram mais tarde a serem suas mestres nas séries seguintes); a zeladora, dona Rosalina... Ah, como estas pessoas ficaram nitidamente registradas em sua lembrança e se tornaram sempre presentes na sua memória!

Levado para a sala de aula, encontrara os professores Catarino e Vilma; os colegas Jessé, Edinice, Luís Gonzaga e José Reis (Reizinho).. Idades diferentes, perspectivas e objetivos diferentes, constituíam o diferencial entre todos eles. Em comum mesmo, apenas a cegueira, que os fazia iguais nos limites sensoriais e nos métodos de leitura e escrita que precisariam dominar, para prosseguir o processo de construção da vida escolar.

- José Mário, este ano você está na escola!