Quando a feira era do Pau e a Primeira Igreja era Batista –
1980-1981: algumas notas
I.
- Logo após a realização da feira, no seu dia
mais efervescente, chegava à tarde do sábado e o trabalho de desmonte das barracas
e de limpeza do local resultava grande. Um bom número de servidores da
prefeitura era mobilizado a partir das duas, pouco mais ou menos; também se
mobilizavam aqueles que só teriam alimentos, caso pudessem retirar as frutas,
verduras e legumes que eram descartados. Há que se imaginar quão volumoso fora
aquele material recolhido por aqueles que não os pudera comprar; quantos não
foram aqueles que só puderam alimentar/ser alimentado, mediante o trabalho de
recolhimento daqueles produtos que não puderam ser vendidos em razão do rebaixe
de qualidade?
Por outro lado e no rastro do desenvolvimento da feira em sua
realização fora dos parâmetros convencionais, uma parte de comerciantes e
fregueses se dirigia até as tabernas para a bebedeira que se faria longa,
varando a noite e a madrugada, algumas vezes entrando pelo domingo. As casas de
“facilidades” também contribuíam com a sua parte naquele espaço de
sociabilidade, proporcionando aos frequentadores, os momentos de desaceleração
das tensões vividas no mourejar entre mercadores e mercadorias, entre compras e
vendas de produtos, apurando as entradas e as saídas, contando os resultados...
As tardes, noites e madrugadas eram intensamente desfrutadas em danças, cantos,
bebedeiras, brigas, intrigas, refregas... o que permitia a circulação de outras
mercadorias que não aquelas destinadas ao consumo das casas.
II.
- Nas manhãs de domingo, o espaço ocupado por
uma parte da feira, era transitado pelos crentes que se dirigiam à sua Igreja,
para lá tomar parte das atividades relacionadas ao culto: escola bíblica
dominical; cantos e declamações; o sermão dominical, regularmente proferido
pelo seu pastor, momento áureo daquelas celebrações. E, os cheiros da feira
passada, ainda se podia sentir, nas frescas manhãs em que este escrevedor se
dirigia àquele espaço de culto. Mesmo tendo sido lavada na tarde anterior, a
feira mantinha quase intacto o seu cheiro característico de vegetais
abandonados ao processo de putrefação, mas ainda não tendo chegado àquele estado.
Para lá convergiam os irmãos, em geral de ônibus ou a pé – os carros eram
poucos: o Dodge Polara do pastor Jamim, a variante do irmão Cassemiro, a
Brasília do pastor Jessé, eram os automóveis (talvez mais alguns poucos) -,
saídos dos mais diversos espaços de sua habitação.
III.
Aqui se poderia lembrar de alguns irmãos do Barreiro
como por exemplo o irmão Zuca –José Marcelino com o seu vozerio e gargalhar característico -e
Clementina, Durval Leite – que no meio da semana rumava para os cultos nas
residências com a sua inconfundível lâmpada - e sua esposa, irmã Ana Leite; Ana Pereira e seus filhos Pedro e
Luciano; Cassemiro e Isauri com as filhas Zuleide e Zulene; Maria da Paz e
filhas; Áurea e filhas deixavam suas casas no Silva Jardim; Astrogildo e
Antônia, por sua vez, saíam da praça Santa Isabel; Dilza Augusto e sua filha
Janete Rose, saíam da Urbes I; irmã Madalena Leite – com quem este garatujador
mantinha longas e agradáveis conversas nas frescas tardes do 2 de julho -, as
irmãs Inês e a filha Analice, Miriam e alguns dos filhos, Gracinha, Dinha e
filhos, o casal Paulo e Ivone e, este escrevedor, entre muitos outros irmãos,
cuja citação nominal não é possível neste espaço, todos tomavam os ônibus que
partiam dos seus bairros e se dirigiam até o terminal, para dali igualmente se deslocar
ao local onde se reuniriam para adorar ao Deus Eterno, aprender na Escola
Bíblica Dominical e serem edificados pela mensagem matinal, encontrada no
sermão proferido pelo pastor.
IV.
- Já se vão distantes os dias em que se ouvia
hinos cantados a capela – como “junto a Jesus, a minha estrada esplende, meu
cálice se extravasa de prazer[...] Junto a Jesus o fardo faz-se leve, e o meu
dever, deleita-me e seduz[...] Se perto está,”, se tenho junto a mim, Jesus, os
meus anseios todos satisfaz; se perto estás, me inunda o coração de paz: num
paraíso estou se perto está Jesus [...] cantado pela professora Maria Rita
Borges (https://youtu.be/lP-EKd8zaws)
-; o sereno e tranquilo diácono José Santana, também fazia o seu “solo” com voz
firme e afinada, a despeito dos longos dias já percorridos na sua existência – “[...],
eis a mensagem que ele deu; os anjos cantam lá no céu... reconciliai-vos já, é
a ordem que ele deu [...] reconciliai-vos já, com Deus” (cantor cristão) -,
além da voz bonita e forte da irmã Isauri, também presente entre os “solistas”
dos cultos daqueles já longínquos momentos aqui lembrados; ou acompanhados por
violão/guitarra sob o protagonismo do então jovem irmão Edmilson e os hinos congregacionais
acompanhados pelo velho harmônio executado pelo irmão Cassemiro e, mais tarde,
pelo novíssimo e moderno órgão elétrico, executado pelas musicistas Débora e Edileusa;
as declamações de poesias de Mirtes Martins, quase sempre na voz de Zuleide; o
conjunto “Som Celeste”, fazia harmônicas apresentações, sob a regência da irmã
Edileusa; entre tantas lembranças daqueles já distantes tempos, que ainda
assomam os sentidos.
V.
- Era naquelas tardes de fim de feira, que a
Primeira Igreja buscava semear aquilo que era parte inerente à sua razão de
ser: o Evangelho. Naquelas incursões, fazia-se o trabalho de levar o
conhecimento da “fé que salva”, para aquela gente que labutava naquele ir e vir
de dias, pessoas, mercadorias, tensões, alegrias, tristezas, buscando
constituir-se em uma alternativa àqueles que já não mais se quisessem manter vivendo
da forma que viviam, pensando da forma que pensavam, agindo da forma que agiam.
Foi assim que, em uma daquelas tardes em que feirantes e
fregueses se dispunham a voltar para as suas casas ou dirigirem-se aos espaços
de refúgio ali próximos, a Primeira Igreja, sob a liderança do seu então
pastor, promoveu um culto ao ar livre, com o fito de levar alguns dos
rudimentos do Evangelho salvífico aos ouvidos daqueles que se dispusessem a
ouvir. Vários membros daquela instituição Batista ali se reuniram: leram a
Bíblia, distribuíram folhetos, falaram diretamente aos transeuntes naquele entorno,
cantaram hinetos de fácil compreensão e memorização, bem como alguns hinos
tradicionais, talvez até já ouvidos por alguns dos assistentes daquele culto
quase improvisado. Requisitado pelo seu pastor, este escrevedor tomou parte
daquela atividade evangelística e, em tarde quase crepuscular, fez lá o que
acreditava saber fazer: cantou. Mas, na sua inexperiência juvenil, cantou um
hino que acreditava seria de grande impacto para aquela gente. No entanto, hino
grande, com letra forte, porém inacessível à compreensão de grande parte do
público que ali se acotovelara, mormente movidos pela curiosidade do inusitado acontecimento
que ali se dava. O hino cantado tinha um título bonito e convidativo, “Eterno
Lar” - https://www.youtube.com/watch?v=JuV2iKE5gKk
-, que o solista usou o seu próprio violão como acompanhamento, o que talvez
tenha trazido ainda mais dificuldade, uma vez que precisava estar atento ao
texto da letra e aos jogos de notas musicais que teria de executar
simultaneamente à interpretação vocal.
Como se disse, letra precisa, teologicamente sustentável,
mas com pouca clareza – embora dura e direta – para os que nunca houvera tido
contato com aquele tipo de prédica. Não é possível saber se daquele evento
houve algum fruto imediato ou mediato. No entanto, o trabalho foi feito e a
semente foi lançada, conforme o propósito do evento.
Professor Jorge Damasceno
Sábias palavras professor Jorge, infelizmente hoje não se vê mais isso, antigamente os pastores iam atrás das ovelhas junto com alguns irmãos, tudo era diferente, como dito no texto as pessoas tinham mais amor, saiam dos bairros distantes para adorar, isso tem diferença, adorar, hoje vão lá para dizer e que foi , cantam e volta
ResponderExcluirNão existe mais adoração.