Assim, aqueles textos que foram publicados em forma de séries serão aqui agrupados em blocos, sendo publicados individualmente, aqueles que o foram de forma avulsa.
Desta maneira, de agora em diante, farei um grande esforço para revisar, corrigir e publicar todos os textos escritos para a coluna "Histórias e memórias" que foram ao ar durante vários domingos do período mencionado.
Observações e críticas, favor escrever para historiadorbaiano@gmail.com
A todos eu desejo uma boa leitura.
De volta ao Século XIX: a vila de Alagoinhas quase saiu da
trilha dos trilhos.
A Alagoinhas que emerge a partir da segunda metade do século
XIX, se caracteriza por ter sido uma povoação que cresceu e se desenvolveu a
partir de eventos externos, uma vez que a estrada de ferro que provocou a
mudança do núcleo de sua ocupação inicial para cerca de três km de onde se
encontrava instalado, fora forjada fora dos seus limites espaciais, forçando
suas elites dirigentes a adaptar o seu traçado urbano aos desígnios do traçado
ferroviário, fazendo com que a população fosse deslocada, bem como as suas
insipientes estruturas sócio-políticas, (re)instalando-as no novo espaço, como
que demarcado pelas atividades demandadas pela estrada de ferro que ligaria
Salvador às margens do Rio São Francisco.
Plantada sobre uma pequena elevação, a vila começa a
estender seu casario rústico e esparso no sentido norte/nordeste de seu vasto
tabuleiro de luxuriosa vegetação e rico em areia e barro, que lhe servirá como
material básico para as edificações.
Como boa parte das
urbes coloniais, invariavelmente tinha como eixo central do povoamento, um
quadrilátero formado por uma Igreja Católica, uma edificaçãoo onde se instalavam a Câmara municipal e a cadeia, o mercado ou
galpão da feira e as casas dos cidadãos mais abastados, tendo no centro uma
pequena praça, que servia como local de aglutinação dos moradores, com o
objetivo de prover-lhes dos serviços e dos folguedos religiosos, momentos nos
quais eram forjadas a identidade e a idéia de pertencimento. Um pouco mais
adiante, complementando o cenário das aglomerações proto-urbanas daqueles
tempos, encontrava-se o cemitério dos pobres e/ou indigentes, visto os clérigos
e homens importantes, ainda serem sepultados nas Igrejas.
Até a implantação da estrada de Ferro Bahia&São
Francisco, o Arraial de Santo Antônio das Alagoinhas tinha mais ou menos a
configuração acima descrita, conforme os memorialistas anotaram nos seus
trabalhos de construção da história da cidade, a partir de material por eles
recolhido. Portanto, era uma localidade que tendia a ter um desenvolvimento
lento e uma ocupação espacial bem rarefeita, como se deu na maior parte das
localidades suas congêneres.
No entanto, já pelos meados da década de 1850, as lideranças
políticas e econômicas locais, passaram a se movimentar, no sentido de trazer
para próximo de suas áreas de influência , o empreendimento ferroviário que
começava a se esboçar na cidade da Bahia, cujo objetivo era ligar o litoral da
antiga Capital colonial, à vizinha província de Pernambuco.
Teria chegado ao conhecimento das autoridades municipais,
informações que dariam conta de alterações no traçado inicial da estrada, que
tiraria Alagoinhas dos planos de seus construtores. O empenho da liderança
alagoinhense, se deu no sentido de fazer com que o traçado inicial daquela
estrada fosse retomado, com o fito de Alagoinhas voltar a ser incluída como um
dos lugares por onde a ferrovia viesse a passar, visto que, conforme aponta
Keite Lima, parecia que foram introduzidas modificações nos primeiros esboços
do empreendimento, que indicavam uma região então pertencente a Santo amaro,
como local designado para a construção ferroviária.
Neste sentido, os vereadores da Vila de Alagoinhas,
produziram um documento para a presidência da Província, se posicionando nos
seguintes termos:
“Contestando o plano de passar a estrada de ferro
desta vila, como antes
tinha deliberado pelo recôncavo de Santo Amaro, reprovamos tal mudança de planos. Não podemos deixar de expor nossa opinião a esse respeito apresentando as grandes utilidades públicas, que resultarão do interior da
província, passando esta estrada por essa vila [...] Será enfim muito mais
conveniente ao bem público à passagem da estrada por estes lugares que pelo recôncavo que, sendo quase perto do mar é inacessível em tempos de chuvas. Nós apresentamos essas idéias avulsas à consideração de V. xª,
para transmitir a companhia dignando-se V Exª pelo melhoramento dos que, habitam tão distante da capital e dos portos marítimos”.
tinha deliberado pelo recôncavo de Santo Amaro, reprovamos tal mudança de planos. Não podemos deixar de expor nossa opinião a esse respeito apresentando as grandes utilidades públicas, que resultarão do interior da
província, passando esta estrada por essa vila [...] Será enfim muito mais
conveniente ao bem público à passagem da estrada por estes lugares que pelo recôncavo que, sendo quase perto do mar é inacessível em tempos de chuvas. Nós apresentamos essas idéias avulsas à consideração de V. xª,
para transmitir a companhia dignando-se V Exª pelo melhoramento dos que, habitam tão distante da capital e dos portos marítimos”.
Em gestação desde os meados da década de 1840, a idéia de
uma ferrovia para escoar a produção agropecuária da região por onde passariam
os seus trilhos, torna-se concreta no início dos anos 1850, com o decreto
provincial que dá autorização para a captação de recursos que viabilizassem a
sua construção, já produzindo os primeiros embates entre aqueles que a ela se opunham, por julgar
pouco lucrativas e, aqueles que a defendiam, por entender que traria desenvolvimento
àquela região na qual seria implantada. De igual modo, a estrada cuja
viabilidade econômica e a construção ainda se encontrava em efervescente
debate, também trouxe alguma dissensão entre as localidades que a desejava ver
passar nos seus limites territoriais, entendendo com isto, ter uma maior
valorização de suas terras.
Foi com este espírito combativo, que a Câmara de Alagoinhas
se manifestou no documento acima transcrito. Não só indicava sua insatisfação
pela possibilidade de ver frustrada a esperança de passar pelas terras desta vila,
a tão desejada estrada de ferro, como salienta os inconvenientes de sua
implantação se dar em outro local que não o que fora inicialmente indicado, nos
projetos, dos quais, ao que tudo indica já se tinha conhecimento.
Publicado em 09 de
agosto de 2013
De volta ao século XIX – Alagoinhas na trilha dos trilhos
Como já disse neste espaço, Alagoinhas é uma cidade que tem
como uma de suas principais características, o fato de ter seus avanços e/ou
recuos, diretamente relacionados a eventos políticos e econômicos, cujas
iniciativas não dependem de fatos ou fatores que estejam sob o controle de suas
forças sociais e em consonância com suas potencialidades econômicas. Via de
regra, aqui, ali ou alhures, suas lideranças políticas são empurradas pelos eventos
externos para a corrente da história, como as areias e os detritos são
arrastados pelas enxurradas, resultantes de chuvas torrenciais.
Assim, foi em 1856 que, ao ser feito o lançamento oficial da
construção da ferrovia Bahia&São Francisco e, no início efetivo das obras
em 1858, é que ficou definido, que a
vila de Alagoinhas seria confirmada como aquela que receberia os trilhos que
comporiam os primeiros 123,13km da estrada que ligaria o porto da capital da
Bahia a Juazeiro, às margens do Rio São Francisco.
Embora não se possa
dizer qual o impacto do documento enviado pela Câmara da Vila ao governo
provincial, cujo teor, duro e incisivo, foi reproduzido em postagem anterior.
No entanto, é possível inferir que as
ponderações ali contidas, podem ter sido tomadas em consideração, por aqueles
que detinham o poder de decidir qual seria a trilha sobre a qual seriam
assentados os trilhos, a partir dos quais o “progresso” e o desenvolvimento
percorreriam o sertão baiano.
O referido documento apresenta o receio da liderança local,
que temia perder a oportunidade de alavancar seus negócios, na medida em que a
possibilidade de ser um dos pontos de passagem da ferrovia, seria de grande
importância econômica, social e política. Tendo aquele meio de transporte como forma
mais barata e rápida para fazer escoar suas mercadorias e, ao mesmo tempo, lhes
propiciar acesso aos bens e serviços, a liderança local seria a maior
prejudicada, caso fosse aquela expectativa frustrada.
A tal propósito, observe-se que, entre os argumentos
apresentados pelos líderes alagoinhenses para se posicionarem contrários à
especulada mudança do traçado inicial da ferrovia, estão na mesma ordem: a
viabilidade e a inviabilidade daquela estrada passar por outro lugar que não
Alagoinhas. Veja-se como se expressamos Edis de então: “Não podemos deixar de
expor nossa opinião a esse respeito apresentando as grandes utilidades
públicas, que resultarão do interior da
província, passando esta estrada por essa vila [...] Será enfim muito mais
conveniente ao bem público à passagem da estrada por estes lugares que pelo recôncavo que, sendo quase perto do mar é inacessível em tempos de chuvas”.
província, passando esta estrada por essa vila [...] Será enfim muito mais
conveniente ao bem público à passagem da estrada por estes lugares que pelo recôncavo que, sendo quase perto do mar é inacessível em tempos de chuvas”.
É também possível inferir-se que, ao sentirem a iminência de
perder para outra vila, a ainda planejada estrada que ligaria o Mar ao sertão,
a liderança local, ao elaborar o mencionado documento, procurava dar a si
mesma, a chance de passar para a “história”, como tendo sido aquela que
trouxera o desenvolvimento econômico, a modernização urbana e o fortalecimento
político da Vila, com o fito de ser lembrada, estabelecendo assim um lugar de
memória, a partir do qual pudessem dar a conhecer às gerações futuras, a sua
capacidade de perceber o momento de tomar em suas mãos, os “destinos” da cidade
que nasceria a partir da efetivação da cobiçada estrada de ferro.
Vista como o símbolo do processo de urbanização e
modernização, então em pleno curso no Brasil do Segundo Reinado, não é sem
motivos que a Ferrovia e suas estruturas concretas, bem como seus elementos
simbólicos, ainda hoje são os principais lugares de memória da cidade,
funcionando como monumentos de um tempo em que Alagoinhas fora “grande” e
pujante. As edificações das estações de passageiros e cargas; das oficinas;da
subestação elétrica; a condição de entroncamento ferroviário que ostentara por
longos anos, são elementos concretos e simbólicos, de tempos em que a cidade
fora beneficiada pelo apogeu das ferrovias brasileiras.
No momento em que elas são abandonadas e trocadas pelas
rodovias; no momento em que o transporte ferroviário perde a primazia e é
velozmente substituído pelo transporte rodoviário, tanto para levar as cargas,
quanto para deslocar pessoas; quando o modal ferroviário entra em colapso e
deixa de ter a atenção e os investimentos necessários à sua manutenção e
modernização, as cidades cuja economia estava diretamente ligada a ele, são
igualmente arrastadas para o declínio e estagnação.
Este é, precisamente, o caso de Alagoinhas. Nos seus cem
primeiros anos de existência, teve sua vida econômica, social, política e
cultural indissociavelmente vinculada à ferrovia que, primeiro, mudara o seu
núcleo inicial de povoação; depois, estruturara seu caráter urbano e, dera-lhe
feições de cidade pólo. Assim, todo o processo de crescimento,desenvolvimento e
modernização experimentado pela urbe
alagoinhense guarda relação direta com o processo de crescimento,
desenvolvimento e estancamento da ferrovia, que a fez ser elevada a condição de
Vila e Cidade em um espaço de trinta anos, em detrimento de urbes mais antigas,
como Inhambupe, por exemplo, que foi elevada a cidade (1896), bem depois
daquela que fora parte de seus domínios
territoriais, quando ainda era vila.
Publicado em 11 de
agosto de 2013
De volta ao século XIX – Alagoinhas vai ao encontro dos
trilhos
Entre o tempo de sua emancipação de Inhambupe (1852-53) e a
entrega da estação “Alagoinhas”, como parte final da construção do primeiro
trecho da estrada de ferro “Bahia&Saint Francisco”, a vila talvez contasse
cinco ou dez mil almas, se muito, dispersas pelos arredores das suas edificações principais.
Marcada por uma farta vegetação e grande presença de material propício à construções simples e frágeis, Alagoinhas
apresentava solo fartamente agricultável, o que indica ter forte inserção na
produção agropecuária. A partir de sua boa localização geográfica, a vila
acabara por se constituir em um ponto de interseção comercial, a despeito das
dificuldades inerentes à falta de meios de transportes que desse a ela a
possibilidade de melhor desempenhar o papel de “entreposto comercial”, se a
expressão não for anacrônica.
Com a passagem dos trilhos da estrada de ferro por aquelas
paragens, grandes mudanças eram esperadas pelas lideranças locais, na medida em
que, de acordo com o pensamento corrente no século XIX, sobretudo, no Brasil de
sua segunda metade, aquele era um empreendimento que traria no seu bojo, os
germes do progresso e da modernização tão desejados pelos homens que lideraram
as tratativas de emancipação política. E, sobretudo, se ergueram contra a possibilidade
de perder aquilo que entendiam como o que seria o elemento fundamental para
alavancar o desenvolvimento econômico da Vila.
Ver a estrada de
ferro passar por outro local que não Alagoinhas, segundo se presume ter sido o
entendimento dos líderes locais de então, significaria condenar a vila ao
atraso econômico, social e cultural. Para o observador distante, a rápida e
enérgica reação da câmara de vereadores da Vila deixa entrever, a ideia de que
os edis temiam ter diante de si, um indício
de que, caso não houvesse
resposta favorável ao pleito de manter a estrada de ferro passando pelas terras
alagoinhenses, significaria uma perda substancial de prestígio político daquela
liderança, junto às autoridades provinciais.
Embora ainda não se tenha informações que indiquem a
continuação da troca de ofícios entre os líderes locais e as autoridades
provinciais, o que se pode ter como certo é que no início de 1863, os trilhos
da estrada de ferro acabam de ser implantados na vila e a Estação Alagoinhas é
entregue para o tráfego, o que dá início aos tempos “modernos” de Alagoinhas,
quando é ligada à cidade da Bahia, pelo meio de transporte mais rápido e
eficiente de então.
Entretanto, a trilha dos trilhos da Bahia&Saint
Francisco, acaba frustrando as expectativas das autoridades locais, na medida
em que faz um traçado não esperado ou não desejado por aqueles que batalharam
para ter suas terras valorizadas e seus empreendimentos comerciais,
beneficiados pela tal estrada. Sua trilha passa a míseros 3 kilômetros do núcleo
urbano da vila, em terras ainda pouco ocupadas, marcadas por uma vegetação
larga e vasta.
As dificuldades de drenagem dos muitos alagadiços existentes
no trecho percorrido desde o Riacho do Mel, até o local onde foi construída a
estação, dá um indicativo das dificuldades de ocupação da área, sem que antes
fossem realizadas obras que permitissem níveis aceitáveis de habitabilidade.
Sem a execução de obras de infraestrutura como a construção de pontes, que
permitissem atravessar o rio Catu, ou sem a execução de aterros de áreas de
alagamento constante, impediria a população comum ocupar as áreas no entorno da
estrada de ferro.
Por outro lado, não seria conveniente manter o núcleo
populacional a tão grande distância do equipamento urbano mais moderno e importante
da Vila, sob pena de fracassarem os esforços envidados, para que a vila de
Alagoinhas se tornasse social, econômica e culturalmente avançada, na medida em
que toda a movimentação das pessoas, das mercadorias e das ideias, a partir de
então, se faria sobre aqueles trilhos.
Visto que a passagem da estrada de ferro em Alagoinhas já
estava consolidada e o seu leito foi implantado há uma distância razoável do
núcleo inicial da povoação, restava à municipalidade providenciar convencer aos
cidadãos, da necessidade de irem todos ao “encontro dos trilhos””, a partir dos
quais a ocupação populacional seria refeita e a estrutura urbana seria
redesenhada. Não sem resistência, o mercado, a Câmara, a feira e, a Igreja,
foram os primeiros elementos urbanos a serem deslocados para a nova vila de
Alagoinhas.
Uma vez que os homens
de negócios eram os principais interessados na mudança e, quiçá, os mais
beneficiados por ela, foram eles que logo se apressaram em fazer valer a
autoridade que o seu prestígio lhes conferia, tratando de conseguir que o
governo provincial desse caráter oficial à mudança da sede da vila de
Alagoinhas, para o local onde estava plantada a estação ferroviária. É neste
sentido que, para consubstanciar sua legitimidade, eles ganham do governo provincial
o decreto com o qual a parcela resistente à transferência do núcleo
populacional para a nova Vila é enfraquecida e isolada, mas não vencida, embora
subjugada, não convencida. Só a força policial e legal fez com que a querela
fosse sufocada. Aquelas autoridades, talvez não imaginassem que hábitos, modos
de ser e pensar, não se muda por decreto nem se remove pela força, quer da lei,
quer da espada.
Desde então, o eixo a
partir do qual a urbe seria constituída estava posto naquela trilha por onde
passavam os trilhos da ferrovia, que vai desde uma acentuada curva para a
direita, no trecho do riacho do mel, se estendendo até a estação final do
trecho. A partir daquele eixo, a urbanização da nova vila se fez, no primeiro
momento, vindo ao seu encontro, deixando para trás todo espaço urbano já
iniciado;depois de ocupar a área próxima da estação e parte de suas
adjacências, prossegui a ocupação urbana, ora seguindo-o paralelamente; ora
dando-lhe as costas e subindo até encontrar o rio Aramari; ou uma vez mais
dando-lhe as costas, fazendo o caminho de volta ao ponto de partida. Este
último movimento só se dá com vigor e consistência, mais de cem anos depois do
quase total abandono da primeira povoação.
Publicado em 18 de agosto de 2013
De volta ao século XIX - os trilhos na trilha de avultados
negócios
Depois de discorrer resumidamente sobre o processo de
implantação da estrada de ferro que moldou a então Vila de Santo Antônio das
Alagoinhas, talvez coubesse aqui um pequeno parêntesis, para que se possa analisar
um pouco o perfil daqueles edis que se levantaram contra a idéia que circulara
e chegara até os egrégios senhores, não se sabe se concreta ou presumida, que
dava conta da possibilidade daquela estrada não passar pelas terras da vila
alagoinhense.
As lideranças do então distrito de Alagoinhas, que se
empenharam pela sua emancipação, tinham diante de si, o desafio de fazer
desenvolver a nova Villa, de modo a sustentar o pleito pelo qual se bateram
durante algumas décadas, envidando todos os esforços no sentido de aproveitar
cada oportunidade que se lhes oferecesse, no sentido de alavancar o crescimento
da vila, inserindo-a no contexto econômico que permitisse o estabelecimento de
meios que ensejasse a nova urbe, vida própria e próspera, com o que pudesse vir
a justificar o empenho feito para obter a emancipação.
Desmembrada há pouco tempo da Vila de Inhambupe, Alagoinhas
experimentara o estabelecimento de algumas famílias, cujo prestígio político
estava diretamente relacionado à posse de terras e de escravos, o que permitiu
ascender aos cargos político-administrativos mais relevantes, a partir dos
quais puderam consolidar sua posição de liderança/mando, estreitando suas
relações sócio-econômicas com lideranças regionais, entrelaçando os interesses
comuns, de modo a garantir o atendimento de suas demandas, junto ao governo
provincial.
É assim que em 1852, oito ilustres proprietários
de terras e comerciantes da jovem vila de Santo Antônio de Alagoinhas são
eleitos para a sua primeira Câmara, demonstrando a sincronia entre eleitores e
eleitos, na construção do principal órgão administrativo e legislativo que
tomaria posse em 1853 e, que constituiria as feições que a nova vila viria a
ter, a partir de então. Portanto, no dia 2 de
julho de 1853, assumem a tarefa de dirigir os destinos da nova vila, os
cidadãos “Cel. José Joaquim Leal - 950 votos; Capitão Manoel Ferreira Cana
Brasil – 805 votos; Capitão Pedro da Silva Mattos – 610 votos; Capitão José
Moreira de Carvalho Rego – 505 votos; Reverendo Estêvan dos Santos Cerqueira –
500 votos; Capitão Francisco da Silva Mello de Andrade – 405 votos; João
Batista Benevides - 400 votos; João Ramiro Machado – 356 votos”.
Conforme constatou Keite Lima, em dissertação já evocada
outras vezes neste espaço, “os primeiros vereadores eram proprietários das
terras que pertenciam à circunscrição territorial do povoado”. Tendo assumido o
processo de estruturação da vila, trataram de buscar criar as condições que
permitisse o desenvolvimento social e econômico da nova urbe. Eles deram início
o ordenamento jurídico do lugar, implementando as primeiras “posturas
municipais”.
Assim, conforme a professora Keite: ”Para os fazendeiros, os comerciantes e os
conselheiros, a ferrovia possibilitaria maior rapidez e volume no transporte da
produção e no recebimento de mercadorias, além de funcionar como fator de
atração para a região, graças à facilidade de acessos, trazendo trabalhadores
livres e comerciantes”.
É neste sentido que surge a necessidade de dar a Alagoinhas
um lastro sobre o qual se estabeleçam as bases de crescimento econômico, a
partir do qual a nova vila passe a ser interessante ao investidor, no sentido
de fomentar o comércio e a agricultura, de modo a valorizar as terras
adjacentes àquela circunscrição. É assim que as notícias que circulavam, dando
conta da pretensão de se construir a estrada de ferro que ligaria a cidade da
Bahia ao sertão do São Francisco vem como uma grande esperança para aqueles
proprietários de terras, que se encontram à frente do legislativo municipal.
Talvez atentos às circunstâncias que se lhes apresentavam
desde a capital, que davam conta das tratativas em torno da construção daquela
estrada de ferro, que levaria mercadorias, idéias e pessoas, em um vai e vem
constante entre seus pontos iniciais e terminais. Quem sabe já conhecedores dos
processos que nortearam a formação da “junta da lavoura” e, a posterior
transferência do controle acionário para a companhia inglêsa que viria a
empreender e construir a dita estrada, os edis perceberam na possibilidade do
desvio do seu traçado, uma ameaça real e, se não combatida em tempo,
irreversível às suas pretensões de tomar parte no processo de modernização
econômica, social e política, então em curso na Bahia do início da segunda
metade do século XIX.
Entre os signatários do documento enviado ao governo
provincial já transcrito em arrazoado anterior, acham-se os nomes de alguns
cidadãos, que não constam da lista dos empossados, o que poderia sugerir uma
suplência. Mas também pode sugerir a existência de outros cidadãos, com
interesses e preocupações idênticas às manifestas pelos edis em seu postulado,
podendo ter sido convidados a subscrevê-lo. Logo, é de se presumir que, as
preocupações por eles manifestas no áspero e contundente ofício dirigido ao
governo provincial, direta e subliminarmente, estavam relacionadas à
valorização das suas terras, à consolidação das suas posições de liderança
junto à população e aos demais grupos que eventualmente viessem a
contestar-lhes o poder local e, sobretudo, estavam aquelas preocupações
relacionadas com o fomento dos seus lucros e o crescimento dos seus haveres, na
medida em que, seriam diretamente beneficiados pela implantação e
operacionalização da moderna estrada, que substituiria aquela que por tantos
anos e, quiçá séculos, servira de elo entre o sertão e a cidade da Bahia.
Publicado em 25 de agosto de 2013
De volta ao Século XIX – Os trilhos na trilha do
“prolongamento”
Concluídas as tratativas em torno da implantação da estrada
de ferro Bahia&Saint Francisco, aos poucos ia ficando claro para as
lideranças da vila, que ao se completar a construção do trecho de 123,7km,
Alagoinhas seria sim, alcançada pela dita estrada. E mais: se tornaria por
cerca de 17 anos, ainda que involuntariamente, o ponto final do trajeto iniciado
em Salvador, uma vez que aquele era um pequeno trecho da grande ferrovia que se
anunciara, cujo ponto final seria a vila de Juazeiro, onde a província baiana
fazia divisa com a pernambucana.
Portanto, parada em
Alagoinhas, a estrada de ferro da Bahia&Saint Francisco Railway,não cumpria
nem um terço do percurso pretendido, visto que a vila de Juazeiro distava dali,
pouco mais de 450km, que a companhia inglesa não se dispôs a construir. Segundo
já disse Etelvina Rebouças Fernandes, estudiosa do tema, na obra “Do Mar da
Bahia ao Rio do Sertão Bahia and San Francisco Railway”, já evocada em outras
ocasiões neste espaço, o trajeto implantado pela iniciativa da companhia,
corresponderia exatamente aquele coberto pela garantia dos juros de 7%,
acordada com o governo provincial. Ao que tudo indica, conforme as observações
feitas por Rebouças Fernandes, as quebras de contrato produzidas pela companhia
inglesa, não se limitaram ao não cumprimento do plano de obra, ao dar por
terminados os trabalhos com a entrega da estação Alagoinhas.
Utilizando-se de relatórios técnicos para sustentar sua
argumentação, a autora, citando um deles, indica que, ”em uma inspeção na
estrada, em 1873, o engenheiro fiscal, Dionísio Martins, informa que
"[...] a linha foi quase completamente reconstruída nos pontos mais
importantes, tal foi o desleixo e a incúria da primitiva construção"
(BENÉVOLO, 1953, p. 326).”
Rebouças Fernandes prossegue sua análise asseverando que
“esta observação do engenheiro fiscal sobre a estrada, após treze anos de
inaugurada e ainda sob os cuidados da companhia inglesa, que a administrava, só
vem ratificar as observações dos fiscais da obra com relação à qualidade
duvidosa dos materiais, contrariando o que o País esperava da atuação dos
ingleses, que já haviam construído ferrovias desde 1825, e do engenheiro
Vignoles, profissional conhecido por sua experiência na Europa.”
Ela segue seu arrazoado, lançando mão de um outro relatório,
assegurando que “[...] havia uma agravante, pois o contrato celebrado entre a
companhia e o empreiteiro John Watson deixava clara a exigência de "[...]
execução de uma excelente estrada" (PENNA, 1860).”
Fica claro então que o desinteresse da companhia inglesa em
levar a cabo o projeto inicial da estrada, além de frustrar as expectativas
criadas e as apostas econômicas feitas pelos elementos diretamente interessados
na sua efetivação, produziu um hiato no processo de desenvolvimento econômico e
social da região por onde passaria, estabelecendo o retardamento da
modernização das comunicações terrestres e da permanência das dificuldades
enfrentadas pelos produtores locais, em fazer chegar sua produção ao porto de
Salvador. É nesse sentido que Rebouças Fernandes assegura que, mesmo a
companhia podendo ter usado a finalização precoce da construção da estrada em
Alagoinhas, com o objetivo de pressionar o governo brasileiro a conceder
maiores garantias para o emprego do capital empregado, acaba fazendo com que
”[...], toda argumentação para a construção da estrada, que tinha como
pressuposto chegar às terras férteis e produtivas do "Alto Sertão ou Bacia
do Rio São Francisco", não seja levada na devida conta, pelos capitalistas
estrangeiros, que não logram obter os juros que pretendem, para remunerar os
seus investimentos.
Assim, a vila de Alagoinhas é parcialmente beneficiada com a
chegada da estrada de ferro que a liga a cidade de Salvador, na medida em que
os ganhos esperados com a obtenção de facilidade de acesso à circulação das
mercadorias que seguiriam com destino ao porto fluvial de Juazeiro e que de lá
viriam, não se concretiza, resultando em mudança apenas parcial da situação
econômica e social da região.
Para a Alagoinhas, de
per si, a reestruturação do cotidiano é substancial, pelo fato de ter
promovido uma reorganização das estruturas urbanas em torno da estrada de
ferro, o que demandou a revisão do processo de ocupação inicial da urbe,
levando ao estabelecimento de novas bases sobre as quais o povoamento da vila
se consubstanciou.
No entanto, fazia-se necessário dar curso ao processo de
construção da ligação ferroviária, inicialmente proposta no projeto da
Companhia ihglêsa, para que as outras vilas e “micro-regiões” por onde
passaria, viessem a ser beneficiadas com a reestruturação da vida social e
econômica, com o fito de permitir às suas populações serem alcançadas pela
ampliação das oportunidades de modernizar e desenvolver polos produtivos,
constituindo o almento das possibilidades de escoar para uma gama maior de
mercados, os frutos das safras agrícolas e da atividade pecuária.
É neste contexto, que se dá início a segunda etapa do
empreendimento viário que rasga as veredas por onde passará a estrada de ferro,
conectando vilas e populações ao meio mais rápido de transportar pessoas e
mercadorias que o século XIX conhecia:o trem. Depois de serem estabelecidas as
bases financeiras e legais que permitiriam à Província da Bahia assumir o
prosseguimento da implantação da ferrovia que partiria de Alagoinhas e chegaria a vila de Joazeiro, 17
anos depois da entrega da última estação do primeiro trecho, dá-se a entrega da
estação inicial do trecho que ficou conhecido como “prolongamento”, fazendo com
que Alagoinhas vivenciasse as segunda e decisiva etapa de sua reestruturação
urbana, na medida em que novos bairros começam a aparecer ao longo do novo
traçado, à medida em que os trilhos avançam pelo tabuleiro, em direção ao então
distrito de Aramari. Conforme informa Rebouças Fernandes, [...] “A linha foi
aberta ao tráfego definitivo em 24 de fevereiro de 1896”.
Assim, talvez aqui se pudesse deduzir que houvesse um
sentimento de euforia das lideranças políticas e econômicas, de parte das
populações das cidades e vilas atravessadas pelos trilhos, que repousaram nas
trilhas que os levaram à margem direita do grande rio do sertão, uma vez que finalmente, começava-se a se
tornar concreta, as expectativas de desenvolvimento e modernização, alimentadas
desde os anos em que as primeiras
notícias que começaram a circular na região, dando conta da introdução de novos
conceitos de transporte de pessoas, encomendas, mercadorias e ideias.
Publicado em 01 de
setembro de 2013
De volta ao Século XIX – Alagoinhas: transformações em
curso.
Retomada a construção da segunda etapa da ferrovia que
ligaria “o mar ao sertão”, a partir do ponto onde a companhia inglêsa não mais
considerou rentável o empreendimento, pouco a pouco ia se tornando concreto o
sonho acalentado por diversos anos, por aqueles indivíduos que viam grandes
possibilidades de realizar avultados negócios, na medida em que a circulação de
bens e serviços teria grande incremento, quando o caminho de ferro entrasse em
funcionamento.
Nesse sentido, grandes esforços vinham sendo desenvolvidos
pelo governo provincial, na medida em que, assume o ônus financeiro da obra,
que, por seu tamanho e pela envergadura técnica, exigia grandes somas de
capital monetário, na medida em que boa parte do material utilizado no
empreendimento era importado, além do material rodante, necessário para o
funcionamento da estrada de ferro. Por certo, não havia empreiteiro local que
dispusesse sozinho dos meios financeiros e técnicos que permitisse os
desenvolvimentos indispensáveis para a conclusão dos trabalhos, sem a
participação financeira da Província baiana.
Portanto, depois de se terem passados dezessete anos do
início das operações comerciais na estação de alagoinhas, tem prosseguimento o
trabalho de construção do “prolongamento”, que precisará esperar outros
dezesseis anos para chegar a termo, na vila de Juazeiro. Transcorreram-se
quarenta anos, desde o lançamento do capital da companhia Bahia&San
Francisco na Bolsa de Londres e a entrega da estação de Joazeiro, permitindo
enfim, a ligação entre o porto da Bahia no litoral atlântico, ao porto fluvial
do Rio São Francisco. Assim, abria-se, enfim, um acesso a partir do qual
pudesse fazer sair daquele vasto sertão os seus produtos agropecuários, bem
como, desse oportunidade de desfrutar de bens, serviços e ideias, vindos da
capital.
Já se disse neste espaço, que nos trinta primeiros anos de
efetivo funcionamento do caminho ferroviário, a vila de Alagoinhas foi a mais
alcançada por desdobramentos advindos de tão grande alteração na paisagem
econômica, social e política, relacionados à implantação de uma ferrovia. Desde
a elevação de Alagoinhas à categoria de vila, ocorrida em 1853, apenas trinta
anos foram precisos, para que ela galgasse a condição de cidade, com todos os
ônus e bônus, inerentes a tão grandes e rápidas transformações.
O processo de transformações vivenciado por aglomerações
urbanas impactadas pelas modificações promovidas pela chegada de algum elemento
novo na sua estrutura, via de regra, sempre se faz acompanhar de profundas
marcas na tessitura social, além de exigir uma
reconfiguração estrutural do lugar em causa. A chegada dos trilhos do
caminho de ferro, partido de Salvador e a saída daqueles outros rumo a
Juazeiro, redesenha o tecido social de Alagoinhas, sobretudo, no que diz
respeito ao impacto social, político e econômico produzido pelo abandono da
área onde já estava estabelecida a povoação inicial.
Com
efeito,impulsionada pela mudança no traçado da estrada de ferro vinda de
Salvador e pela construção daquela que seguiria desbravando o sertão,
Alagoinhas precisara ser reconfigurada, não só sob o ponto de vista da ocupação
urbana, como também sob o ponto de vista das novas oportunidades de trabalho
que precisariam ser criadas, na medida que a demanda por ocupação laboral,
seria pressionada, não só pelos filhos da terra, como pelos que para cá viriam,
atraídos pelos empregos diretos, que passariam a ser trazidos pelo setor de
transportes.
Paralelamente a isto, acresce salientar que, no período que
vai entre 1863, quando tem início a operação da estrada de ferro e 1888, quando
a escravidão é legalmente extinta, havia uma convivência concorrencial entre as
formas de utilização da mão de obra, então em curso no Brasil: a livre e a
escrava. Desde o momento em que a mão de obra é legalmente livre e, o mercado
passa a regular mais esta atividade da economia, os processos de absorção se
fazem mais complexos, na medida em que aqueles que até então eram escravos, não
foram capacitados para desenvolver novas possibilidades de inserção no mercado
de trabalho, resultando em um grande número de atividades informais, sendo
desenvolvidas, precisamente por aqueles que outras formas não possuíam de
bastar-se a si e aos seus.
Muitos são os indivíduos que, excluídos da possibilidade de
aceder aos postos de trabalho criados pelo setor mais moderno da economia
urbana de então, vêm-se lançados na faina de ganho incerto, no labor árduo e
permeado das incertezas quanto a existência nos dias seguintes e quanto ao
amparo em caso de doença e/ou velhice. Assim, tem-se figuras que povoam um
imaginário coletivo, cada vez mais distantes das novas gerações, que são muito
importantes do ponto de vista da construção memorialística, levando a efeito
suas atividades de jornaleiros, aguadeiros, vendedores de guloseimas, de frutas
e produtos sazonais, carregadores de bagagens e mercadorias, que formavam o
mundo do trabalho informal, que fervilhava nas estações, sujeitos ao ritmo das
chegadas e partidas dos trens.
Publicado em 08 de
setembro de 2013
De volta ao século XIX - Alagoinhas nas trilhas da “Era das
Ferrovias” - I.
Ao conseguir fazer publicar em 1852, o Decreto provincial
que a emancipava da jurisdição de Inhambupe e tendo dado posse à sua primeira
Câmara em 1853, Alagoinhas ganha não só a condição de Vila, mas, sobretudo, é
levada a entrar na “Era das ferrovias”, no momento em que sua disseminação se
faz necessária à reprodução dos capitais resultantes dos elevados lucros
auferidos pela industrialização nascente no norte da Europa.
Não obstante o seu potencial geopolítico, fundamentado não
só em possibilidades consubstanciadas na sua localização geográfica e na
abundância de seus recursos naturais, a vila nascia sob o peso de uma
mentalidade provinciana e ruralista, estruturada sobre a grande propriedade
agropecuária, e a exploração do trabalho escravo, como de resto toda a
província baiana e todo o império brasileiro.
Talvez se possa inferir,
a título de hipótese que, ao mesmo tempo em que as lideranças locais se batiam
pela obtenção da emancipação política, sobretudo, à medida em que grandes
quantidades de capital eram potencializadas pelo fim do tráfico de escravos, é
provável que já se pensasse em dar à nova Vila, feições de desenvolvimento
econômico e social, uma vez que a elite baiana em geral e da região de
Alagoinhas em particular, certamente não ignorava o ímpeto do capitalismo
nascente, em se fazer reproduzir fora das fronteiras europeias.
Etelvina Rebouças Fernandes, já outras vezes evocada aqui,
através de uma citação da época, informa que “O Presidente da Província em
1846, Francisco José de Sousa Soares D'Andréa, declarou que a estrada da
capital até a "Vila de Joaseiro seria importante para facilitar as
comunicações das Províncias do Norte com o Piauí, além de incentivar a
navegação do rio São Francisco". (D'ANDREA, 1846).”
Ainda com base no que levantou Rebouças Fernandes, “mais
tarde, em 1848, João José de Moura Magalhães, também presidente da Província,
refere-se à estrada de ferro da Bahia ao São Francisco, como uma obra
necessária para o desenvolvimento social e econômico da região do São
Francisco, e, conseqüentemente, da então província da Bahia (MAGALHÃES, 1848).”
Portanto, depreende-se que, as lideranças econômicas,
políticas e sociais da nova vila, ao se defrontarem com a necessidade de
efetivar sua posição nas novas conjunturas que se lhes apresentavam, já
dispusessem de conhecimentos do surto ferroviário, bem como das discussões por ele suscitadas,
acreditando haver grande possibilidade de inserir Alagoinhas em uma rota
desenvolvimentista, puxada precisamente pela abertura dos caminhos de ferro,
então o setor mais moderno e lucrativo do industrialismo nascente.
É neste sentido, que o historiador britânico Eric J.
Hobsbawm (1917-2012), a quem se dará a palavra, pôde afirmar em texto que trata
precisamente da “Revolução industrial”, que
”Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou
tanto a imaginação quanto a ferrovia, como testemunha o fato de ter sido o
único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela
imagística da poesia erudita e popular. Mal tinham as ferrovias provado ser
tecnicamente viáveis e lucrativas na Inglaterra (por volta de 1825-30) e planos
para sua construção já eram feitos na maioria dos países do mundo ocidental,
embora sua execução fosse geralmente retardada. As primeiras pequenas linhas
foram abertas nos EUA em 1827, na França em 1828 e 1835, na Alemanha e na Bélgica
em 1835 e até na Rússia em 1837. Indubitavelmente, a razão é que nenhuma outra
invenção revelava para o leigo de forma tão cabal o poder e a velocidade da
nova era; a revelação fez-se ainda mais surpreendente pela incomparável
maturidade técnica mesmo das primeiras ferrovias. (Velocidades de até 60 milhas
- 96 quilómetros - por hora, por exemplo, eram perfeitamente praticáveis na
década de 1830, e não foram substancialmente melhoradas pelas posteriores
ferrovias a vapor.) A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente
emplumada de fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes,
com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de
construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo
a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo, era o próprio
símbolo do triunfo do homem pela tecnologia”.
A despeito da citação referir-se aos anos iniciais da
primeira metade do século XIX, chama a atenção o fato da vila de alagoinhas ter
sido inserida no contexto da “era Ferroviária”, ainda em sua plena
efervescência. Apenas três anos após a sua elevação à condição de Vila, são
levados a bom termo, os processos de criação da companhia inglesa que
executaria as obras de construção da ferrovia, que daria os contornos sociais,
políticos e econômicos indissociáveis no trabalho de formação das concepções de
mundo e do quotidiano de Alagoinhas.
Publicado em 15 de
setembro de 2013
De volta ao século XIX - Alagoinhas nas trilhas da “Era das
Ferrovias” - II.
Uma vez inserida no contexto da “era das ferrovias” a cidade
de Alagoinhas chega nas décadas finais do Século XIX, com seus contornos
urbanos já bem delineados, estruturados em torno do eixo traçado pelas trilhas
formadas pelos trilhos que deram forma e, balizaram os processos de
urbanização, levados a efeito nos anos posteriores.
Neste sentido, se apresenta um elemento diferenciador na
orientação do processo de ocupação dos espaços fundiários da nova cidade,
artificial e astuciosamente imbricada aos leitos ferroviários que foram tomados
como marcos definidores da configuração espacial urbana.
Contrariando a tradição colonial, da qual ela mesma fora
signatária na sua configuração inicial, então já abandonada pelos principais
membros da nova elite local, a cidade de Alagoinhas estava construindo sua
paisagem urbana, não mais em torno da Igreja, da casa da Câmara e da Cadeia,
construídas em uma praça, a partir da qual escorregava o casario. Desde a
Resolução de número 1013, de 16 de abril de 1868, que oficializou a
transferência da povoação inicial, para cerca de 3km abaixo da velha praça
principal, a Estação Ferroviária, ou melhor dito, as estações ferroviárias,
passariam a ser os eixos a partir dos quais seriam feitos os arruamentos, o
ordenamento do solo, a ocupação dos espaços que funcionariam como núcleos
formadores dos futuros bairros residenciais e das áreas comerciais.
Aqui, convém mencionar as impressões de um visitador da
Província baiana, encarregado de constituir uma espécie de relatório sobre o
território provincial, afim de informar como se encontravam as vilas e cidades
implantadas, talvez com o objetivo de se fazer saber, as reais dimensões e o
estado das coisas, a milhares de léguas da capital. Durval vieira de Aguiar, em
suas “Descrições práticas da Província da Bahia : com declaração de todas as
distâncias intermediárias das cidades, vilas e povoações“, publicada no final
da década de 1880, logo no início de suas considerações acerca de Alagoinhas,
afirma que “Até o ano de 1866 a atual cidade constava apenas de umas quatro
casas de telha junto ao rio, de um trapiche, das acomodações da estrada de
ferro e de uma meia dúzia de casas de palha perto do barracão da dita estrada.
Chamavam a esse insignificante lugar simplesmente - a Estação.” Não se perca de
vista, que o arrazoado em apreço, se refere a um momento situado a apenas três
anos depois da inauguração da estação terminal da estrada inglesa.
Mais adiante, ainda descrevendo a vila onde fora iniciado o
povoamento, Aguiar assegura que “[...].A edificação sólida e numerosa, continha
também bons sobrados; a praça comprida e larga era, nos sábados, ocupada por
uma grande e abundantíssima feira, em volta da qual, tanto em lojas como em
botecos (toscas barracas volantes), se achava o comércio, que então fazia
avultados negócios.” Tendo em conta a descrição do “visitador”, talvez se possa
inferir que, para além da aprazibilidade geral do espaço então ocupado pela
vila de alagoinhas, tratava-se de um lugar relativamente desenvolvido, nos
termos da realidade temporal em que estava inserida.
Talvez por isto, Durval Vieira de Aguiar apresente em seu
relatório, um posicionamento favorável ao antigo lugar da povoação, lamentando
o deslocamento do núcleo urbano inicial
para o espaço denominado “estação”, sem contudo deixar de reconhecer as
motivações que emprestaram sucesso a operação. Diz ele:
“Hoje acha-se essa vila injustamente quase desabitada, e as
casas em ruínas por não encontrarem valor senão para as telhas; sendo tal o seu
estado que nem merece o nome de Alagoinhas Velha que lhe dão, não obstante ser
moradia mais agradável, salubre, fértil e de melhor clima do que a da cidade,
que de pobre estação, apenas amparada pelo capricho partidário local,
conquistou, embora à força, a felicidade de ser escolhida para o mercado da
feira, a despeito da oposição de quase a população inteira. Apesar dos
protestos dos negociantes e moradores da vila, uma vez mudada a feira, foi logo
esta disputada por uma enorme emigração que lhe chegava aceleradamente de toda a
parte, edificando irregularmente lojas e domicílios, à revelia, sem dúvida, da
municipalidade, no lugar que a cada um mais convinha, de forma que em pouco
tempo achava-se construída uma praça rodeada de casas comerciais, pois que os
negociantes da vila, vendo-se prejudicados com a invasão de estranhos, haviam,
sucessivamente, também se estabelecido no novo mercado, conservando, porém, na
vila suas residências, algumas até em magníficos sítios, que por duplo
interesse não queriam perder;[...].”
Portanto, não é sem ferir suscetibilidades, que se apresenta
a nova configuração espacial e urbana de Alagoinhas, estruturada sobre um eixo
moderno, filho da “revolução industrial” e do avanço do capitalismo sobre os
elementos agrários e tradicionais, que até então regeram a música do
desenvolvimento social das povoações erigidas até então. A música composta,
regida e executada sob a maestria do capitalismo nascente, imprimia sua marca e
impunha seu ritmo a todos quantos fossem seus espectadores ou partícipes do
concerto, ora em apresentação. Ali, o “modal” ferroviário, alhures, o “modal”
rodoviário, compuseram os pilares sobre os quais a vida social, econômica,
política e cultural de alagoinhas se fez fluir e refluir, ao longo dos sua
secular existência, enquanto urbe emancipada.
Publicado em 22 de
setembro de 2013
De volta ao século XIX - Alagoinhas nas trilhas da “Era das
Ferrovias”- III.
A ainda jovem vila de Alagoinhas vivenciara nos vinte
primeiros anos posteriores à sua emancipação político-administrativa, uma luta
entre as velhas estruturas agrárias, fundamentadas na posse da terra e na
utilização da mão de obra escrava, como elementos síntese de seu “modus
vivendi” e, as novas estruturas de caráter urbano-capitalistas, fundamentadas
na subordinação dos meios de produção e das forças produtivas, aos elementos
norteadores da obtenção de lucros.
Ao concluir o
arrazoado anterior, o autor destas linhas asseverou que não é sem ferir
suscetibilidades, que se apresenta a nova configuração espacial e urbana de
Alagoinhas, estruturada sobre um eixo moderno, filho da “revolução industrial”
e do avanço do capitalismo sobre os elementos agrários e tradicionais, que até
então regeram a música do desenvolvimento social das povoações erigidas até
então. A música composta, regida e executada, sob a maestria do capitalismo
nascente, imprimia sua marca e impunha seu ritmo a todos quantos fossem seus
espectadores ou partícipes do concerto, ora em apresentação. Ali, o “modal”
ferroviário, alhures, o “modal” rodoviário, compuseram os pilares sobre os
quais a vida social, econômica, política e cultural de alagoinhas, se fez fluir
e refluir, ao longo dos sua secular existência, enquanto urbe emancipada.
consubstanciadas pelos elementos do modal ferroviário que se
impusera à vontade manifesta por grande parte das antigas lideranças locais, a
primeira e mais significativa destas estruturas capitalistas, acabava de se
instalar em terras alagoinhenses, passando a dar forma a sua tessitura social,
e estabelecendo os parâmetros sobre os quais aquela cidade nasceria, cresceria
e se desenvolveria dali em diante.
Assim, prevaleceram os interesses interpostos pelas
lideranças vinculadas à nova configuração urbana, não obstante terem
permanecido na tradição oral, os sinais das resistências oferecidas pelos
moradores da vila, localizada no espaço geográfico em que se desenvolveu o
primeiro núcleo de povoação, indicando seu descontentamento pelo abandono dos
lugares de habitação e de “memória”, provocado pelo deslocamento das atividades administrativas e
comerciais, para um núcleo populacional
artificialmente plantado nas cercanias da estrada de ferro.
Como já foi salientado no arrazoado anterior, com o fito de
viabilizar o novo núcleo de ocupação da
Vila estruturado a partir dos trilhos que lhe serviriam de “eixo” norteador, as
novas lideranças políticas e sociais do lugar, precisaram valer-se das
ferramentas jurídicas de que dispunham e, até mesmo criá-las, conforme as
circunstâncias o exigissem.
Em textos memorialísticos, escritos pouco mais de um século
após os distúrbios decorrentes da mudança do centro nervoso da parte antiga da
vila, para a sua nova configuração espacial, Juanita Cunha dos Santos e,
Salomão Barros, cada um à sua maneira, apresentam suas impressões daquele
momento de transição.
Juanita Cunha dos Santos, cuja obra foi publicada em 1987,
Assegura que ”uma minoria da população
começou espontaneamente a se
transferir para a ”Estação” ou a ”Linha”, como diziam, ou seja, para as
proximidades da Estrada de Ferro. Depois houve a transferência oficial da
cidade, decisão esta que revoltou a população, precisando de reforço policial,
quando da mudança da feira livre para
aquele local”.[...] “A antiga vila ficou sendo chamada Alagoinhas Velha.
Nesta havia muitos sítios, com grandes plantações de laranjeiras e algumas lavouras de pouca expressão. Possui um clima
ameno e saudável e maior altitude que a
cidade nova”.
Conforme avaliou a memorialista, nascida na década de 1920
e, filha de um dos prefeitos da cidade, As ruas principais de Alagoinhas Velha
são duas ruas paralelas; que contam a história das brigas e violências da
população, ali desenroladas, quando da
transferência do povoado, no princípio do
século. As mudanças eram feitas debaixo de apupos, pedradas, ao som de versinhos que insultavam... Era a
maioria reclamando uma desintegração
cultural. Era o medo da vila decair com o aparecimento de uma outra cidade ali tão pertinho, numa
situação privilegiada de posicionamento,
e contando com uma grande área de tabuleiro em
terreno plano. Era a previsão de desenvolvimento e progresso para a futura cidade que contava com facilidade de
transporte para a Capital e várias outras cidades do interior baiano. Era o
desabafo dos que ainda lutavam pela
sobrevivência de um lugar condenado à estagnação e decadência. E decaiu! Muitos
anos ficaram as suas ruas cheias de
bancos de areia, e em cujos terrenos processava-se um lento trabalho de erosão; seu casario, estragado
pelo tempo, uma população insignificante, sem comércio, enquanto a cidade nova
crescia.
A narrativa memorialística transcrita acima, deixa
subliminar a possibilidade de terem os conflitos avançado para além dos anos
iniciais de sua deflagração, podendo ter chegado a se fazerem latentes, ainda
nas primeiras décadas do século XX, ao ponto de ter ficado na memória da
escritora. Aliás, a tal propósito, assevera ela que “Estes fatos são geralmente
narrados de pais para filhos, numa
sequência histórica de tradição oral. Eles são documentos que informam
as idéias, os problemas, esperanças e preconceitos de uma época que não se perdeu no tempo”.
Ao que parece, Salomão Barros, cuja obra foi publicada em
1979, entende que os conflitos, embora tenham havido, se circunscreveram ao
tempo de sua deflagração, tendo sido resolvidos com o uso da força e da lei e,
sufocados pelo êxito do empreendimento, demonstrado pelos seus resultados. Para
ele, “com a chegada dos produtos da terra e seus vendedores, o que se verificou
pouco a pouco, - isso a partir do mês de outubro do mesmo ano de 1868, -
tornou-se uma das mais crescidas feiras do interior baiano, como ainda hoje o
é, no mesmo local onde ainda vêm se realizando”.
Conforme descrição feita por Durval Vieira de Aguiar, alguns
anos depois dos eventos protagonizados pelos que resistiam à mudança imposta
pelas novas condições econômicas e sociais do processo de desenvolvimento
urbano de Alagoinhas, ”o comércio é ativo, grande, animado e faz avultada
exportação para a capital, pela estrada de ferro, - de açúcar, farinha,
tapiocas, feijão, milho, café, fumo, gados, couros, aves, ovos, etc, etc; sendo
tão grande o mercado do fumo que diversas casas comerciais da nossa praça ali
conservam agentes compradores que empregam em tal negócio centenas de contos.
Mas é Juanita Cunha dos Santos, quem tem uma melhor
percepção das mudanças produzidas pelo ingresso de Alagoinhas na “era das
ferrovias”, visto que o seu posto de observação está situado a uma grande
distância da fervura das caldeiras que alimentaram as locomotivas que engatadas
na economia, na sociedade e na política da cidade, imprimiram maior velocidade
ao curso do tempo que imperou sua primazia. A memorialista constata que “com um
meio de transporte fácil e barato, a
população da cidade, até então condenada ao isolamento começou a viajar, a
se comunicar, a viver melhor,
comportamentos que elevaram a mentalidade do povo, refletindo, sobremaneira, na
vida sócio-cultural do lugar.
Publicado em 29 de
setembro de 2013
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