sábado, 4 de junho de 2016

Republicando

Entre 2012 e 2014 publiquei  no site do jornal Alagoinhas Hoje, em um espaço a mim cedido pelo seu editor, uma coluna com o mesmo título deste blog. Por motivos de ordem técnicas, os textos ali postados acabaram por ser retirados. Assim, para me ajudar a escrever trabalhos acadêmicos tomando aquele material como referência, decidi republicá-los aqui, dando oportunidade aos que já os conhecia e pretendem rever; bem como aos que ainda não os conhece afim de os ler e trazer ao debate.
Assim, aqueles textos que foram publicados em forma de séries serão aqui agrupados em blocos, sendo publicados individualmente, aqueles que o foram de forma avulsa.
Desta maneira, de agora em diante, farei um grande esforço para revisar, corrigir e publicar todos os textos escritos para a coluna "Histórias e memórias" que foram ao ar durante vários domingos do período mencionado.
Observações e críticas, favor escrever para historiadorbaiano@gmail.com
A todos eu desejo uma boa leitura.




 

De volta ao Século XIX: a vila de Alagoinhas quase saiu da trilha dos trilhos.

 

A Alagoinhas que emerge a partir da segunda metade do século XIX, se caracteriza por ter sido uma povoação que cresceu e se desenvolveu a partir de eventos externos, uma vez que a estrada de ferro que provocou a mudança do núcleo de sua ocupação inicial para cerca de três km de onde se encontrava instalado, fora forjada fora dos seus limites espaciais, forçando suas elites dirigentes a adaptar o seu traçado urbano aos desígnios do traçado ferroviário, fazendo com que a população fosse deslocada, bem como as suas insipientes estruturas sócio-políticas, (re)instalando-as no novo espaço, como que demarcado pelas atividades demandadas pela estrada de ferro que ligaria Salvador às margens do Rio São Francisco.

Plantada sobre uma pequena elevação, a vila começa a estender seu casario rústico e esparso no sentido norte/nordeste de seu vasto tabuleiro de luxuriosa vegetação e rico em areia e barro, que lhe servirá como material básico para as edificações.

Como boa parte das urbes coloniais, invariavelmente tinha como eixo central do povoamento, um quadrilátero formado por uma Igreja Católica, uma  edificaçãoo onde se instalavam  a Câmara municipal e a cadeia, o mercado ou galpão da feira e as casas dos cidadãos mais abastados, tendo no centro uma pequena praça, que servia como local de aglutinação dos moradores, com o objetivo de prover-lhes dos serviços e dos folguedos religiosos, momentos nos quais eram forjadas a identidade e a idéia de pertencimento. Um pouco mais adiante, complementando o cenário das aglomerações proto-urbanas daqueles tempos, encontrava-se o cemitério dos pobres e/ou indigentes, visto os clérigos e homens importantes, ainda serem sepultados nas Igrejas.

Até a implantação da estrada de Ferro Bahia&São Francisco, o Arraial de Santo Antônio das Alagoinhas tinha mais ou menos a configuração acima descrita, conforme os memorialistas anotaram nos seus trabalhos de construção da história da cidade, a partir de material por eles recolhido. Portanto, era uma localidade que tendia a ter um desenvolvimento lento e uma ocupação espacial bem rarefeita, como se deu na maior parte das localidades suas congêneres.

No entanto, já pelos meados da década de 1850, as lideranças políticas e econômicas locais, passaram a se movimentar, no sentido de trazer para próximo de suas áreas de influência , o empreendimento ferroviário que começava a se esboçar na cidade da Bahia, cujo objetivo era ligar o litoral da antiga Capital colonial, à vizinha província de Pernambuco.

Teria chegado ao conhecimento das autoridades municipais, informações que dariam conta de alterações no traçado inicial da estrada, que tiraria Alagoinhas dos planos de seus construtores. O empenho da liderança alagoinhense, se deu no sentido de fazer com que o traçado inicial daquela estrada fosse retomado, com o fito de Alagoinhas voltar a ser incluída como um dos lugares por onde a ferrovia viesse a passar, visto que, conforme aponta Keite Lima, parecia que foram introduzidas modificações nos primeiros esboços do empreendimento, que indicavam uma região então pertencente a Santo amaro, como local designado para a construção ferroviária.

Neste sentido, os vereadores da Vila de Alagoinhas, produziram um documento para a presidência da Província, se posicionando nos seguintes termos:

“Contestando o plano de passar a estrada de ferro desta vila, como antes
tinha deliberado pelo recôncavo de Santo Amaro, reprovamos tal mudança de planos. Não podemos deixar de expor nossa opinião a esse respeito apresentando as grandes utilidades públicas, que resultarão do interior da
província, passando esta estrada por essa vila [...] Será enfim muito mais
conveniente ao bem público à passagem da estrada por estes lugares que pelo recôncavo que, sendo quase perto do mar é inacessível em tempos de chuvas. Nós apresentamos essas idéias avulsas à consideração de V. xª,
para transmitir a companhia dignando-se V Exª pelo melhoramento dos que, habitam tão distante da capital e dos portos marítimos”.

Em gestação desde os meados da década de 1840, a idéia de uma ferrovia para escoar a produção agropecuária da região por onde passariam os seus trilhos, torna-se concreta no início dos anos 1850, com o decreto provincial que dá autorização para a captação de recursos que viabilizassem a sua construção, já produzindo os primeiros embates entre  aqueles que a ela se opunham, por julgar pouco lucrativas e, aqueles que a defendiam, por entender que traria desenvolvimento àquela região na qual seria implantada. De igual modo, a estrada cuja viabilidade econômica e a construção ainda se encontrava em efervescente debate, também trouxe alguma dissensão entre as localidades que a desejava ver passar nos seus limites territoriais, entendendo com isto, ter uma maior valorização de suas terras.

Foi com este espírito combativo, que a Câmara de Alagoinhas se manifestou no documento acima transcrito. Não só indicava sua insatisfação pela possibilidade de ver frustrada a esperança de passar pelas terras desta vila, a tão desejada estrada de ferro, como salienta os inconvenientes de sua implantação se dar em outro local que não o que fora inicialmente indicado, nos projetos, dos quais, ao que tudo indica já se tinha conhecimento.

 

   Publicado em 09 de agosto de 2013

De volta ao século XIX – Alagoinhas na trilha dos trilhos

 

Como já disse neste espaço, Alagoinhas é uma cidade que tem como uma de suas principais características, o fato de ter seus avanços e/ou recuos, diretamente relacionados a eventos políticos e econômicos, cujas iniciativas não dependem de fatos ou fatores que estejam sob o controle de suas forças sociais e em consonância com suas potencialidades econômicas. Via de regra, aqui, ali ou alhures, suas lideranças políticas são empurradas pelos eventos externos para a corrente da história, como as areias e os detritos são arrastados pelas enxurradas, resultantes de chuvas torrenciais.

Assim, foi em 1856 que, ao ser feito o lançamento oficial da construção da ferrovia Bahia&São Francisco e, no início efetivo das obras em 1858,  é que ficou definido, que a vila de Alagoinhas seria confirmada como aquela que receberia os trilhos que comporiam os primeiros 123,13km da estrada que ligaria o porto da capital da Bahia a Juazeiro, às margens do Rio São Francisco.

 Embora não se possa dizer qual o impacto do documento enviado pela Câmara da Vila ao governo provincial, cujo teor, duro e incisivo, foi reproduzido em postagem anterior. No entanto, é possível inferir  que as ponderações ali contidas, podem ter sido tomadas em consideração, por aqueles que detinham o poder de decidir qual seria a trilha sobre a qual seriam assentados os trilhos, a partir dos quais o “progresso” e o desenvolvimento percorreriam o sertão baiano.

O referido documento apresenta o receio da liderança local, que temia perder a oportunidade de alavancar seus negócios, na medida em que a possibilidade de ser um dos pontos de passagem da ferrovia, seria de grande importância econômica, social e política. Tendo aquele meio de transporte como forma mais barata e rápida para fazer escoar suas mercadorias e, ao mesmo tempo, lhes propiciar acesso aos bens e serviços, a liderança local seria a maior prejudicada, caso fosse aquela expectativa frustrada.

A tal propósito, observe-se que, entre os argumentos apresentados pelos líderes alagoinhenses para se posicionarem contrários à especulada mudança do traçado inicial da ferrovia, estão na mesma ordem: a viabilidade e a inviabilidade daquela estrada passar por outro lugar que não Alagoinhas. Veja-se como se expressamos Edis de então: “Não podemos deixar de expor nossa opinião a esse respeito apresentando as grandes utilidades públicas, que resultarão do interior da
província, passando esta estrada por essa vila [...] Será enfim muito mais
conveniente ao bem público à passagem da estrada por estes lugares que pelo recôncavo que, sendo quase perto do mar é inacessível em tempos de chuvas”.

É também possível inferir-se que, ao sentirem a iminência de perder para outra vila, a ainda planejada estrada que ligaria o Mar ao sertão, a liderança local, ao elaborar o mencionado documento, procurava dar a si mesma, a chance de passar para a “história”, como tendo sido aquela que trouxera o desenvolvimento econômico, a modernização urbana e o fortalecimento político da Vila, com o fito de ser lembrada, estabelecendo assim um lugar de memória, a partir do qual pudessem dar a conhecer às gerações futuras, a sua capacidade de perceber o momento de tomar em suas mãos, os “destinos” da cidade que nasceria a partir da efetivação da cobiçada estrada de ferro.

Vista como o símbolo do processo de urbanização e modernização, então em pleno curso no Brasil do Segundo Reinado, não é sem motivos que a Ferrovia e suas estruturas concretas, bem como seus elementos simbólicos, ainda hoje são os principais lugares de memória da cidade, funcionando como monumentos de um tempo em que Alagoinhas fora “grande” e pujante. As edificações das estações de passageiros e cargas; das oficinas;da subestação elétrica; a condição de entroncamento ferroviário que ostentara por longos anos, são elementos concretos e simbólicos, de tempos em que a cidade fora beneficiada pelo apogeu das ferrovias brasileiras.

No momento em que elas são abandonadas e trocadas pelas rodovias; no momento em que o transporte ferroviário perde a primazia e é velozmente substituído pelo transporte rodoviário, tanto para levar as cargas, quanto para deslocar pessoas; quando o modal ferroviário entra em colapso e deixa de ter a atenção e os investimentos necessários à sua manutenção e modernização, as cidades cuja economia estava diretamente ligada a ele, são igualmente arrastadas para o declínio e estagnação.

Este é, precisamente, o caso de Alagoinhas. Nos seus cem primeiros anos de existência, teve sua vida econômica, social, política e cultural indissociavelmente vinculada à ferrovia que, primeiro, mudara o seu núcleo inicial de povoação; depois, estruturara seu caráter urbano e, dera-lhe feições de cidade pólo. Assim, todo o processo de crescimento,desenvolvimento e modernização  experimentado pela urbe alagoinhense guarda relação direta com o processo de crescimento, desenvolvimento e estancamento da ferrovia, que a fez ser elevada a condição de Vila e Cidade em um espaço de trinta anos, em detrimento de urbes mais antigas, como Inhambupe, por exemplo, que foi elevada a cidade (1896), bem depois daquela  que fora parte de seus domínios territoriais,  quando ainda era vila.

 

   Publicado em 11 de agosto de 2013

 

 

De volta ao século XIX – Alagoinhas vai ao encontro dos trilhos

 

Entre o tempo de sua emancipação de Inhambupe (1852-53) e a entrega da estação “Alagoinhas”, como parte final da construção do primeiro trecho da estrada de ferro “Bahia&Saint Francisco”, a vila talvez contasse cinco ou dez mil almas, se muito, dispersas pelos  arredores das suas edificações principais. Marcada por uma farta vegetação e grande presença de material propício  à construções simples e frágeis, Alagoinhas apresentava solo fartamente agricultável, o que indica ter forte inserção na produção agropecuária. A partir de sua boa localização geográfica, a vila acabara por se constituir em um ponto de interseção comercial, a despeito das dificuldades inerentes à falta de meios de transportes que desse a ela a possibilidade de melhor desempenhar o papel de “entreposto comercial”, se a expressão não for anacrônica.

Com a passagem dos trilhos da estrada de ferro por aquelas paragens, grandes mudanças eram esperadas pelas lideranças locais, na medida em que, de acordo com o pensamento corrente no século XIX, sobretudo, no Brasil de sua segunda metade, aquele era um empreendimento que traria no seu bojo, os germes do progresso e da modernização tão desejados pelos homens que lideraram as tratativas de emancipação política. E, sobretudo, se ergueram contra a possibilidade de perder aquilo que entendiam como o que seria o elemento fundamental para alavancar o desenvolvimento econômico da Vila.

 Ver a estrada de ferro passar por outro local que não Alagoinhas, segundo se presume ter sido o entendimento dos líderes locais de então, significaria condenar a vila ao atraso econômico, social e cultural. Para o observador distante, a rápida e enérgica reação da câmara de vereadores da Vila deixa entrever, a ideia de que os edis temiam ter diante de si, um indício  de que, caso  não houvesse resposta favorável ao pleito de manter a estrada de ferro passando pelas terras alagoinhenses, significaria uma perda substancial de prestígio político daquela liderança, junto às autoridades provinciais.

Embora ainda não se tenha informações que indiquem a continuação da troca de ofícios entre os líderes locais e as autoridades provinciais, o que se pode ter como certo é que no início de 1863, os trilhos da estrada de ferro acabam de ser implantados na vila e a Estação Alagoinhas é entregue para o tráfego, o que dá início aos tempos “modernos” de Alagoinhas, quando é ligada à cidade da Bahia, pelo meio de transporte mais rápido e eficiente de então.

Entretanto, a trilha dos trilhos da Bahia&Saint Francisco, acaba frustrando as expectativas das autoridades locais, na medida em que faz um traçado não esperado ou não desejado por aqueles que batalharam para ter suas terras valorizadas e seus empreendimentos comerciais, beneficiados pela tal estrada. Sua trilha passa a míseros 3 kilômetros do núcleo urbano da vila, em terras ainda pouco ocupadas, marcadas por uma vegetação larga e vasta.

As dificuldades de drenagem dos muitos alagadiços existentes no trecho percorrido desde o Riacho do Mel, até o local onde foi construída a estação, dá um indicativo das dificuldades de ocupação da área, sem que antes fossem realizadas obras que permitissem níveis aceitáveis de habitabilidade. Sem a execução de obras de infraestrutura como a construção de pontes, que permitissem atravessar o rio Catu, ou sem a execução de aterros de áreas de alagamento constante, impediria a população comum ocupar as áreas no entorno da estrada de ferro.

Por outro lado, não seria conveniente manter o núcleo populacional a tão grande distância do equipamento urbano mais moderno e importante da Vila, sob pena de fracassarem os esforços envidados, para que a vila de Alagoinhas se tornasse social, econômica e culturalmente avançada, na medida em que toda a movimentação das pessoas, das mercadorias e das ideias, a partir de então, se faria sobre aqueles trilhos.

Visto que a passagem da estrada de ferro em Alagoinhas já estava consolidada e o seu leito foi implantado há uma distância razoável do núcleo inicial da povoação, restava à municipalidade providenciar convencer aos cidadãos, da necessidade de irem todos ao “encontro dos trilhos””, a partir dos quais a ocupação populacional seria refeita e a estrutura urbana seria redesenhada. Não sem resistência, o mercado, a Câmara, a feira e, a Igreja, foram os primeiros elementos urbanos a serem deslocados para a nova vila de Alagoinhas.

 Uma vez que os homens de negócios eram os principais interessados na mudança e, quiçá, os mais beneficiados por ela, foram eles que logo se apressaram em fazer valer a autoridade que o seu prestígio lhes conferia, tratando de conseguir que o governo provincial desse caráter oficial à mudança da sede da vila de Alagoinhas, para o local onde estava plantada a estação ferroviária. É neste sentido que, para consubstanciar sua legitimidade, eles ganham do governo provincial o decreto com o qual a parcela resistente à transferência do núcleo populacional para a nova Vila é enfraquecida e isolada, mas não vencida, embora subjugada, não convencida. Só a força policial e legal fez com que a querela fosse sufocada. Aquelas autoridades, talvez não imaginassem que hábitos, modos de ser e pensar, não se muda por decreto nem se remove pela força, quer da lei, quer da espada.

 Desde então, o eixo a partir do qual a urbe seria constituída estava posto naquela trilha por onde passavam os trilhos da ferrovia, que vai desde uma acentuada curva para a direita, no trecho do riacho do mel, se estendendo até a estação final do trecho. A partir daquele eixo, a urbanização da nova vila se fez, no primeiro momento, vindo ao seu encontro, deixando para trás todo espaço urbano já iniciado;depois de ocupar a área próxima da estação e parte de suas adjacências, prossegui a ocupação urbana, ora seguindo-o paralelamente; ora dando-lhe as costas e subindo até encontrar o rio Aramari; ou uma vez mais dando-lhe as costas, fazendo o caminho de volta ao ponto de partida. Este último movimento só se dá com vigor e consistência, mais de cem anos depois do quase total abandono da primeira povoação.

 

Publicado em 18 de agosto de 2013

 

 

 

De volta ao século XIX - os trilhos na trilha de avultados negócios

Depois de discorrer resumidamente sobre o processo de implantação da estrada de ferro que moldou a então Vila de Santo Antônio das Alagoinhas, talvez coubesse aqui um pequeno parêntesis, para que se possa analisar um pouco o perfil daqueles edis que se levantaram contra a idéia que circulara e chegara até os egrégios senhores, não se sabe se concreta ou presumida, que dava conta da possibilidade daquela estrada não passar pelas terras da vila alagoinhense.

As lideranças do então distrito de Alagoinhas, que se empenharam pela sua emancipação, tinham diante de si, o desafio de fazer desenvolver a nova Villa, de modo a sustentar o pleito pelo qual se bateram durante algumas décadas, envidando todos os esforços no sentido de aproveitar cada oportunidade que se lhes oferecesse, no sentido de alavancar o crescimento da vila, inserindo-a no contexto econômico que permitisse o estabelecimento de meios que ensejasse a nova urbe, vida própria e próspera, com o que pudesse vir a justificar o empenho feito para obter a emancipação.

Desmembrada há pouco tempo da Vila de Inhambupe, Alagoinhas experimentara o estabelecimento de algumas famílias, cujo prestígio político estava diretamente relacionado à posse de terras e de escravos, o que permitiu ascender aos cargos político-administrativos mais relevantes, a partir dos quais puderam consolidar sua posição de liderança/mando, estreitando suas relações sócio-econômicas com lideranças regionais, entrelaçando os interesses comuns, de modo a garantir o atendimento de suas demandas, junto ao governo provincial.

É assim que em 1852, oito ilustres proprietários de terras e comerciantes da jovem vila de Santo Antônio de Alagoinhas são eleitos para a sua primeira Câmara, demonstrando a sincronia entre eleitores e eleitos, na construção do principal órgão administrativo e legislativo que tomaria posse em 1853 e, que constituiria as feições que a nova vila viria a ter, a partir de então. Portanto, no dia 2 de julho de 1853, assumem a tarefa de dirigir os destinos da nova vila, os cidadãos “Cel. José Joaquim Leal - 950 votos; Capitão Manoel Ferreira Cana Brasil – 805 votos; Capitão Pedro da Silva Mattos – 610 votos; Capitão José Moreira de Carvalho Rego – 505 votos; Reverendo Estêvan dos Santos Cerqueira – 500 votos; Capitão Francisco da Silva Mello de Andrade – 405 votos; João Batista Benevides - 400 votos; João Ramiro Machado – 356 votos”.

 

 

Conforme constatou Keite Lima, em dissertação já evocada outras vezes neste espaço, “os primeiros vereadores eram proprietários das terras que pertenciam à circunscrição territorial do povoado”. Tendo assumido o processo de estruturação da vila, trataram de buscar criar as condições que permitisse o desenvolvimento social e econômico da nova urbe. Eles deram início o ordenamento jurídico do lugar, implementando as primeiras “posturas municipais”.

Assim, conforme a professora Keite: ”Para os  fazendeiros, os comerciantes e os conselheiros, a ferrovia possibilitaria maior rapidez e volume no transporte da produção e no recebimento de mercadorias, além de funcionar como fator de atração para a região, graças à facilidade de acessos, trazendo trabalhadores livres e comerciantes”.

É neste sentido que surge a necessidade de dar a Alagoinhas um lastro sobre o qual se estabeleçam as bases de crescimento econômico, a partir do qual a nova vila passe a ser interessante ao investidor, no sentido de fomentar o comércio e a agricultura, de modo a valorizar as terras adjacentes àquela circunscrição. É assim que as notícias que circulavam, dando conta da pretensão de se construir a estrada de ferro que ligaria a cidade da Bahia ao sertão do São Francisco vem como uma grande esperança para aqueles proprietários de terras, que se encontram à frente do legislativo municipal.

Talvez atentos às circunstâncias que se lhes apresentavam desde a capital, que davam conta das tratativas em torno da construção daquela estrada de ferro, que levaria mercadorias, idéias e pessoas, em um vai e vem constante entre seus pontos iniciais e terminais. Quem sabe já conhecedores dos processos que nortearam a formação da “junta da lavoura” e, a posterior transferência do controle acionário para a companhia inglêsa que viria a empreender e construir a dita estrada, os edis perceberam na possibilidade do desvio do seu traçado, uma ameaça real e, se não combatida em tempo, irreversível às suas pretensões de tomar parte no processo de modernização econômica, social e política, então em curso na Bahia do início da segunda metade do século XIX.

Entre os signatários do documento enviado ao governo provincial já transcrito em arrazoado anterior, acham-se os nomes de alguns cidadãos, que não constam da lista dos empossados, o que poderia sugerir uma suplência. Mas também pode sugerir a existência de outros cidadãos, com interesses e preocupações idênticas às manifestas pelos edis em seu postulado, podendo ter sido convidados a subscrevê-lo. Logo, é de se presumir que, as preocupações por eles manifestas no áspero e contundente ofício dirigido ao governo provincial, direta e subliminarmente, estavam relacionadas à valorização das suas terras, à consolidação das suas posições de liderança junto à população e aos demais grupos que eventualmente viessem a contestar-lhes o poder local e, sobretudo, estavam aquelas preocupações relacionadas com o fomento dos seus lucros e o crescimento dos seus haveres, na medida em que, seriam diretamente beneficiados pela implantação e operacionalização da moderna estrada, que substituiria aquela que por tantos anos e, quiçá séculos, servira de elo entre o sertão e a cidade da Bahia.

 

 Publicado   em 25 de agosto de 2013

 

De volta ao Século XIX – Os trilhos na trilha do “prolongamento”

Concluídas as tratativas em torno da implantação da estrada de ferro Bahia&Saint Francisco, aos poucos ia ficando claro para as lideranças da vila, que ao se completar a construção do trecho de 123,7km, Alagoinhas seria sim, alcançada pela dita estrada. E mais: se tornaria por cerca de 17 anos, ainda que involuntariamente, o ponto final do trajeto iniciado em Salvador, uma vez que aquele era um pequeno trecho da grande ferrovia que se anunciara, cujo ponto final seria a vila de Juazeiro, onde a província baiana fazia divisa com a pernambucana.

 Portanto, parada em Alagoinhas, a estrada de ferro da Bahia&Saint Francisco Railway,não cumpria nem um terço do percurso pretendido, visto que a vila de Juazeiro distava dali, pouco mais de 450km, que a companhia inglesa não se dispôs a construir. Segundo já disse Etelvina Rebouças Fernandes, estudiosa do tema, na obra “Do Mar da Bahia ao Rio do Sertão Bahia and San Francisco Railway”, já evocada em outras ocasiões neste espaço, o trajeto implantado pela iniciativa da companhia, corresponderia exatamente aquele coberto pela garantia dos juros de 7%, acordada com o governo provincial. Ao que tudo indica, conforme as observações feitas por Rebouças Fernandes, as quebras de contrato produzidas pela companhia inglesa, não se limitaram ao não cumprimento do plano de obra, ao dar por terminados os trabalhos com a entrega da estação Alagoinhas.

Utilizando-se de relatórios técnicos para sustentar sua argumentação, a autora, citando um deles, indica que, ”em uma inspeção na estrada, em 1873, o engenheiro fiscal, Dionísio Martins, informa que "[...] a linha foi quase completamente reconstruída nos pontos mais importantes, tal foi o desleixo e a incúria da primitiva construção" (BENÉVOLO, 1953, p. 326).”

Rebouças Fernandes prossegue sua análise asseverando que “esta observação do engenheiro fiscal sobre a estrada, após treze anos de inaugurada e ainda sob os cuidados da companhia inglesa, que a administrava, só vem ratificar as observações dos fiscais da obra com relação à qualidade duvidosa dos materiais, contrariando o que o País esperava da atuação dos ingleses, que já haviam construído ferrovias desde 1825, e do engenheiro Vignoles, profissional conhecido por sua experiência na Europa.”

Ela segue seu arrazoado, lançando mão de um outro relatório, assegurando que “[...] havia uma agravante, pois o contrato celebrado entre a companhia e o empreiteiro John Watson deixava clara a exigência de "[...] execução de uma excelente estrada" (PENNA, 1860).”

Fica claro então que o desinteresse da companhia inglesa em levar a cabo o projeto inicial da estrada, além de frustrar as expectativas criadas e as apostas econômicas feitas pelos elementos diretamente interessados na sua efetivação, produziu um hiato no processo de desenvolvimento econômico e social da região por onde passaria, estabelecendo o retardamento da modernização das comunicações terrestres e da permanência das dificuldades enfrentadas pelos produtores locais, em fazer chegar sua produção ao porto de Salvador. É nesse sentido que Rebouças Fernandes assegura que, mesmo a companhia podendo ter usado a finalização precoce da construção da estrada em Alagoinhas, com o objetivo de pressionar o governo brasileiro a conceder maiores garantias para o emprego do capital empregado, acaba fazendo com que ”[...], toda argumentação para a construção da estrada, que tinha como pressuposto chegar às terras férteis e produtivas do "Alto Sertão ou Bacia do Rio São Francisco", não seja levada na devida conta, pelos capitalistas estrangeiros, que não logram obter os juros que pretendem, para remunerar os seus investimentos.

Assim, a vila de Alagoinhas é parcialmente beneficiada com a chegada da estrada de ferro que a liga a cidade de Salvador, na medida em que os ganhos esperados com a obtenção de facilidade de acesso à circulação das mercadorias que seguiriam com destino ao porto fluvial de Juazeiro e que de lá viriam, não se concretiza, resultando em mudança apenas parcial da situação econômica e social da região.

Para a  Alagoinhas, de per si, a reestruturação do cotidiano é substancial, pelo fato de ter promovido uma reorganização das estruturas urbanas em torno da estrada de ferro, o que demandou a revisão do processo de ocupação inicial da urbe, levando ao estabelecimento de novas bases sobre as quais o povoamento da vila se consubstanciou.

No entanto, fazia-se necessário dar curso ao processo de construção da ligação ferroviária, inicialmente proposta no projeto da Companhia ihglêsa, para que as outras vilas e “micro-regiões” por onde passaria, viessem a ser beneficiadas com a reestruturação da vida social e econômica, com o fito de permitir às suas populações serem alcançadas pela ampliação das oportunidades de modernizar e desenvolver polos produtivos, constituindo o almento das possibilidades de escoar para uma gama maior de mercados, os frutos das safras agrícolas e da atividade pecuária.

É neste contexto, que se dá início a segunda etapa do empreendimento viário que rasga as veredas por onde passará a estrada de ferro, conectando vilas e populações ao meio mais rápido de transportar pessoas e mercadorias que o século XIX conhecia:o trem. Depois de serem estabelecidas as bases financeiras e legais que permitiriam à Província da Bahia assumir o prosseguimento da implantação da ferrovia que partiria de  Alagoinhas e chegaria a vila de Joazeiro, 17 anos depois da entrega da última estação do primeiro trecho, dá-se a entrega da estação inicial do trecho que ficou conhecido como “prolongamento”, fazendo com que Alagoinhas vivenciasse as segunda e decisiva etapa de sua reestruturação urbana, na medida em que novos bairros começam a aparecer ao longo do novo traçado, à medida em que os trilhos avançam pelo tabuleiro, em direção ao então distrito de Aramari. Conforme informa Rebouças Fernandes, [...] “A linha foi aberta ao tráfego definitivo em 24 de fevereiro de 1896”.

Assim, talvez aqui se pudesse deduzir que houvesse um sentimento de euforia das lideranças políticas e econômicas, de parte das populações das cidades e vilas atravessadas pelos trilhos, que repousaram nas trilhas que os levaram à margem direita do grande rio do sertão,  uma vez que finalmente, começava-se a se tornar concreta, as expectativas de desenvolvimento e modernização, alimentadas desde os  anos em que as primeiras notícias que começaram a circular na região, dando conta da introdução de novos conceitos de transporte de pessoas, encomendas, mercadorias e ideias.

 

   Publicado em 01 de setembro de 2013

 

De volta ao Século XIX – Alagoinhas: transformações em curso.

 

Retomada a construção da segunda etapa da ferrovia que ligaria “o mar ao sertão”, a partir do ponto onde a companhia inglêsa não mais considerou rentável o empreendimento, pouco a pouco ia se tornando concreto o sonho acalentado por diversos anos, por aqueles indivíduos que viam grandes possibilidades de realizar avultados negócios, na medida em que a circulação de bens e serviços teria grande incremento, quando o caminho de ferro entrasse em funcionamento.

Nesse sentido, grandes esforços vinham sendo desenvolvidos pelo governo provincial, na medida em que, assume o ônus financeiro da obra, que, por seu tamanho e pela envergadura técnica, exigia grandes somas de capital monetário, na medida em que boa parte do material utilizado no empreendimento era importado, além do material rodante, necessário para o funcionamento da estrada de ferro. Por certo, não havia empreiteiro local que dispusesse sozinho dos meios financeiros e técnicos que permitisse os desenvolvimentos indispensáveis para a conclusão dos trabalhos, sem a participação financeira da Província baiana.

Portanto, depois de se terem passados dezessete anos do início das operações comerciais na estação de alagoinhas, tem prosseguimento o trabalho de construção do “prolongamento”, que precisará esperar outros dezesseis anos para chegar a termo, na vila de Juazeiro. Transcorreram-se quarenta anos, desde o lançamento do capital da companhia Bahia&San Francisco na Bolsa de Londres e a entrega da estação de Joazeiro, permitindo enfim, a ligação entre o porto da Bahia no litoral atlântico, ao porto fluvial do Rio São Francisco. Assim, abria-se, enfim, um acesso a partir do qual pudesse fazer sair daquele vasto sertão os seus produtos agropecuários, bem como, desse oportunidade de desfrutar de bens, serviços e ideias, vindos da capital.

Já se disse neste espaço, que nos trinta primeiros anos de efetivo funcionamento do caminho ferroviário, a vila de Alagoinhas foi a mais alcançada por desdobramentos advindos de tão grande alteração na paisagem econômica, social e política, relacionados à implantação de uma ferrovia. Desde a elevação de Alagoinhas à categoria de vila, ocorrida em 1853, apenas trinta anos foram precisos, para que ela galgasse a condição de cidade, com todos os ônus e bônus, inerentes a tão grandes e rápidas transformações.

O processo de transformações vivenciado por aglomerações urbanas impactadas pelas modificações promovidas pela chegada de algum elemento novo na sua estrutura, via de regra, sempre se faz acompanhar de profundas marcas na tessitura social, além de exigir uma  reconfiguração estrutural do lugar em causa. A chegada dos trilhos do caminho de ferro, partido de Salvador e a saída daqueles outros rumo a Juazeiro, redesenha o tecido social de Alagoinhas, sobretudo, no que diz respeito ao impacto social, político e econômico produzido pelo abandono da área onde já estava estabelecida a povoação inicial.

Com  efeito,impulsionada pela mudança no traçado da estrada de ferro vinda de Salvador e pela construção daquela que seguiria desbravando o sertão, Alagoinhas precisara ser reconfigurada, não só sob o ponto de vista da ocupação urbana, como também sob o ponto de vista das novas oportunidades de trabalho que precisariam ser criadas, na medida que a demanda por ocupação laboral, seria pressionada, não só pelos filhos da terra, como pelos que para cá viriam, atraídos pelos empregos diretos, que passariam a ser trazidos pelo setor de transportes.

Paralelamente a isto, acresce salientar que, no período que vai entre 1863, quando tem início a operação da estrada de ferro e 1888, quando a escravidão é legalmente extinta, havia uma convivência concorrencial entre as formas de utilização da mão de obra, então em curso no Brasil: a livre e a escrava. Desde o momento em que a mão de obra é legalmente livre e, o mercado passa a regular mais esta atividade da economia, os processos de absorção se fazem mais complexos, na medida em que aqueles que até então eram escravos, não foram capacitados para desenvolver novas possibilidades de inserção no mercado de trabalho, resultando em um grande número de atividades informais, sendo desenvolvidas, precisamente por aqueles que outras formas não possuíam de bastar-se a si e aos seus.

Muitos são os indivíduos que, excluídos da possibilidade de aceder aos postos de trabalho criados pelo setor mais moderno da economia urbana de então, vêm-se lançados na faina de ganho incerto, no labor árduo e permeado das incertezas quanto a existência nos dias seguintes e quanto ao amparo em caso de doença e/ou velhice. Assim, tem-se figuras que povoam um imaginário coletivo, cada vez mais distantes das novas gerações, que são muito importantes do ponto de vista da construção memorialística, levando a efeito suas atividades de jornaleiros, aguadeiros, vendedores de guloseimas, de frutas e produtos sazonais, carregadores de bagagens e mercadorias, que formavam o mundo do trabalho informal, que fervilhava nas estações, sujeitos ao ritmo das chegadas e partidas dos trens.

 

   Publicado em 08 de setembro de 2013

 

De volta ao século XIX - Alagoinhas nas trilhas da “Era das Ferrovias” - I.

 

Ao conseguir fazer publicar em 1852, o Decreto provincial que a emancipava da jurisdição de Inhambupe e tendo dado posse à sua primeira Câmara em 1853, Alagoinhas ganha não só a condição de Vila, mas, sobretudo, é levada a entrar na “Era das ferrovias”, no momento em que sua disseminação se faz necessária à reprodução dos capitais resultantes dos elevados lucros auferidos pela industrialização nascente no norte da Europa.

Não obstante o seu potencial geopolítico, fundamentado não só em possibilidades consubstanciadas na sua localização geográfica e na abundância de seus recursos naturais, a vila nascia sob o peso de uma mentalidade provinciana e ruralista, estruturada sobre a grande propriedade agropecuária, e a exploração do trabalho escravo, como de resto toda a província baiana e todo o império brasileiro.

 Talvez se possa inferir, a título de hipótese que, ao mesmo tempo em que as lideranças locais se batiam pela obtenção da emancipação política, sobretudo, à medida em que grandes quantidades de capital eram potencializadas pelo fim do tráfico de escravos, é provável que já se pensasse em dar à nova Vila, feições de desenvolvimento econômico e social, uma vez que a elite baiana em geral e da região de Alagoinhas em particular, certamente não ignorava o ímpeto do capitalismo nascente, em se fazer reproduzir fora das fronteiras europeias.

Etelvina Rebouças Fernandes, já outras vezes evocada aqui, através de uma citação da época, informa que “O Presidente da Província em 1846, Francisco José de Sousa Soares D'Andréa, declarou que a estrada da capital até a "Vila de Joaseiro seria importante para facilitar as comunicações das Províncias do Norte com o Piauí, além de incentivar a navegação do rio São Francisco". (D'ANDREA, 1846).”

Ainda com base no que levantou Rebouças Fernandes, “mais tarde, em 1848, João José de Moura Magalhães, também presidente da Província, refere-se à estrada de ferro da Bahia ao São Francisco, como uma obra necessária para o desenvolvimento social e econômico da região do São Francisco, e, conseqüentemente, da então província da Bahia (MAGALHÃES, 1848).”

Portanto, depreende-se que, as lideranças econômicas, políticas e sociais da nova vila, ao se defrontarem com a necessidade de efetivar sua posição nas novas conjunturas que se lhes apresentavam, já dispusessem de conhecimentos do surto ferroviário,  bem como das discussões por ele suscitadas, acreditando haver grande possibilidade de inserir Alagoinhas em uma rota desenvolvimentista, puxada precisamente pela abertura dos caminhos de ferro, então o setor mais moderno e lucrativo do industrialismo nascente.

É neste sentido, que o historiador britânico Eric J. Hobsbawm (1917-2012), a quem se dará a palavra, pôde afirmar em texto que trata precisamente da “Revolução industrial”, que

”Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia, como testemunha o fato de ter sido o único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela imagística da poesia erudita e popular. Mal tinham as ferrovias provado ser tecnicamente viáveis e lucrativas na Inglaterra (por volta de 1825-30) e planos para sua construção já eram feitos na maioria dos países do mundo ocidental, embora sua execução fosse geralmente retardada. As primeiras pequenas linhas foram abertas nos EUA em 1827, na França em 1828 e 1835, na Alemanha e na Bélgica em 1835 e até na Rússia em 1837. Indubitavelmente, a razão é que nenhuma outra invenção revelava para o leigo de forma tão cabal o poder e a velocidade da nova era; a revelação fez-se ainda mais surpreendente pela incomparável maturidade técnica mesmo das primeiras ferrovias. (Velocidades de até 60 milhas - 96 quilómetros - por hora, por exemplo, eram perfeitamente praticáveis na década de 1830, e não foram substancialmente melhoradas pelas posteriores ferrovias a vapor.) A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes, com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia”.

A despeito da citação referir-se aos anos iniciais da primeira metade do século XIX, chama a atenção o fato da vila de alagoinhas ter sido inserida no contexto da “era Ferroviária”, ainda em sua plena efervescência. Apenas três anos após a sua elevação à condição de Vila, são levados a bom termo, os processos de criação da companhia inglesa que executaria as obras de construção da ferrovia, que daria os contornos sociais, políticos e econômicos indissociáveis no trabalho de formação das concepções de mundo e do quotidiano de Alagoinhas.

 

   Publicado em 15 de setembro de 2013

 

De volta ao século XIX - Alagoinhas nas trilhas da “Era das Ferrovias” - II.

 

Uma vez inserida no contexto da “era das ferrovias” a cidade de Alagoinhas chega nas décadas finais do Século XIX, com seus contornos urbanos já bem delineados, estruturados em torno do eixo traçado pelas trilhas formadas pelos trilhos que deram forma e, balizaram os processos de urbanização, levados a efeito nos anos posteriores.

Neste sentido, se apresenta um elemento diferenciador na orientação do processo de ocupação dos espaços fundiários da nova cidade, artificial e astuciosamente imbricada aos leitos ferroviários que foram tomados como marcos definidores da configuração espacial urbana.

Contrariando a tradição colonial, da qual ela mesma fora signatária na sua configuração inicial, então já abandonada pelos principais membros da nova elite local, a cidade de Alagoinhas estava construindo sua paisagem urbana, não mais em torno da Igreja, da casa da Câmara e da Cadeia, construídas em uma praça, a partir da qual escorregava o casario. Desde a Resolução de número 1013, de 16 de abril de 1868, que oficializou a transferência da povoação inicial, para cerca de 3km abaixo da velha praça principal, a Estação Ferroviária, ou melhor dito, as estações ferroviárias, passariam a ser os eixos a partir dos quais seriam feitos os arruamentos, o ordenamento do solo, a ocupação dos espaços que funcionariam como núcleos formadores dos futuros bairros residenciais e das áreas comerciais.

Aqui, convém mencionar as impressões de um visitador da Província baiana, encarregado de constituir uma espécie de relatório sobre o território provincial, afim de informar como se encontravam as vilas e cidades implantadas, talvez com o objetivo de se fazer saber, as reais dimensões e o estado das coisas, a milhares de léguas da capital. Durval vieira de Aguiar, em suas “Descrições práticas da Província da Bahia : com declaração de todas as distâncias intermediárias das cidades, vilas e povoações“, publicada no final da década de 1880, logo no início de suas considerações acerca de Alagoinhas, afirma que “Até o ano de 1866 a atual cidade constava apenas de umas quatro casas de telha junto ao rio, de um trapiche, das acomodações da estrada de ferro e de uma meia dúzia de casas de palha perto do barracão da dita estrada. Chamavam a esse insignificante lugar simplesmente - a Estação.” Não se perca de vista, que o arrazoado em apreço, se refere a um momento situado a apenas três anos depois da inauguração da estação terminal da estrada inglesa.

Mais adiante, ainda descrevendo a vila onde fora iniciado o povoamento, Aguiar assegura que “[...].A edificação sólida e numerosa, continha também bons sobrados; a praça comprida e larga era, nos sábados, ocupada por uma grande e abundantíssima feira, em volta da qual, tanto em lojas como em botecos (toscas barracas volantes), se achava o comércio, que então fazia avultados negócios.” Tendo em conta a descrição do “visitador”, talvez se possa inferir que, para além da aprazibilidade geral do espaço então ocupado pela vila de alagoinhas, tratava-se de um lugar relativamente desenvolvido, nos termos da realidade temporal em que estava inserida.

Talvez por isto, Durval Vieira de Aguiar apresente em seu relatório, um posicionamento favorável ao antigo lugar da povoação, lamentando o deslocamento  do núcleo urbano inicial para o espaço denominado “estação”, sem contudo deixar de reconhecer as motivações que emprestaram sucesso a operação. Diz ele:

“Hoje acha-se essa vila injustamente quase desabitada, e as casas em ruínas por não encontrarem valor senão para as telhas; sendo tal o seu estado que nem merece o nome de Alagoinhas Velha que lhe dão, não obstante ser moradia mais agradável, salubre, fértil e de melhor clima do que a da cidade, que de pobre estação, apenas amparada pelo capricho partidário local, conquistou, embora à força, a felicidade de ser escolhida para o mercado da feira, a despeito da oposição de quase a população inteira. Apesar dos protestos dos negociantes e moradores da vila, uma vez mudada a feira, foi logo esta disputada por uma enorme emigração que lhe chegava aceleradamente de toda a parte, edificando irregularmente lojas e domicílios, à revelia, sem dúvida, da municipalidade, no lugar que a cada um mais convinha, de forma que em pouco tempo achava-se construída uma praça rodeada de casas comerciais, pois que os negociantes da vila, vendo-se prejudicados com a invasão de estranhos, haviam, sucessivamente, também se estabelecido no novo mercado, conservando, porém, na vila suas residências, algumas até em magníficos sítios, que por duplo interesse não queriam perder;[...].”

Portanto, não é sem ferir suscetibilidades, que se apresenta a nova configuração espacial e urbana de Alagoinhas, estruturada sobre um eixo moderno, filho da “revolução industrial” e do avanço do capitalismo sobre os elementos agrários e tradicionais, que até então regeram a música do desenvolvimento social das povoações erigidas até então. A música composta, regida e executada sob a maestria do capitalismo nascente, imprimia sua marca e impunha seu ritmo a todos quantos fossem seus espectadores ou partícipes do concerto, ora em apresentação. Ali, o “modal” ferroviário, alhures, o “modal” rodoviário, compuseram os pilares sobre os quais a vida social, econômica, política e cultural de alagoinhas se fez fluir e refluir, ao longo dos sua secular existência, enquanto urbe emancipada.

 

   Publicado em 22 de setembro de 2013

 

 

De volta ao século XIX - Alagoinhas nas trilhas da “Era das Ferrovias”- III.

 

A ainda jovem vila de Alagoinhas vivenciara nos vinte primeiros anos posteriores à sua emancipação político-administrativa, uma luta entre as velhas estruturas agrárias, fundamentadas na posse da terra e na utilização da mão de obra escrava, como elementos síntese de seu “modus vivendi” e, as novas estruturas de caráter urbano-capitalistas, fundamentadas na subordinação dos meios de produção e das forças produtivas, aos elementos norteadores da obtenção de lucros.

 Ao concluir o arrazoado anterior, o autor destas linhas asseverou que não é sem ferir suscetibilidades, que se apresenta a nova configuração espacial e urbana de Alagoinhas, estruturada sobre um eixo moderno, filho da “revolução industrial” e do avanço do capitalismo sobre os elementos agrários e tradicionais, que até então regeram a música do desenvolvimento social das povoações erigidas até então. A música composta, regida e executada, sob a maestria do capitalismo nascente, imprimia sua marca e impunha seu ritmo a todos quantos fossem seus espectadores ou partícipes do concerto, ora em apresentação. Ali, o “modal” ferroviário, alhures, o “modal” rodoviário, compuseram os pilares sobre os quais a vida social, econômica, política e cultural de alagoinhas, se fez fluir e refluir, ao longo dos sua secular existência, enquanto urbe emancipada.

consubstanciadas pelos elementos do modal ferroviário que se impusera à vontade manifesta por grande parte das antigas lideranças locais, a primeira e mais significativa destas estruturas capitalistas, acabava de se instalar em terras alagoinhenses, passando a dar forma a sua tessitura social, e estabelecendo os parâmetros sobre os quais aquela cidade nasceria, cresceria e se desenvolveria dali em diante.

Assim, prevaleceram os interesses interpostos pelas lideranças vinculadas à nova configuração urbana, não obstante terem permanecido na tradição oral, os sinais das resistências oferecidas pelos moradores da vila, localizada no espaço geográfico em que se desenvolveu o primeiro núcleo de povoação, indicando seu descontentamento pelo abandono dos lugares de habitação e de “memória”, provocado pelo  deslocamento das atividades administrativas e comerciais, para um núcleo  populacional artificialmente plantado nas cercanias da estrada de ferro.

Como já foi salientado no arrazoado anterior, com o fito de viabilizar o  novo núcleo de ocupação da Vila estruturado a partir dos trilhos que lhe serviriam de “eixo” norteador, as novas lideranças políticas e sociais do lugar, precisaram valer-se das ferramentas jurídicas de que dispunham e, até mesmo criá-las, conforme as circunstâncias o exigissem.

Em textos memorialísticos, escritos pouco mais de um século após os distúrbios decorrentes da mudança do centro nervoso da parte antiga da vila, para a sua nova configuração espacial, Juanita Cunha dos Santos e, Salomão Barros, cada um à sua maneira, apresentam suas impressões daquele momento de transição.

Juanita Cunha dos Santos, cuja obra foi publicada em 1987, Assegura que ”uma  minoria da  população  começou espontaneamente a se  transferir para a ”Estação” ou a ”Linha”, como diziam, ou seja, para as proximidades da Estrada de Ferro. Depois houve a transferência oficial da cidade, decisão esta que revoltou a população, precisando de reforço policial, quando da mudança da feira livre para  aquele local”.[...] “A antiga vila ficou sendo chamada Alagoinhas Velha. Nesta havia muitos sítios, com grandes plantações de laranjeiras e algumas  lavouras de pouca expressão. Possui um clima ameno e saudável e  maior altitude que a cidade nova”.

Conforme avaliou a memorialista, nascida na década de 1920 e, filha de um dos prefeitos da cidade, As ruas principais de Alagoinhas Velha são duas ruas paralelas; que contam a história das brigas e violências da população, ali  desenroladas, quando da transferência do povoado, no princípio do  século. As mudanças eram feitas debaixo de apupos, pedradas, ao  som de versinhos que insultavam... Era a maioria reclamando uma  desintegração cultural. Era o medo da vila decair com o aparecimento  de uma outra cidade ali tão pertinho, numa situação privilegiada de  posicionamento, e contando com uma grande área de tabuleiro em  terreno plano. Era a previsão de desenvolvimento e progresso para  a futura cidade que contava com facilidade de transporte para a Capital e várias outras cidades do interior baiano. Era o desabafo dos  que ainda lutavam pela sobrevivência de um lugar condenado à estagnação e decadência. E decaiu! Muitos anos ficaram as suas ruas  cheias de bancos de areia, e em cujos terrenos processava-se um  lento trabalho de erosão; seu casario, estragado pelo tempo, uma  população  insignificante,  sem comércio, enquanto a  cidade nova  crescia. 

A narrativa memorialística transcrita acima, deixa subliminar a possibilidade de terem os conflitos avançado para além dos anos iniciais de sua deflagração, podendo ter chegado a se fazerem latentes, ainda nas primeiras décadas do século XX, ao ponto de ter ficado na memória da escritora. Aliás, a tal propósito, assevera ela que “Estes fatos são geralmente narrados de pais para filhos, numa  sequência histórica de tradição oral. Eles são documentos que informam as idéias, os problemas, esperanças e preconceitos de uma  época que não se perdeu no tempo”.

Ao que parece, Salomão Barros, cuja obra foi publicada em 1979, entende que os conflitos, embora tenham havido, se circunscreveram ao tempo de sua deflagração, tendo sido resolvidos com o uso da força e da lei e, sufocados pelo êxito do empreendimento, demonstrado pelos seus resultados. Para ele, “com a chegada dos produtos da terra e seus vendedores, o que se verificou pouco a pouco, - isso a partir do mês de outubro do mesmo ano de 1868, - tornou-se uma das mais crescidas feiras do interior baiano, como ainda hoje o é, no mesmo local onde ainda vêm se realizando”.

Conforme descrição feita por Durval Vieira de Aguiar, alguns anos depois dos eventos protagonizados pelos que resistiam à mudança imposta pelas novas condições econômicas e sociais do processo de desenvolvimento urbano de Alagoinhas, ”o comércio é ativo, grande, animado e faz avultada exportação para a capital, pela estrada de ferro, - de açúcar, farinha, tapiocas, feijão, milho, café, fumo, gados, couros, aves, ovos, etc, etc; sendo tão grande o mercado do fumo que diversas casas comerciais da nossa praça ali conservam agentes compradores que empregam em tal negócio centenas de contos.

Mas é Juanita Cunha dos Santos, quem tem uma melhor percepção das mudanças produzidas pelo ingresso de Alagoinhas na “era das ferrovias”, visto que o seu posto de observação está situado a uma grande distância da fervura das caldeiras que alimentaram as locomotivas que engatadas na economia, na sociedade e na política da cidade, imprimiram maior velocidade ao curso do tempo que imperou sua primazia. A memorialista constata que “com um meio de transporte fácil e barato,  a população da cidade, até então condenada ao isolamento começou a viajar, a se  comunicar, a viver melhor, comportamentos que elevaram a mentalidade do povo, refletindo, sobremaneira, na vida sócio-cultural do  lugar. 

 

 

    Publicado em 29 de setembro de 2013

 

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