Os cheiros da infância – Alagoinhas 1965-1974 – José Jorge
Andrade Damasceno
Originalmente publicado no jornal Alagoinhas Hoje em 12 de maio de 2013
Como grande parte das cidades de seu porte, Alagoinhas exala
cheiros que marcam a vida dos que aqui nasceram ou viveram desde a infância. O
período aqui especificado relaciona-se diretamente com os primeiros anos de
vida do autor destas linhas, mas pode muito bem relacionar-se com lembranças de
muitos dos que lerão os próximos parágrafos deste arrazoado.
De modo análogo ao tratamento que se tem dado às memórias de
diversas pessoas, das quais foram recolhidas impressões, que depois foram
transformadas em textos lidos neste espaço, recorrer-se-á à própria memória
para tentar descrever um pouco das lembranças olfativas que repousam no âmago
das reminiscências deste escrevente. Reitera-se, que, a despeito de algumas
destas lembranças serem individuais, não impede que outras pessoas as tenham,
se não na mesma dimensão ou no mesmo grau de intensidade, ao menos de modo a se
poder dizer tratar-se de uma memória olfativa comum a diversos indivíduos que
viveram à mesma época aqui evocada.
A região da cidade onde vive este autor, sempre foi um arrabalde
apartado do centro da cidade, umlogradouro quase rural forjado a partir de
loteamentos de fazendas desativadas. Ali predominava atividades de criação de
gado leiteiro, abate de animais de pequeno porte para abastecer a feira local,
até mais ou menos o período final de que se ocupará este texto.
Por conseguinte, o cheiro mais comum e mais marcante no
quotidiano dos moradores daquele local era o dos currais próximos, muitas
vezes, contíguos às residências dos pequenos criadores ali estabelecidos.
Área abundante em vegetação rasteira e, nos anos iniciais
aqui balizados, ainda nativa, dava às noites e amanheceres um toque todo
especial, com aromas deliciosamente indescritíveis, muitas vezes exalados não
se sabendo exatamente de onde. Eram as “quaranas”, cujas flores davam ao olfato
uma sensação muito agradável, envolvendo os apreciadores com um cheiro
levemente adocicado, indicando uma noite estrelada de céu limpo e pronto para o
alvorecer de uma nova manhã.
Já o luxuriante desfilar de árvores de grande porte, como as
jaqueiras, ingazeiras, mangueiras, jambeiros e cajueiros, abundantes em toda a
área que vai das margens da linha férrea até perder-se na imensidão da serra
alcançada apenas se atravessasse o rio Aramari, dava um toque especial ao
ambiente, sobretudo, quando em processo de floradas, indicando abundância
daqueles frutos que faziam a alegria dos paladares aguçados da garotada.
Pessoalmente, é possível evocar e trazer de volta aos
sentidos, aquele cheiro inconfundível de café, que enchia o as casas e se
espalhavam pelo ar, fosse ao raiar da manhã, ou no cair da noite.
E o que dizer daquele “cheiro” quase nauzeabundo de sebo
cozinhando em uma fábrica de sabão, que por muitos anos, marcou o fim da tarde
e o início da noite da rua 2 de Julho e suas cercanias?
E os cheiros de fritura de toicinho, de carne de sertão ou de
peixes secos e baratos, que eram a base alimentar de grande parte dos moradores
da área aqui evocada? Tais aromas enchiam os ares, sobretudo, ao cair da noite,
quando os frugais jantares eram preparados e servidos, após um dia de trabalho
para os adultos e de traquinagens para as crianças!
Não dá para esquecer o cheiro dos fogões de lenha, que logo
pela manhã eram acesos, a fim de que, depois de feito o café e cozido o cuzcuz
de fubá de milho, durante todo o resto do dia, se pudesse preparar a
alimentação da família, para atender as necessidades de cada membro, desde os
mais tenros bebês, aos mais idosos anciãos, cujo aroma se perdeu no tempo, na
medida em que foram substituídos pelos práticos e versáteis fogões a gás.
Aqueles, mesmo nas residências dos mais pobres, acabaram por se tornar inexoráveis,
visto que, a lenha que alimentava o velho, rústico e cada vez menos eficiente
fogão, em geral, artesanalmente construído de barros ou tijolos, já não mais se
podia encontrar com facilidade nas redondezas.
Já cercadas para formação de pastos ou reservas de outra
ordem, as áreas onde se obtinha a lenha que alimentava o voraz fogão, se faziam
cada vez mais escassas, como escasso se fazia o exalar do cheiro de sua
combustão.
Para falar de modo mais geral, como esquecer o cheiro do
“Café O Barão”, que marcou a memória olfativa daqueles que estudaram no
Brasilino Viegas, trabalharam no comércio ou venderam na “Feira do Pau”?
Era um cheiro luxuriante, convidativo a acercar-se do balcão
do local onde se torrava, moía aquele famoso café da cidade, para lá saborear o
cafezinho sempre quente que por muitos anos foi prodigamente distribuído aos
freqüentadores daquele estabelecimento. Era uma marca indelével de Alagoinhas,
o cheiro do “Café O Barão”, sendo torrado. O centro de Alagoinhas, que já não
tem mais esta marca, se caracterizava pelo cheiro do café, pelo movimento de
manobra dos trens e pela feira que ocupava toda a área que vai desde os muros
do prédio da escola Brasilino Viegas até as imediações do prédio da Prefeitura,
quando nas sextas e nos sábados, todo aquele espaço estava tomado por grande
variedade de mercadorias e de mercadores, além de imiscuírem-se todos os tipos
de aromas, para alegria dos olfatos mais apurados ou repugnâncias dos
organismos mais frágeis.
Outros cheiros poderiam ser aqui evocados, como o de “Seu
“Joãozinho da Injeção”, ou o das bananas
cozidas” quando das febres; ou os oriundos dos banhos com sabonetes Phebo,
produto raro, que só aparecia em ocasiões especiais; produtos Gessy; cheiros de
roupas lavadas, tão comum no dia a dia deste autor; ou mesmo os cheiros de
quintais. Mas é já hora de terminar, deixando aberto o espaço para o leitor
fazer suas próprias evocações daqueles cheiros que lhes possam remeter aos idos
de sua infância e/ou juventude, talvez já distantes como a do escrevente;
talvez ainda menos longínqua, quem sabe!
Jose Jorge Andrade Damasceno é doutor em História Social e
professor da UNEB, Campus II, Alagoinhas.
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