quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A segunda investida na "memória musical".

 

Um escrevedor fala de memória musical II.

Nesta segunda incursão no recanto da memória deste escrevedor, coletivamente construída, se fará um mergulho no tempo até o ano da graça de 1969. Aquele fora um ano bastante movimentado, em vários campos do viver cotidiano dos habitantes do mundo ocidental que vivia o auge da chamada “Guerra Fria”, com o foco no esforço norte-americano no sentido de dobrar o “Vietnam” ao julgo do capitalismo que queriam impor por suas armas; os terráqueos assistiam estupefatos o pouso da Apolo 11 na lua, mediante grande espetacularização do feito, que também era parte do esforço norte-americano pela hegemonia na corrida espacial, que travava com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; os brasileiros viviam os seus “anos de chumbo”, sob o signo do Ato Institucional N.o 5; também viviam o tempo dos grandes festivais de música popular; apreciava-se o movimento da “jovem guarda”, com as versões de Rossini Pinto (1937-1985),que fizera de sucessos executados no norte da América e na Europa, cujas melodias eram de músicas originalmente gravadas em inglês, francês, italiano entre outras, que ganhavam letras em português, com temáticas variadas, sobretudo, relacionadas aos amores vividos, perdidos, desejados, algumas traziam temas relacionados aos movimentos capitaneados pela juventude burguesa – majoritariamente europeia e norte-americana -, que se convencionou denominar de “Contra cultura”, trazidas à interpretação de gente como Wilson Simonal, Wanderléa, Vanusa, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Roberto Carlos, os Incríveis, The Fevers, entre tantos outros.

Em Alagoinhas, 1969 se inicia com este escrevedor sendo levado pela primeira vez ao Grupo Escolar Brasilino Viegas, para ali começar a sua vida estudantil; também naquele ano, chegava à energia elétrica em sua casa. Devido à expansão daquele serviço público aos novos espaços de residência de pessoas de baixa renda, acabou por propiciar a instalação da novidade na modesta casa onde viviam mãe e três filhos.

E, a energia elétrica em casa, significava ouvir rádio e, nele, ouvir músicas em profusão, visto ele não possuir meios de audição de discos. É cediço que o rádio tem uma importância crucial na formação deste escrevente, uma vez que por grande parte de sua vida, o rádio foi o seu livro, o seu jornal, o seu formador de vocabulário, o seu construtor de consciência política, a sua companhia nas horas insones, tão comum a ele e, parece que igualmente comum aos que não enxergam, conforme se foi constatando à medida que tomava contato com outros cegos e tomava conhecimento deste fenômeno que  sempre acreditou ser um evento somente seu.

Como já foi dito na crônica anterior, a memória musical deste que garatuja estas linhas, é plena de reminiscências de melodias, algumas completas, outras, em grande parte, fragmentadas, que vez por outra surgem nos seus pensamentos, quase sempre trazendo outros elementos consigo, que permitem sentir cheiros não mais existentes, paladares muito distantes no tempo e, até mesmo sensações táteis de espaços já não mais visitados e superfícies há muito não mais tocadas.

Assim, ao trazer à superfície da memória algum fragmento de melodias que ouvira há já um bom tempo – ou mesmo há não tanto tempo assim -, uma gama de lembranças assoma ao pensamento e desencadeia um turbilhão de sensações, que, saliente-se, demora o tempo apenas suficiente para que o rememorar se configure e o rememorante se assegure de não estar em uma realidade sólida, mas sim, em uma realidade que já se configurou em passado.

O ano de 1969 foi pleno de músicas que ficaram na memória deste escrevedor e, a que hoje vos será apresentada, ficou por muito tempo como fragmentos de melodia e letra, visto que com o passar dos anos, ela foi esquecida pelos produtores de programas de “flash back” das emissoras de rádio brasileiras, ou, pelo menos, aquelas que eram ouvidas com regularidade. Mas, as lembranças de seus fragmentos traziam consigo as demais lembranças acima aludidas, o que açulava a vontade de ouvir de novo aqueles acordes, pois, por eles, vinha a saudade de um tempo que fora vivido, mas que a ele não mais se poderia voltar.

Chega a era dos computadores e da internet e, com eles, o desejo de encontrar tais músicas. Para tanto, se fez várias incursões com o fito de encontrar: se sabia o nome do intérprete – Antônio Marcos (1945-1992). Mas, não se sabia o nome da música, embora a sua melodia estivesse nítida na “memória auditiva” de quem a procurava.

Depois de algum esforço para juntar os fragmentos da letra que ainda estavam na memória, se conseguiu um trecho mais ou menos coerente da letra, que dizia: “... eu preciso encontrar alguém que viva só; eu preciso achar alguém que sofra como eu também; se então, alguém souber de quem não teve amor: mande este alguém falar comigo, por favor....”.

É interessante notar que, foi feita uma busca em alguns sites que listam um grande número de cantores e as suas músicas mais executadas – o dicionário Cravo Albin, inclusive. Antônio Marcos aparece, em quase todas as listas. No entanto, a música que se procurava, não apareceu em nenhuma delas.

Assim, ao pesquisar no Google usando o trecho acima, finalmente se chegou à música tão desejada de ser encontrada e ouvida... “Eu preciso Encontrar Urgentemente”, este é o seu título.

Ao penetrar o som daquela melodia nos ouvidos deste escrevedor, vieram as lembranças do tempo em que se contava oito, nove ou dez anos, com vários cheiros e sensações táteis vindo ao rememorar.

Evidentemente que para esta memória, a letra não estava relacionada a um “amor” não tido ou perdido. Mas, estava relacionada com a solidão que já se fazia marca indelével do viver deste lembrador, uma vez que os seus amigos eram poucos, pouquíssimos, se diria; os seus colegas de escola, moravam longe e não se podiam encontrar, quer para estudarem juntos; quer para fazerem estripulias de meninos; os seus irmãos eram mais velhos e já possuíam uma rotina diferente da dele...

Então caríssimos leitores, aí está o link daquela música que não se ouviu por largos anos, mas que permaneceu sob profundas camadas de memórias, apenas esperando ser convocada à superfície, mediante os primeiros acordes de sua composição melódica, quando viessem a ser ouvidos. Está inserida no primeiro disco daquela carreira que fora interrompida pelo álcool, associado a outros problemas existenciais de Antônio Marcos, cuja vida fora consumada tão precocemente.

 

https://youtu.be/Yqs0HWRDQDg


Professor José Jorge Andrade Damasceno - 08 de outubro de 2020.

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