segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Histórias e Memórias de Alagoinhas, pelos escritos de Maria Feijó - XXI

 

Histórias e memórias de Alagoinhas, pelos escritos de Maria Feijó – XXI –A literata prepara o monólogo de Marta.

 

Há largos e já bons sete anos, se tem procurado refletir sobre as Histórias e as Memórias de Alagoinhas, a partir da leitura dos escritos de Maria Feijó, sobretudo, aqueles produzidos em prosa – Alecrim do Tabuleiro (1972); Pelos Caminhos da Vida de uma Professora Primária (1978); Pensionato Paraíso das Moças & Outros Ensaios (1988) -, visto que a sua obra é bem mais vasta e composta majoritariamente de poesias. Era outubro de 2013, quando esta série começou a ser publicada no jornal eletrônico “Alagoinhas Hoje”, em um espaço chamado “Histórias e Memórias”, que foi gentilmente reservado para este escrevedor, pelo seu editor, um amigo de largas décadas, o licenciado em história e jornalista, feito nas redações de diversos jornais alagoinhenses e soteropolitanos, Maurílio Fontes.

Até maio de 2015, foram publicados  dezesseis arrazoados naquele periódico, tendo os quatro primeiros deles, já sido revistos e publicados como um dos capítulos do livro “Alagoinhas: histórias e historiografia”, organizado pela professora Eliana Batista; alguns outros tiveram partes inseridas em artigo publicado na revista eletrônica “Veredas da História”, além de outros daqueles textos, que ganharam forma de artigos e se encontram ainda inéditos. Depois de alguns anos, tem sido retomada aquela análise, com a publicação do arrazoado de número 16, revisto e ampliado, que ensejou o desenvolvimento dos escritos trazidos ao público leitor deste blog.

Como se tem salientado desde então, “Pelos Caminhos da Vida de uma Professora Primária”, é uma obra a partir da qual se pode fazer várias leituras, pode se ter várias compreensões no que tange ao conjunto de sua composição e, a partir dela construir uma gama variadíssima de interpretações, evidentemente, dependendo do ponto de observação escolhido por quem se disponha a esquadrinhá-la e examiná-la.

Assim é que, ao escrever no arrazoado publicado na já mencionada obra organizada por Batista em 2015, postulou-se a assertiva de que “[...], em toda sua obra, pode-se perceber a prevalência  dos ”elementos constitutivos da memória”, mediante os quais, Feijó  tece as suas narrativas, apontando ao pesquisador, inúmeras pistas, a  partir das quais deverá desenvolver suas investigações, no sentido de  escrever sobre a história por ela contada, de modo a confrontar as memórias construídas sobre um tempo, um lugar, um fato ou um sujeito  dado”. (DAMASCENO, 2015, p. 127).

Ao que parece, Feijó procura construir aquilo que se chamaria de “romance histórico”, entendido como sendo uma obra literária estruturada em pesquisa realizada em fontes históricas como periódicos, obras de referência – no caso em exame, em sua própria memória, considerando-se os limites já apontados – e, lançando mão da imaginação para suprir a falta de “elementos históricos comprováveis”. Seria interessante fazer-se um estudo acerca daquilo que foi lido por Maria Feijó, talvez com base na composição de sua biblioteca. Vale ressaltar que, por ter sido bibliotecária por várias décadas, ela poderia ter tido acesso a uma vasta gama de obras e autores e, deles ter extraído a seiva que permitiu fazer a planta crescer, se desenvolver, florescer  e brotar em forma de uma tão alentada prosa, como é “Pelos Caminhos da Vida de uma Professora Primária”.

Enfim, não se pode perder de vista que está se tratando com uma obra de alguém que era classificado como “intelectual”, pois integrava academias literárias e nelas, tivera ocupado cadeiras de alguma relevância. Naqueles espaços, ela bem poderia ter apreendido muitos dos paradigmas que norteavam a construção literária, fazendo uso deles na composição da obra ora em exame.

Mas, dê-se-lhe a palavra, para que ela finalmente permita a Marta protagonizar o monólogo por meio do qual conduzirá o percurso que a levará até Luísa Peixoto. Quando Maria Clara objetara as palavras de conforto ditas por Marta, argumentando que, para além dos minguados salários de professora, havia a necessidade de levar para casa uma parte do seu trabalho e, questionar se, em tais e quais condições “dava para se manter otimista”, Clara talvez apontasse para um excesso daquilo que se convencionou denominar “síndrome de Poliana”.

Pode ser que Feijó tenha incutido tal comportamento em Marta, talvez, com o objetivo de prover as condições narrativas que Marta precisaria ter, a fim de mais profundamente fincar os seus pés na “história” que lhe deu a contar.

Ao lançar lhe de chofre a pergunta, a jovem professora acabou por paralisar a amiga, como que dizendo que não haveria mais o que falar, diante da situação de desalento em que se encontrava com a profissão escolhida e tão ardentemente desejada por ela, mas, escolha não recebida de bom grado pelos seus familiares.

Assim, Feijó ainda no seu posto de comando da narração, escreve:

 

Marta silencia um pouco. Nada responde. Tem pena da ingenuidade de Clarinha. Olha-a com ternura, respira fundo e pensa descobrir um jeito para amenizar aquele desânimo. Tão nova, tão cheia de vida e de ideal e, paradoxalmente, tão decepcionada, desanimada, aflita dessa maneira e não com muita razão. Reerguer aquele ânimo, precocemente abatido, pensa, mas... como? Como fazê-lo?” (FEIJÓ, 1978, p. 21-22).

Aqui, a literata alagoinhense indica aos seus leitores, qual o meio de que se vai servir para dar fluência ao seu rememorar. Diz ela acerca de Marta, ainda quase paralisada pelo efeito que lhe causara a “decepção”, o “desânimo”, para ela, ainda precoce e a “aflição” que a atribuía a ingenuidade e/ou a pouca idade de “Clarinha”:

“Transporta-se para outras plagas muito conhecidas suas onde outras jovens iguaizinhas a ela, Clarinha, em tempos remotos, e nestes ainda, tinham (e têm), no magistério, vida bastante diferente, e quanto! Pensa... Pensa durante segundos. Vindo do passado, um estalo descobre-lhe o roteiro, esclarecendo o nome do remédio para a cura ou, ao menos, paliativo para o” grande mal.” (FEIJÓ, 1978, p. 22).

Neste ponto, cabe uma observação do leitor. Parece que Feijó tem alguma dificuldade de sair de cena, na medida em que ela conduz os personagens, de modo a deixá-los sob o seu controle – talvez, isto não seja uma dificuldade, mas, sim, uma técnica literária. Seja como for, a proposta de criar uma personagem para conduzir a narrativa monologamente é dela própria. Logo, por que tanta dificuldade em deixar que a própria narradora seja aquela que conduzirá o processo narrativo? Isto pode levar o leitor a inferir que, de fato, Feijó não quer e não pode deixar a personagem conduzir sozinha o seu narrar, exatamente porque é ela mesma, Feijó, a narradora.

Feijó devolve a palavra para Marta, que se dirige a sua interlocutora:

“Escute, Clarinha, não é a título de consolo que lhe vou dizer uma coisa, porque você não precisa. E sim é para você mesma, inteligente, otimista e cheia de ideal como sempre foi procurar buscar no âmago do seu eu, as reservas nele guardadas, utilizá-las quando necessário e... tirar suas próprias conclusões. Certo?” (FEIJÓ, 1978, p. 22).

Aqui, ela retoma o fio condutor da narrativa, talvez, só para reforçar a observação feita acima, para fazer uma descrição que, bem poderia ter deixado a própria Marta fazer. Diz ela que Maria Clara, diante da proposta da amiga, ficara “Parada, limitando-se a balançar, afirmativamente, a cabeça, Clarinha dispõe-se a ouvi-la”. E prossegue com sua descrição, desta vez de Marta, que, começa a assenhorear-se da situação. Diz Feijó:

 

“Marta, sutilmente, fica a matutar, matutar, antes de dar início àquela” talvez miraculosa” — sim, vamos dizer assim — cura, buscando palavras para sua conversa. Com bastante calma, inicia-a” (FEIJÓ, 1978, p. 22).

Ao iniciar a sua fala, Marta procura levar até a jovem amiga, as credenciais que poderão dar um aspecto de força e veracidade ao que passará a narrar, dali há algumas linhas. Diz ela:

“— Você sabe, perfeitamente, que não sou daqui. Sou baiana, vindo para esta Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, há alguns anos e... Professora Primária formada por uma Escola Normal do interior do Estado da Bahia. E o sou com muito orgulho, porque, uma base bem alicerçada foi o que lá obtive para tudo quanto tenho tentado na vida e, por mais incrível que possa parecer, às vezes, até penso haver chegado, primeiramente, às minhas mãos, o diploma de uma Faculdade, antes mesmo de tê-la cursado. Muito bem! Lá deixei muitas amigas — oh! e como são boas e sinceras! —, colegas de turma a quem visito, amiúde, pois todo ano vou — e Deus me livre não o fazer sempre! — à Bahia.” (FEIJÓ, 1978, p. 22).

Segue ela, agora apresentando a pessoa de quem pretende contar a saga, esperando com isto, que a sua interlocutora se refaça do desânimo e da decepção. Talvez esteja embutida aquela ideia que diria: “há quem sofra mais do que eu”, logo: “eu não tenho razão para reclamar, para parar, para desanimar”. Para este escrevente, tratar-se-ia de uma “ideologia” do otimismo, que, entende-se, tanto mal faz àqueles que a adotam. E, assim diz Marta:

“E é a história de uma delas, daquela que é mais minha amiga que lhe vou contar, simbolizando a de todas as Professoras Primárias do interior do Estado da Bahia, cujas vidas são iguais ou. talvez, piores do que a dela. Frisando que, tal desenrolar de fatos no concernente à vida de Professora propriamente dita com efetivo exercício, deve ser transportado para umas duas décadas e meia, mais ou menos, distantes. (Que é isso, minha amiga? Não se espante tanto assim, não, com esse olhar surpreso!... Quase nada difere das que hoje ainda lá integram o próprio magistério, vivendo a sua idade, no mesmo Interior. Os problemas, se não são iguais, são muito parecidos, apesar da era das comunicações e dos jatos.) Minha verdadeira opinião sobre essa moça, abstenho-me de dizer-lha. Sou suspeita para tanto pela amizade que nos une. Apenas, contar-lhe-ei o seu drama, idêntico em todas as vidas de suas colegas (poucas nuances diferentes) e você, por você mesma vai constatá-la!” (FEIJÓ, 1978, p. 22).

 

Feijó, outra vez interfere na narrativa para informar ao leitor que “Clarinha só faz olhar a amiga com olhar descrente e sorriso, idem. Enquanto Marta continua”.

E, com esta passagem, fica patente a ideia de um monólogo, o que parece não preocupar a autora, pois não faz qualquer reparo ou pedido de desculpas aos leitores. E é Marta quem propõe: “— ... faça o favor de me ouvir quietinha, caladinha, aqui no refúgio de nossa barraca, só opinando quando eu terminar”.

 

Como se pode perceber, a trajetória da professora primária que Marta se proporá a descrever, seria uma espécie de percurso comum a todas as pessoas que exerceram e/ou exercem o magistério, sobretudo, o primário. Dar a conhecer a vida deste tipo de profissional, talvez pensasse Maria Feijó, seria uma forma de chamar a atenção da sociedade, para o modo como estes profissionais são por ela tratados, como paga, talvez, do seu trabalho de formação, inclusive, daqueles que deles não gostam e desdenham.

 

Professor Jorge Damasceno – 12 de outubro de 2020.

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