Histórias e memórias de Alagoinhas,
pelos escritos de Maria Feijó – XXI –A literata prepara o monólogo de Marta.
Há largos e já bons sete anos, se
tem procurado refletir sobre as Histórias e as Memórias de Alagoinhas, a partir
da leitura dos escritos de Maria Feijó, sobretudo, aqueles produzidos em prosa –
Alecrim do Tabuleiro (1972); Pelos Caminhos da Vida de uma Professora Primária
(1978); Pensionato Paraíso das Moças & Outros Ensaios (1988) -, visto que a
sua obra é bem mais vasta e composta majoritariamente de poesias. Era outubro
de 2013, quando esta série começou a ser publicada no jornal eletrônico “Alagoinhas
Hoje”, em um espaço chamado “Histórias e Memórias”, que foi gentilmente
reservado para este escrevedor, pelo seu editor, um amigo de largas décadas, o
licenciado em história e jornalista, feito nas redações de diversos jornais
alagoinhenses e soteropolitanos, Maurílio Fontes.
Até maio de 2015, foram publicados dezesseis arrazoados naquele periódico, tendo
os quatro primeiros deles, já sido revistos e publicados como um dos capítulos
do livro “Alagoinhas: histórias e historiografia”, organizado pela professora
Eliana Batista; alguns outros tiveram partes inseridas em artigo publicado na revista
eletrônica “Veredas da História”, além de outros daqueles textos, que ganharam
forma de artigos e se encontram ainda inéditos. Depois de alguns anos, tem sido
retomada aquela análise, com a publicação do arrazoado de número 16, revisto e
ampliado, que ensejou o desenvolvimento dos escritos trazidos ao público leitor
deste blog.
Como se tem salientado desde então,
“Pelos Caminhos da Vida de uma Professora Primária”, é uma obra a partir da
qual se pode fazer várias leituras, pode se ter várias compreensões no que
tange ao conjunto de sua composição e, a partir dela construir uma gama
variadíssima de interpretações, evidentemente, dependendo do ponto de observação
escolhido por quem se disponha a esquadrinhá-la e examiná-la.
Assim é que, ao escrever no
arrazoado publicado na já mencionada obra organizada por Batista em 2015,
postulou-se a assertiva de que “[...], em toda sua obra, pode-se perceber a
prevalência dos ”elementos constitutivos
da memória”, mediante os quais, Feijó
tece as suas narrativas, apontando ao pesquisador, inúmeras pistas,
a partir das quais deverá desenvolver
suas investigações, no sentido de
escrever sobre a história por ela contada, de modo a confrontar as memórias
construídas sobre um tempo, um lugar, um fato ou um sujeito dado”. (DAMASCENO, 2015, p. 127).
Ao que parece, Feijó procura
construir aquilo que se chamaria de “romance histórico”, entendido como sendo
uma obra literária estruturada em pesquisa realizada em fontes históricas como periódicos,
obras de referência – no caso em exame, em sua própria memória, considerando-se
os limites já apontados – e, lançando mão da imaginação para suprir a falta de “elementos
históricos comprováveis”. Seria interessante fazer-se um estudo acerca daquilo
que foi lido por Maria Feijó, talvez com base na composição de sua biblioteca.
Vale ressaltar que, por ter sido bibliotecária por várias décadas, ela poderia
ter tido acesso a uma vasta gama de obras e autores e, deles ter extraído a
seiva que permitiu fazer a planta crescer, se desenvolver, florescer e brotar em forma de uma tão alentada prosa,
como é “Pelos Caminhos da Vida de uma Professora Primária”.
Enfim, não se pode perder de vista
que está se tratando com uma obra de alguém que era classificado como “intelectual”,
pois integrava academias literárias e nelas, tivera ocupado cadeiras de alguma
relevância. Naqueles espaços, ela bem poderia ter apreendido muitos dos
paradigmas que norteavam a construção literária, fazendo uso deles na
composição da obra ora em exame.
Mas, dê-se-lhe a palavra, para que
ela finalmente permita a Marta protagonizar o monólogo por meio do qual
conduzirá o percurso que a levará até Luísa Peixoto. Quando Maria Clara
objetara as palavras de conforto ditas por Marta, argumentando que, para além
dos minguados salários de professora, havia a necessidade de levar para casa
uma parte do seu trabalho e, questionar se, em tais e quais condições “dava
para se manter otimista”, Clara talvez apontasse para um excesso daquilo que se
convencionou denominar “síndrome de Poliana”.
Pode ser que Feijó tenha incutido
tal comportamento em Marta, talvez, com o objetivo de prover as condições
narrativas que Marta precisaria ter, a fim de mais profundamente fincar os seus
pés na “história” que lhe deu a contar.
Ao lançar lhe de chofre a pergunta,
a jovem professora acabou por paralisar a amiga, como que dizendo que não
haveria mais o que falar, diante da situação de desalento em que se encontrava
com a profissão escolhida e tão ardentemente desejada por ela, mas, escolha não
recebida de bom grado pelos seus familiares.
Assim, Feijó ainda no seu posto de
comando da narração, escreve:
Marta silencia um pouco. Nada
responde. Tem pena da ingenuidade de Clarinha. Olha-a com ternura, respira
fundo e pensa descobrir um jeito para amenizar aquele desânimo. Tão nova,
tão cheia de vida e de ideal e, paradoxalmente, tão decepcionada,
desanimada, aflita dessa maneira e não com muita razão. Reerguer aquele ânimo,
precocemente abatido, pensa, mas... como? Como fazê-lo?” (FEIJÓ, 1978, p. 21-22).
Aqui, a literata alagoinhense
indica aos seus leitores, qual o meio de que se vai servir para dar fluência ao
seu rememorar. Diz ela acerca de Marta, ainda quase paralisada pelo efeito que
lhe causara a “decepção”, o “desânimo”, para ela, ainda precoce e a “aflição”
que a atribuía a ingenuidade e/ou a pouca idade de “Clarinha”:
“Transporta-se para outras plagas
muito conhecidas suas onde outras jovens iguaizinhas a ela, Clarinha, em tempos
remotos, e nestes ainda, tinham (e têm), no magistério, vida bastante
diferente, e quanto! Pensa... Pensa durante segundos. Vindo do passado, um
estalo descobre-lhe o roteiro, esclarecendo o nome do remédio para a cura ou,
ao menos, paliativo para o” grande mal.” (FEIJÓ, 1978, p. 22).
Neste ponto, cabe uma observação do
leitor. Parece que Feijó tem alguma dificuldade de sair de cena, na medida em
que ela conduz os personagens, de modo a deixá-los sob o seu controle – talvez,
isto não seja uma dificuldade, mas, sim, uma técnica literária. Seja como for,
a proposta de criar uma personagem para conduzir a narrativa monologamente é
dela própria. Logo, por que tanta dificuldade em deixar que a própria narradora
seja aquela que conduzirá o processo narrativo? Isto pode levar o leitor a
inferir que, de fato, Feijó não quer e não pode deixar a personagem conduzir
sozinha o seu narrar, exatamente porque é ela mesma, Feijó, a narradora.
Feijó devolve a palavra para Marta,
que se dirige a sua interlocutora:
“Escute, Clarinha, não é a título
de consolo que lhe vou dizer uma coisa, porque você não precisa. E sim é para
você mesma, inteligente, otimista e cheia de ideal como sempre foi procurar
buscar no âmago do seu eu, as reservas nele guardadas, utilizá-las quando
necessário e... tirar suas próprias conclusões. Certo?” (FEIJÓ, 1978, p. 22).
Aqui, ela retoma o fio condutor da
narrativa, talvez, só para reforçar a observação feita acima, para fazer uma
descrição que, bem poderia ter deixado a própria Marta fazer. Diz ela que Maria
Clara, diante da proposta da amiga, ficara “Parada, limitando-se a balançar,
afirmativamente, a cabeça, Clarinha dispõe-se a ouvi-la”. E prossegue com sua
descrição, desta vez de Marta, que, começa a assenhorear-se da situação. Diz
Feijó:
“Marta, sutilmente, fica a matutar,
matutar, antes de dar início àquela” talvez miraculosa” — sim, vamos dizer
assim — cura, buscando palavras para sua conversa. Com bastante calma, inicia-a”
(FEIJÓ, 1978, p. 22).
Ao iniciar a sua fala, Marta procura
levar até a jovem amiga, as credenciais que poderão dar um aspecto de força e
veracidade ao que passará a narrar, dali há algumas linhas. Diz ela:
“— Você sabe, perfeitamente, que
não sou daqui. Sou baiana, vindo para esta Cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro, há alguns anos e... Professora Primária formada por uma Escola Normal
do interior do Estado da Bahia. E o sou com muito orgulho, porque, uma base bem
alicerçada foi o que lá obtive para tudo quanto tenho tentado na vida e, por
mais incrível que possa parecer, às vezes, até penso haver chegado,
primeiramente, às minhas mãos, o diploma de uma Faculdade, antes mesmo de tê-la
cursado. Muito bem! Lá deixei muitas amigas — oh! e como são boas e sinceras!
—, colegas de turma a quem visito, amiúde, pois todo ano vou — e Deus me livre
não o fazer sempre! — à Bahia.” (FEIJÓ, 1978, p. 22).
Segue ela, agora apresentando a
pessoa de quem pretende contar a saga, esperando com isto, que a sua interlocutora
se refaça do desânimo e da decepção. Talvez esteja embutida aquela ideia que
diria: “há quem sofra mais do que eu”, logo: “eu não tenho razão para reclamar,
para parar, para desanimar”. Para este escrevente, tratar-se-ia de uma “ideologia”
do otimismo, que, entende-se, tanto mal faz àqueles que a adotam. E, assim diz Marta:
“E é a história de uma delas,
daquela que é mais minha amiga que lhe vou contar, simbolizando a de todas as
Professoras Primárias do interior do Estado da Bahia, cujas vidas são iguais
ou. talvez, piores do que a dela. Frisando que, tal desenrolar de fatos no
concernente à vida de Professora propriamente dita com efetivo exercício, deve
ser transportado para umas duas décadas e meia, mais ou menos, distantes. (Que
é isso, minha amiga? Não se espante tanto assim, não, com esse olhar
surpreso!... Quase nada difere das que hoje ainda lá integram o próprio
magistério, vivendo a sua idade, no mesmo Interior. Os problemas, se não são
iguais, são muito parecidos, apesar da era das comunicações e dos jatos.) Minha
verdadeira opinião sobre essa moça, abstenho-me de dizer-lha. Sou suspeita para
tanto pela amizade que nos une. Apenas, contar-lhe-ei o seu drama, idêntico em
todas as vidas de suas colegas (poucas nuances diferentes) e você, por você
mesma vai constatá-la!” (FEIJÓ, 1978, p. 22).
Feijó, outra vez interfere na
narrativa para informar ao leitor que “Clarinha só faz olhar a amiga com olhar
descrente e sorriso, idem. Enquanto Marta continua”.
E, com esta passagem, fica patente
a ideia de um monólogo, o que parece não preocupar a autora, pois não faz
qualquer reparo ou pedido de desculpas aos leitores. E é Marta quem propõe: “—
... faça o favor de me ouvir quietinha, caladinha, aqui no refúgio de nossa
barraca, só opinando quando eu terminar”.
Como se pode perceber, a trajetória da professora primária
que Marta se proporá a descrever, seria uma espécie de percurso comum a todas
as pessoas que exerceram e/ou exercem o magistério, sobretudo, o primário. Dar
a conhecer a vida deste tipo de profissional, talvez pensasse Maria Feijó,
seria uma forma de chamar a atenção da sociedade, para o modo como estes
profissionais são por ela tratados, como paga, talvez, do seu trabalho de formação,
inclusive, daqueles que deles não gostam e desdenham.
Professor Jorge Damasceno – 12 de outubro de 2020.
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