Um escrevedor volta a falar de memória musical – VIII: o
começo da caminhada – primeiro semestre de 1980 – A Primeira Igreja Batista de
Alagoinhas e as primeiras músicas evangélicas – Parte I.
Já vai longo o conjunto de arrazoados que se vem escrevendo
neste espaço, apresentando alguns dos aspectos relacionados com o caminhar
iniciado em janeiro de 1980, quando se deu um passo importante no sentido de
promover algumas mudanças no que respeita a busca de definições para a vida
daquele que completara 19 anos, ao findar dezembro. A partir do vigésimo dia
daquele novo ano, este escrevedor passava a professar a Fé Cristã Protestante,
inserindo-se na Primeira Igreja Batista de Alagoinhas, a partir de onde
passaria a confessar a Cristo, publicamente, não só dizendo às pessoas, bem
como, procurando viver de modo que tal Fé pudesse ser percebida no seu falar,
no seu agir e no seu relacionar-se com a sociedade. Uma das mudanças práticas
que precisava ser materializada, se referia ao hábito de fumar. Tal hábito fora
adquirido aos quatorze anos, quando ingressara na quinta série e, fora
reforçado quando retomara a sua liberdade ao voltar do instituto. Apesar de
requerer alguma disciplina e persistência, como dissera a um amigo de farras
pretéritas, o último cigarro fora fumado na manhã daquele domingo, pois já
estava decidido a ingressar no meio Batista, a partir da noite daquele mesmo
dia. E, assim foi.
E, prosseguindo no processo de mudanças inerentes ao novo caminho
que resolvera começar a trilhar, era necessária a efetivação de uma reforma
substancial no seu linguajar. Embora fosse dotado de um vocabulário vasto e
rico, se habituara ao uso frequente de palavras prenhes de torpeza, indecência
e que expressavam imoralidades, não apropriadas para serem usadas por quem
pretendia se apresentar como tendo sido investido de “novidade de vida”. Aquele
exercício fora um tanto de mais difícil execução, uma vez que o hábito de as
proferir, exigia do rapaz constante cuidado, tanto mais que ele era
constantemente provocado por aqueles que afirmavam não acreditar que houvesse
mesmo “virado crente”. A sua dificuldade em estabelecer um novo padrão de
linguagem, estava mais na superação de hábitos e não na ausência de um conjunto
vocabular que lhe permitisse um falar agradável. Nisto, como em vários outros
aspectos de sua vida, o rádio foi um grande colaborador, uma vez que as grandes
emissoras de rádio que sempre ouvira, possuíam um grande cuidado na hora de
escolher aqueles que se colocariam diante dos microfones, uma vez que a
correção gramatical e a dicção foram a grande marca daqueles locutores que
atuavam no rádio AM. Até mesmo as emissoras do interior possuíam o cuidado
naquele campo.
Assim, dado o passo inicial no sentido de passar a fazer
parte daqueles que congregavam naquela Igreja, logo procurou se instruir em
relação aos dias e horários dos cultos; logo procurou apresentar-se disposto a
enturmar-se com os demais integrantes daquele corpo eclesiástico, não obstante
a sua imensa e quase insuperável dificuldade de interagir coletivamente. Tanto
é assim que, ao que tudo faz crer, o líder daquela igreja se apercebeu de tal
característica de uma das suas mais novas ovelhas e, partiu para a tarefa de
envolvê-la nas atividades eclesiásticas e/ou extra eclesiásticas, o quanto
estivesse ao seu alcance, sem, contudo, preterir esta ou aquela ovelha em
dificuldades semelhantes. Prova disto é que algumas semanas mais tarde, já o
levava como companhia nas suas viagens para visitar algumas congregações às
quais prestava assistência, nomeadamente, uma que se localizava na cidade de
Itapicuru, há cerca de cento e quinze quilômetros de Alagoinhas.
Em um final de tarde de outono, este escriba estava
assentado nos fundos do pavilhão Luiz Vianna, aguardando o próximo horário de
aula, que se realizaria no Jairo Azi, quando é surpreendido pela escuta de uma
voz que o chamava pelo nome. Aquela voz já lhe ficara familiar: era o pastor
Jessé, que fora ali para convidar aquele rapaz para juntos irem a uma atividade
que desenvolveria em Olindina/Itapicuru. Dada a distância e o estado de
conservação da estrada, teriam que sair antes das seis daquela tarde, pois
precisaria estar no local de destino, aproximadamente as sete e trinta. Tendo
objetado que não houvera avisado a sua mãe que não chegaria em casa no horário
de costume, Jessé veio com ele para informar a dona Manda que o seu filho iria
com ele em uma viagem. Não a encontrando em casa, pediu a vizinha que desse o
recado. Aproveitando a ocasião para trocar a camisa da farda por uma limpa e
cheirosa, pastor e ovelha embarcaram para aquela que fora a primeira de muitas
viagens que fizeram juntos, para aquele mesmo destino.
Eram já cerca de cinco e meia, quando pegaram a estrada
BR110. Era um Volkswagen Brasília, já com alguma quilometragem, mas bastante robusto
e conservado. Nele, havia sido instalado um equipamento já bastante difundido à
época, um rádio-toca-fitas. Sempre ávido por músicas e, em tal ocasião, ávido
por conhecer o que se ouvia entre os protestantes Batistas, apropriou-se do
equipamento e passou a tocar as fitas que o motorista disponibilizara para que pusesse
a rodar. E, de cara, a fita que inseriu em primeiro lugar, continha vários hinos
cantados pela Missão Vencedores por Cristo, grande parte delas estava em uma série
de discos chamada “Louvor”. Assim, Sempre que as ouvira, em qualquer lugar ou
tempo, imediatamente a memória daquelas viagens, daquele batucar das pedras da
estrada no assoalho do carro; daquele frio provocado pelo fato da vedação do
veículo já não poder conter a passagem do vento – um ar condicionado natural -;
daquele indisfarçável sono que quase tornava inútil a companhia para o
motorista; da receptividade dos irmãos daquelas igrejas, tanto ao Pastor a quem
amavam e respeitavam muito, quanto ao seu companheiro de viagem, que era
tratado com fidalguia e desvelo; aquela coalhada saboreada em Olindina, na casa
do pastor Luís e sua senhora, irmã Sulamita – a vergonha e o pejo de comer em
companhia de pessoas estranhas ao seu convívio (será que estão reparando no
desajeitado companheiro de viagem do pastor?) -, emerge viva e se faz presente,
a despeito das camadas que a recobrem.
Abaixo, serão colocados os links para três daquelas músicas
ouvidas por todo o trajeto de ir e voltar, a fim de que, quem já as conhece
lembre; quem não as conhece, desfrute daquele momento de revolução na produção
musical Cristã protestante, que se produzia a partir do início da década de
1970. Saliente-se, que este escrevedor não tinha qualquer conhecimento a tal
respeito, no momento em que vivenciara aquela virada na hinologia cristã
produzida e cantada no Brasil. Tal conhecimento por parte do autor destas
linhas, é muito posterior ao novo curso que a adoração musical tomava.
A primeira das três músicas escolhidas para trazer aos ouvidos
dos leitores é, “Minha Paz vos dou”: vencedores por Cristo, em gravação de
1975. Esta, talvez tenha sido aquela que permaneceu viva na memória por mais
tempo, mesmo quando não estimulada por audições posteriores.
Esta abre o disco e, claro, foi a primeira a aparecer na
fita tocada. “Louva a Deus”: Vencedores por Cristo, em gravação de 1975.
O hino que se ouvirá em seguida, deixou marcas profundas e
duradouras em grande parte daqueles que a conheceram e cantaram. “Faz-me
Chegar”: Vencedores por Cristo, em gravação de 1975.
Esta, por sua vez, ganhou muitas versões, para quem garatuja
este arrazoado, a mais bela delas, está no segundo volume de “Luiz de Carvalho
e Denise Juntos”. “Pai de Amor”: Vencedores por Cristo, em gravação de 1975.
Portanto, informado a respeito da programação da Igreja,
passa a frequentar com regularidade, intentando familiarizar-se com a liturgia
de culto, com as músicas e demais atividades cúlticas desenvolvidas ao longo da
semana. Um dos primeiros com o qual se identificou imediatamente, era realizado
todas as terças feiras, as cinco e trinta da manhã: o “culto matutino”. De
baixa frequência, sobretudo por parte dos jovens, era ali que as pessoas
contavam as suas dificuldades, pediam as orações dos irmãos. Mas, como não
poderia deixar de ser, era ali que também nasciam os mal-entendidos e as
especulações, principalmente, quando alguém dentre os que pediam orações aos
presentes, não relatavam minunciosamente a situação vivenciada, motivava a
necessidade de que se orasse. Mas isto é uma outra história.
No campo da música, era grande a riqueza; tudo era novidade;
tudo era surpreendente. Contrariamente ao que se acostumara, em geral eram
músicas com melodias agradáveis aos ouvidos, que possuíam uma teologia escriturística
expressa em poesias coerentes, uma cristologia sólida, sóbria e biblicamente
fundamentada. Para aquele recém-chegado, nem tudo era plenamente compreensível,
o que só passaria a sê-lo com o passar do tempo e o amadurecimento na fé, além
da ampliação do conhecimento do Evangelho.
Além do canto congregacional que envolvia toda a igreja na
tarefa de entoar os hinos a partir do Cantor Cristão, que era hinário oficial
da denominação, também se cantava os chamados “hinetos” ou corinhos, envolvendo
músicas que não faziam parte da coletânea de hinos tradicionais inseridos no mencionado
hinário - em tais ocasiões, pouco a pouco, eram introduzidas as novas
filosofias melódicas que começavam a circular, primeiro entre os mais jovens. Mas,
também havia um conjunto musical formado pelos jovens da igreja, encarregado de
executar hinos outros, de origem autoral mais contemporânea. Era o “Som
Celeste”, liderado e regido pela Educadora Cristã, Edileusa Silva. Este
garatujador não conseguiu se engajar naquele conjunto vocal, por não se sentir à
vontade para fazer parte de um grupo que já estava consolidado, sem falar de
sua pouca inclinação para o desenvolvimento de atividades coletivas, que exigia
ensaios, implicando em disciplina e mais deslocamentos para cumprir mais aquele
compromisso.
Aqui vão três hinos que ficaram marcados no rememorar deste
escrevedor. Ao ouvi-los, sempre ressurge de lá do fundo das camadas que cobrem
e recobrem a memória, as vozes que magnificamente os cantavam, fique claro,
após árduo trabalho de ensaios e regência de Edileusa. É interessante notar
que, ao tocar os hinos cujos links se encontram abaixo, parece se estar a ouvir
a voz de Edileusa imiscuída às vozes de todo o grupo. Ah, aí o tempo implacável
age e age com toda a sua força. Mas, ainda não conseguiu apagar as lembranças
que teimam em se esforçar por emergir do meio dos mais de quarenta anos que já
decorreram até aqui.
A primeira delas é “Deus é Real” na interpretação de
Vencedores Por Cristo, que integra o LP com o mesmo título, gravado em 1973
A segunda é “Nada Melhor, também com Vencedores por Cristo e, do mesmo disco:
A terceira é “Aleluia”, no entender deste garatujador, a
mais bela melodia, igualmente interpretada por– Vencedores por Cristo e,
inserida naquele mesmo disco de 1973:
José Jorge Andrade Damasceno – historiadorbaiano@gmail.com]
28 de setembro de 2021.
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