Um escrevedor volta a falar de memória musical II – Com o
rádio no pé do ouvido – Segunda metade de 1977.
Enquanto este escrevedor tropicava nas dificuldades
inerentes à raiz quadrada e se atrapalhava com os monômios e os polinômios, o
ano de 1977 corria pleno de músicas que eram executadas nas rádios de Amplitude
Modulada, mas, também nas de Frequência Modulada, já em franca expansão, mas
ainda com pequena audiência, pois, hera pouco o número de aparelhos existentes
no mercado, capazes de as capitar. Elas claramente já falavam nas intempéries
políticas e sociais em que se encontrava o Brasil dos generais; falavam de
carestia, bem como de uma expectativa em torno de melhores dias impulsionada
pelo desejo de que as liberdades democráticas viessem a ser reestabelecidas,
apesar daqueles que forçavam para que isto não viesse a acontecer; os ouvintes
brasileiros continuavam a ser inundados com músicas internacionais, sobretudo em
língua inglesa, atraídos essencialmente pela sonoridade delas; era o início de
uma avalanche que se convencionou chamar de “dancing”, fazendo com que a
juventude fosse atraída por aquele ritmo frenético de dançar, embalados por
músicas que tocavam em todas as rádios ouvidas por aquele seguimento da
população, bem como em festas frequentadas por ele. Um exemplo dentre vários
que poderiam ser aqui apontados, era a interpretação de Santa Esmeralda - Don't
Let Me Be Misunderstood
https://youtu.be/YZDKR48l0ro
Aquele ano também foi marcado pela morte de Elvis Presley,
evento que repercutiu bastante nas transmissões radiofônicas, sobretudo, nas
emissoras cuja programação era voltada para o público jovem, como era o caso da
rádio Mundial e Eldorado, ambas do grupo Globo, além de emissoras paulistas que
buscavam atender àquele mesmo público. Para este escrevedor, pouco afeito ao
estilo musical daquele artista – apreciando apenas músicas mais lentas como
Sylvia,
Always on My Mind,
It’s Now Or Never
e a belíssima Kiss me
Quick,
-, nada impactou aquele evento fúnebre, à não ser pela
solidariedade aos seus coetâneos e aos
da geração nascida em 1950, que apreciavam o rock and. roll, que Presley apresentava.
Era a sonoridade daquelas canções que, como já se disse, ouvidas no rádio
colado ao ouvido, O que mais proximamente explicava o apreciar deste narrador, pois,
nada entendia daquelas letras e, nem mesmo procuraria entender, mediante
traduções.
A consciência política deste escrevedor era zero, bem como o
era a dos seus amigos e colegas mais próximos. Apreciava Chico City e a novela O Bem-amado, apenas por serem boa
sátira e provocadoras de largas gargalhadas, quando se reuniam para comentar as
trapalhadas de Odorico Paraguaçu e as “canalhices” de Canavieiras. No entanto,
não faziam a menor ideia de que se tratava de críticas mordazes ao regime dos
generais, que marcavam o cenário político do País, desde os idos de 1964.
Certa vez, em uma das brincadeiras promovidas por Valter
Ramos, então seu professor de violão, participara de um arremedo de programa de
calouros, cantando a espirituosa e excêntrica música “As
Aventuras de Matusalém.
Tal foi o sucesso da apresentação musical entre os meninos,
que o aprendiz de violão e de intérprete, que ele acabou por tomar parte do corpo de “jurados”
daquela brincadeira de quase todos os inícios de noite.
E, por falar em “aprendiz de intérprete, o seu primeiro teste
fora da cobertura do seu professor de violão e da assistência notadamente já
sua fã, foi na “festa da Mocidade”, tradicional evento realizado anualmente na
Praça Maestro Santa Isabel. Entre as atrações do folguedo, estava um programa
de calouros – desta vez com jurados que não eram amigos (ao menos, deste
escrevedor). Durante todas as noites, aprendizes de interpretação se
apresentavam com músicas as músicas que acreditavam dominavam e, eram quase
sempre as que tocavam no momento da realização da festa. Acompanhados por um
conjunto musical, naquele ano era o formado por um grupo de meninos “prodígios”,
que logo foram denominados de “Os Fantásticos”.
Durante toda a semana, um garoto empolgara a plateia e,
claro, os jurados, interpretando magnificamente uma belíssima composição de
Peninha – que estava tocando bastante naquele momento ‘-, magistralmente
acompanhado pelos comandados de Mário Boa Morte e Enéias, até então, crooner de
“Os Caciques. Ninguém batia o garoto, tanto no campo da performance interpretativa,
quanto no campo da afinação da sua bonita voz. Tal desempenho era ainda mais
valorizada pelo impecável acompanhamento feito pelo conjunto já aludido. A
canção que ele tão bem cantara era “Sonhos”.
Depois de muita hesitação, este garatujador resolveu que
iria desbancar o já virtual campeão, visto que vencera a todos os que se
apresentaram nos dias posteriores. As músicas cantadas pelos concorrentes, não
conseguiram o mesmo êxito; nem sempre pela qualidade - ou falta dela – dos intérpretes. Certo é
que, era este o problema que o novo concorrente precisava resolver. Com qual
música concorreria?
Era seu hábito quase que diário, comparecer em uma barraca
de cigarros aos fundos da prefeitura municipal para longos papos com um amigo.
Ali, funcionava uma loja de discos “revidisco Magazine”. Naquela tal semana,
teve o gosto de ouvir o novo disco de Raul Seixas e, a música “No Dia Em que A
Terra Parou”, ofereceu-se lhe como a grande oportunidade de participar, quiçá
com algum êxito, no programa de calouros da “Festa Da Mocidade”. Para ele a
música já era conhecida, devido as audições de rádio – à época, as músicas
tocavam primeiro nas rádios do Rio de Janeiro ou de }São Paulo. Foi assim que,
tendo algumas vezes ouvido aquela música na rádio Mundial, a sua estrutura melódica
não era estranha. A dificuldade estava na apreensão da letra. Tendo ouvido
diretamente no disco, conseguiu copiar de memória; entendeu razoavelmente a
forma de tocar os seus principais acordes. Depois, partiu para o confronto com
o intérprete de “Sonhos”, tendo o vencido nos dois últimos dias da festa: no
sábado, indo junto com ele para a final, que seria no domingo, quando também
venceu, mas, sem o seu brilho, pois nem o pessoal do conjunto conhecia a canção,
o que deu ao público uma sensação de injustiça do resultado.
José Jorge Andrade Damasceno – 05 de setembro de 2021.
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