domingo, 26 de setembro de 2021

Um escrevedor volta a falar de memória musical – VII: o começo da caminhada – primeiro semestre de 1980 – Ainda com o rádio ao pé do ouvido

Um escrevedor volta a falar de memória musical – VII: o começo da caminhada – primeiro semestre de 1980 – Ainda com o rádio ao pé do ouvido

 

Aquele início de ano de 1980, embora no momento em que estava sendo vivido não se tivesse noção clara, foi marcado de fato por um conjunto de mudanças em vários aspectos da vida deste escrevedor. Alguns deles já brevemente apontados em arrazoados anteriores, sobretudo, no que respeitara ao seu caminhar cotidiano, a partir de então, mediado pela sua guinada no campo da “profissão de fé”, que deixara de ser baseada em uma relação com um catolicismo apenas nominal e, passara a ser fundamentada naquilo que se convencionou denominar “Fé reformada” ou “protestante”, vivida na Primeira Igreja Batista de Alagoinhas.

Já se comentou em arrazoados anteriores, como se deu a reaproximação com a Fé Batista, inclusive, como o ato de ser cumprimentado pelo Pastor da Igreja, sendo o visitante um ilustre desconhecido para aquele prelado e, o impacto do seu gesto, visto ter se dado naquele dia em que o arisco cidadão, acanhado pelo inusitado lugar em que se encontrava, se recusara a se assentar junto – ou em lugar próximo – daquela família que ele já conhecia há algum tempo e que visitara naquele mesmo dia pela manhã, quando se já estava de saída para as atividades matutinas.

Este garatujador nunca soube se o Patriarca da referida família, falara ao pastor, a respeito da visita feita a ele naquela manhã, bem como do convite que fizera para assistir ao serviço religioso, O certo é que, ao se concluir a União de Treinamento e todos ingressarem no espaço onde se realizaria o culto, o Pastor Jessé dirigiu-se ao rapaz que estava assentado quase nos últimos bancos, dirigiu-lhe algumas palavras de boas-vindas, apresentou-lhe um cordial cumprimento de mãos e, disse que se sentisse a vontade naquele lugar.

Como igualmente já se escreveu, em um domingo de encerramento de série de conferências alusivas ao aniversário de organização da igreja, este narrador assumiu o compromisso público de passar a tomar parte daquela Igreja, recebendo por Fé, o perdão dos seus pecados, passando a confiar inteiramente na suficiência da Cruz de Cristo para ser recebido pelo Deus Eterno como seu filho por adoção.

É preciso deixar claro que não foi sem dificuldades aquele iniciar de caminhada, visto que o ingresso em uma igreja protestante tradicional, não era uma decisão que motivasse o aplauso das pessoas que circulavam no entorno do que assumia professar aquela nova confissão religiosa. Naqueles idos dos finais da década de 1970 e início da seguinte, ser “protestante” não era “glamoureuse”, como passou a ser nas décadas de 1990, sobretudo, quando tal decisão era tomada por alguma “celebridade televisiva” ou  por pessoas socialmente “bem-nascidas”. Mesmo assim, tal “glamour” era manifesto quando a “decisão” era feita nos círculos religiosos mediatizados e devidamente domesticados pelos meios de comunicação de massa.

Muitas foram as críticas, os sarcasmos, os deboches e os ares de desprezo que este escrevente precisou enfrentar, na medida em que se tornava notório que aquele “novo protestante” demonstrava um maior interesse em obter mais conhecimento dos ensinamentos inerentes à sua nova prática confessional. Pessoas que em tempos anteriores eram concordes com suas atitudes e ponderações, passaram a dirigir-lhe severas críticas e proferir palavras duras – quando não desrespeitosas -, no sentido de procurar induzi-lo a rever o seu novo caminhar e, claro, rejeitar como equivocados os posicionamentos tomados na direção do protestantismo.

Deste modo, pouco a pouco sendo inserido no novo ambiente de interação social e cultural, uma das primeiras coisas que se procurou fazer, foi reconstruir o seu acervo musical. Este que agora traça estas linhas, sempre entendeu como incompatível com o viver cristão protestante que ele então iniciava, a audição de músicas seculares, não por elas serem de origem “malignas” de per si. O que se considerava – e ainda se considera – era a motivação e o objetivo delas. Enquanto a chamada “música cristã protestante” era – não é mais – motivada pelo interesse em edificar, fortalecer a “fé”, bem como levar as boas novas do Evangelho para quem as ouvisse, também tinham – insiste-se, não tem mais – como objetivo a consolidação de ensinamentos bíblicos por meio de letras que, ao mesmo tempo, em primeiro lugar, demonstrariam ao Deus Eterno, a gratidão do poeta ou do intérprete, pelo fato de ter não só a chance de ter sido alcançado pelo “Evangelho que é Poder de Deus para todo o que crê”, ampliando para outros a possibilidade de também ser grato por receber “uma tão grande salvação”, sem mérito algum, sem necessidade de ato algum, pois foi dada “pela Graça”, por Deus “mediante a fé”. E, em segundo lugar, cuidaria que fossem fundamentadas nos ensinos encontrados na Bíblia, a Palavra de Deus, sem falseamentos, buscando desenvolver uma interpretação poética e musical das “Sagradas Letras”, sem perversões, distorções ou compreensões que provocassem descrédito, não só dos crentes, como também daqueles que ainda não estivessem inseridos no contexto eclesiástico.

Assim, pensando, este garatujador tratou de procurar conhecer, obter e aprender aquelas novas músicas, saber quem as cantava e, quando possível, quem as compunha. Nem é preciso dizer que o primeiro a ser procurado para um tal fim, foi o rádio. A programação radiofônica voltada para o público protestante era ainda muito escassa, levada ao ar em poucas emissoras de rádio, algumas de difícil sintonia, outras com programas exibidos em determinados horários, o que exigia do novato naquelas lides, uma varredura  pelas frequências e faixas do receptor  - não havia meios de pesquisa rápida -, fazendo com que o contato com os hinos cantados pelos protestantes só pudessem ser obtidos em doses muito diminutas. Entre as emissoras baianas, apenas a rádio Sociedade da Bahia – rádio de propriedade dos Diários Associados, então em profunda crise financeira – apresentava alguns programas direcionados ao público protestante. Eram veiculados durante a semana entre as seis e as seis e quinze da manhã; aos domingos tais programas eram exibidos entre as cinco e trinta e as seis e quinze, sem que houvesse quaisquer critérios doutrinários e/ou identitários para que fossem levados aos ouvintes – A Voz da Libertação, programa oficial da Igreja Deus É Amor, já possuía horários bastante extensos, durante as madrugadas.

Em tal busca, a primeira rádio especificamente pensada para atender o público protestante, embora o objetivo fosse alcançar aqueles que ainda não possuíam o conhecimento da obra salvífica de Jesus Cristo, tomava-se contato com programas como Através da Bíblia, Rádio Escola Boas Novas, Manancial da Vida, que eram levados ao ar em transmissões a partir de Bonnaire, nas Antilhas Holandesas, em ondas médias entre as quatro e meia e as seis da manhã, sendo possível a sintonia aqui na região, apenas até as cinco e trinta. Nela, teve-se contato com as primeiras músicas cristãs, sobretudo, aquelas que a própria rádio Trans mundial precisava produzir para atender às suas necessidades, visto os discos ainda serem escassos, embora já houvesse uma boa produção deles.

Vários daqueles hinos ainda estão na lembrança de quem escreve estas linhas. No entanto, ainda não foi possível localizar muitos que tocam fundo na alma e, de algum modo, ainda se espera encontrar para ouvir e experimentar a alegria de lembrar aqueles tempos já longevos. Mais para agora, é possível trazer duas daquelas primeiras músicas que, em meio a ruídos e interferências; entre idas e vindas do sinal, variação provocada pela propagação das ondas hertzianas, que ainda remetem àqueles primeiros meses do ano de 1980, sempre despertando lembranças há muito adormecidas; memórias há muito imersas nas muitas camadas superpostas pelo tempo.

A primeira delas, era trilha quase obrigatória na programação feita com o intuito de alcançar o público jovem. Seu ritmo e forma de interpretação apontam bem para aquele objetivo. Era cantada por um conjunto chamado “Os Ligados. A música era “Achei Razão Pra Cantar, gravação de  1973.

 

https://youtu.be/l6_bqy4HiGM

 

A segunda, quase sempre era tocada no início da programação da emissora de Bonnaire, mesmo assim, a variação do sinal se fazia presente, o que não impediu que ela permanecesse viva na lembrança – embora tal lembrança tenha sido reavivada há pouco tempo, quando um amigo de bate-papo disponibilizou para que pudesse guardar nos suportes eletrônicos de armazenamento moderno. Trata-se da interpretação de Waldemar Fomin, da música, Que Maravilha É

 

https://youtu.be/mffFnJi6zf8

 

José Jorge Andrade Damasceno - historiadorbaiano@gmail.com

26 de setembro de 2021 – Ontem foi o “dia do Rádio”. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente; quero saber o que você pensa!