Um escrevedor volta a falar de memória musical – VII: o começo
da caminhada – primeiro semestre de 1980 – Ainda com o rádio ao pé do ouvido
Aquele início de ano de 1980, embora no momento em que
estava sendo vivido não se tivesse noção clara, foi marcado de fato por um
conjunto de mudanças em vários aspectos da vida deste escrevedor. Alguns deles
já brevemente apontados em arrazoados anteriores, sobretudo, no que respeitara
ao seu caminhar cotidiano, a partir de então, mediado pela sua guinada no campo
da “profissão de fé”, que deixara de ser baseada em uma relação com um
catolicismo apenas nominal e, passara a ser fundamentada naquilo que se
convencionou denominar “Fé reformada” ou “protestante”, vivida na Primeira Igreja
Batista de Alagoinhas.
Já se comentou em arrazoados anteriores, como se deu a
reaproximação com a Fé Batista, inclusive, como o ato de ser cumprimentado pelo
Pastor da Igreja, sendo o visitante um ilustre desconhecido para aquele prelado
e, o impacto do seu gesto, visto ter se dado naquele dia em que o arisco
cidadão, acanhado pelo inusitado lugar em que se encontrava, se recusara a se
assentar junto – ou em lugar próximo – daquela família que ele já conhecia há
algum tempo e que visitara naquele mesmo dia pela manhã, quando se já estava de
saída para as atividades matutinas.
Este garatujador nunca soube se o Patriarca da referida família,
falara ao pastor, a respeito da visita feita a ele naquela manhã, bem como do convite
que fizera para assistir ao serviço religioso, O certo é que, ao se concluir a
União de Treinamento e todos ingressarem no espaço onde se realizaria o culto,
o Pastor Jessé dirigiu-se ao rapaz que estava assentado quase nos últimos
bancos, dirigiu-lhe algumas palavras de boas-vindas, apresentou-lhe um cordial
cumprimento de mãos e, disse que se sentisse a vontade naquele lugar.
Como igualmente já se escreveu, em um domingo de encerramento
de série de conferências alusivas ao aniversário de organização da igreja, este
narrador assumiu o compromisso público de passar a tomar parte daquela Igreja,
recebendo por Fé, o perdão dos seus pecados, passando a confiar inteiramente na
suficiência da Cruz de Cristo para ser recebido pelo Deus Eterno como seu filho
por adoção.
É preciso deixar claro que não foi sem dificuldades aquele
iniciar de caminhada, visto que o ingresso em uma igreja protestante
tradicional, não era uma decisão que motivasse o aplauso das pessoas que
circulavam no entorno do que assumia professar aquela nova confissão religiosa.
Naqueles idos dos finais da década de 1970 e início da seguinte, ser “protestante”
não era “glamoureuse”, como passou a ser nas décadas de 1990, sobretudo, quando
tal decisão era tomada por alguma “celebridade televisiva” ou por pessoas socialmente “bem-nascidas”. Mesmo
assim, tal “glamour” era manifesto quando a “decisão” era feita nos círculos
religiosos mediatizados e devidamente domesticados pelos meios de comunicação
de massa.
Muitas foram as críticas, os sarcasmos, os deboches e os
ares de desprezo que este escrevente precisou enfrentar, na medida em que se
tornava notório que aquele “novo protestante” demonstrava um maior interesse em
obter mais conhecimento dos ensinamentos inerentes à sua nova prática confessional.
Pessoas que em tempos anteriores eram concordes com suas atitudes e
ponderações, passaram a dirigir-lhe severas críticas e proferir palavras duras –
quando não desrespeitosas -, no sentido de procurar induzi-lo a rever o seu
novo caminhar e, claro, rejeitar como equivocados os posicionamentos tomados na
direção do protestantismo.
Deste modo, pouco a pouco sendo inserido no novo ambiente de
interação social e cultural, uma das primeiras coisas que se procurou fazer,
foi reconstruir o seu acervo musical. Este que agora traça estas linhas, sempre
entendeu como incompatível com o viver cristão protestante que ele então
iniciava, a audição de músicas seculares, não por elas serem de origem “malignas”
de per si. O que se considerava – e ainda se considera – era a motivação e o
objetivo delas. Enquanto a chamada “música cristã protestante” era – não é mais
– motivada pelo interesse em edificar, fortalecer a “fé”, bem como levar as
boas novas do Evangelho para quem as ouvisse, também tinham – insiste-se, não
tem mais – como objetivo a consolidação de ensinamentos bíblicos por meio de
letras que, ao mesmo tempo, em primeiro lugar, demonstrariam ao Deus Eterno, a
gratidão do poeta ou do intérprete, pelo fato de ter não só a chance de ter
sido alcançado pelo “Evangelho que é Poder de Deus para todo o que crê”, ampliando
para outros a possibilidade de também ser grato por receber “uma tão grande
salvação”, sem mérito algum, sem necessidade de ato algum, pois foi dada “pela
Graça”, por Deus “mediante a fé”. E, em segundo lugar, cuidaria que fossem
fundamentadas nos ensinos encontrados na Bíblia, a Palavra de Deus, sem
falseamentos, buscando desenvolver uma interpretação poética e musical das “Sagradas
Letras”, sem perversões, distorções ou compreensões que provocassem descrédito,
não só dos crentes, como também daqueles que ainda não estivessem inseridos no
contexto eclesiástico.
Assim, pensando, este garatujador tratou de procurar
conhecer, obter e aprender aquelas novas músicas, saber quem as cantava e,
quando possível, quem as compunha. Nem é preciso dizer que o primeiro a ser
procurado para um tal fim, foi o rádio. A programação radiofônica voltada para
o público protestante era ainda muito escassa, levada ao ar em poucas emissoras
de rádio, algumas de difícil sintonia, outras com programas exibidos em
determinados horários, o que exigia do novato naquelas lides, uma varredura pelas frequências e faixas do receptor - não havia meios de pesquisa rápida -,
fazendo com que o contato com os hinos cantados pelos protestantes só pudessem
ser obtidos em doses muito diminutas. Entre as emissoras baianas, apenas a
rádio Sociedade da Bahia – rádio de propriedade dos Diários Associados, então em
profunda crise financeira – apresentava alguns programas direcionados ao
público protestante. Eram veiculados durante a semana entre as seis e as seis e
quinze da manhã; aos domingos tais programas eram exibidos entre as cinco e
trinta e as seis e quinze, sem que houvesse quaisquer critérios doutrinários e/ou
identitários para que fossem levados aos ouvintes – A Voz da Libertação,
programa oficial da Igreja Deus É Amor, já possuía horários bastante extensos,
durante as madrugadas.
Em tal busca, a primeira rádio especificamente pensada para
atender o público protestante, embora o objetivo fosse alcançar aqueles que
ainda não possuíam o conhecimento da obra salvífica de Jesus Cristo, tomava-se
contato com programas como Através da Bíblia, Rádio Escola Boas Novas, Manancial
da Vida, que eram levados ao ar em transmissões a partir de Bonnaire, nas
Antilhas Holandesas, em ondas médias entre as quatro e meia e as seis da manhã,
sendo possível a sintonia aqui na região, apenas até as cinco e trinta. Nela,
teve-se contato com as primeiras músicas cristãs, sobretudo, aquelas que a
própria rádio Trans mundial precisava produzir para atender às suas
necessidades, visto os discos ainda serem escassos, embora já houvesse uma boa
produção deles.
Vários daqueles hinos ainda estão na lembrança de quem
escreve estas linhas. No entanto, ainda não foi possível localizar muitos que
tocam fundo na alma e, de algum modo, ainda se espera encontrar para ouvir e
experimentar a alegria de lembrar aqueles tempos já longevos. Mais para agora,
é possível trazer duas daquelas primeiras músicas que, em meio a ruídos e
interferências; entre idas e vindas do sinal, variação provocada pela
propagação das ondas hertzianas, que ainda remetem àqueles primeiros meses do
ano de 1980, sempre despertando lembranças há muito adormecidas; memórias há
muito imersas nas muitas camadas superpostas pelo tempo.
A primeira delas, era trilha quase obrigatória na
programação feita com o intuito de alcançar o público jovem. Seu ritmo e forma
de interpretação apontam bem para aquele objetivo. Era cantada por um conjunto
chamado “Os Ligados. A música era “Achei Razão Pra Cantar, gravação de 1973.
A segunda, quase sempre era tocada no início da programação
da emissora de Bonnaire, mesmo assim, a variação do sinal se fazia presente, o
que não impediu que ela permanecesse viva na lembrança – embora tal lembrança
tenha sido reavivada há pouco tempo, quando um amigo de bate-papo disponibilizou
para que pudesse guardar nos suportes eletrônicos de armazenamento moderno.
Trata-se da interpretação de Waldemar Fomin, da música, Que Maravilha É
José Jorge Andrade Damasceno - historiadorbaiano@gmail.com
26 de setembro de 2021 – Ontem foi o “dia do Rádio”.
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