quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Um escrevedor volta a falar de memória musical – VI: com o rádio no pé do ouvido – primeiro semestre de 1980 – O Amigo Mário

Um escrevedor volta a falar de memória musical – VI: com o rádio no pé do ouvido – primeiro semestre de 1980 – O Amigo Mário

 

Embora pouco polido, com gestos desajeitados e bruscos, de falar rude, duro e sêco, este escrevedor conseguira atrair para si algumas pessoas que arriscaram a aproximação e, ignorando os coices e refugos, acabaram por construir  sólidas e duradouras amizades, embora escassas, diga-se de passagem.

Como resultado do pedido feito a Seu Faustino, nos princípios outonais de março de 1980, era retomada a caminhada na senda dos estudos. A sétima série, sempre desafiadora e complexa, fora encarada por este escrevente em nova e decisiva etapa de sua vida. Já prestes a completar vinte anos, não teria sentido pensar em uma vida “nova”, agora pautada na leitura, estudo e apreensão de novos ensinos para se afirmar como crente, sem, contudo, conseguir se desvencilhar do primeiro grau.

Os seus colegas que cursaram a sétima série nas vezes anteriores, estavam já iniciando o segundo grau, embora alguns deles fossem mais novos. No entanto, ele estava ali, empacado na mesma série que estivera três anos antes. Àquela altura, a distância já se fizera grande e, o que lhe restava era procurar prosseguir a caminhada. Em uma corrida de qualquer modalidade, equivaleria a ser um retardatário, correndo sim, mas há algumas voltas dos primeiros colocados.

Mas, ali estava ele, em meio a meninos e meninas ainda muito jovens e com muito mais energias, procurando acompanhar as aulas e atividades, sobretudo, as relacionadas aos cálculos matemáticos que tanto travavam no seu cérebro pouco afeito àqueles exercícios que não compreendia e não atinava para a sua serventia. Tendo lançado mão de livros transcritos em Braille, como os de Benedito Castrucci – que, saliente-se, não era o mesmo adotado pela professora Maria do Carmo para a turma, embora ela o conhecesse -, se esforçara e muito, para apreender aqueles conteúdos e os expressar oralmente para a professora, conseguira ao menos, caminhar aceitavelmente, unidade a unidade, até chegar ao final da jornada.

É assim que, certa vez, circulando pelo estadual, talvez fosse no prédio administrativo, ouvira uma voz moça, que lhe chamara pelo nome. Voltando-se para tentar identificar de onde vinha a voz até então desconhecida, o rapaz  lhe dissera:

- Quero lhe ver!

Ao que respondera com sua habitual rudeza e secura, embora acreditasse estar sendo irreverente:

- Está com os olhos vencidos? Procure um oculista!

Mas, o moço não se deu por vencido e insistiu, já travando a sua passagem:

- Estou querendo dizer que quero falar com você...

Sem ter mais como recusar a prosa, este garatujador e o rapaz, iniciaram um a conversa bem agradável que evoluiu para uma amizade lastreada no respeito e na empatia entre aqueles dois moços, tão diferentes, de origens sociais tão díspares, embora ambos tendo algumas coisas em comum, tanto no que diz respeito ao ser e pensar, quanto no que respeita a princípios e predileções.

Era Mário, assim se apresentara e assim passou a ser tratado por colegas e amigos, embora seus familiares o tratassem pelo segundo nome - Cézar. Ele já cursava o segundo grau – no Estadual e no Ginásio Alagoinhas -; era católico ativo nos grupos de jovens diocesanos e, polido, educado, inteligente, de conversa agradável, cobiçado pelas meninas – aliás, disputado literalmente aos tapas – Mas, sobretudo, muito Cortez, sempre se aproximara das pessoas, com o intuito mesmo de as ter como irmãs, em uma acepção bem ampla do termo.

Este garatujador não sabe como Mário descobriu que o seu novo amigo arranhava as cordas de um violão. O certo é que o moço cismou que aquele poderia ensinar-lhe a manejar aquele instrumento. Ali nascera a primeira divergência entre os novos amigos. Ele, queria aprender tocar músicas românticas – principalmente as de Roberto Carlos. O outro, já se imiscuindo em outro tipo de música, retrucava que não se aprendia violão para tocar determinada música; mas, se aprendia violão, para tocar qualquer música.

Na condição de católico e partícipe dos encontros diocesanos, o rapazinho estava enamorado por uma estudante do colégio São Francisco e, queria cantar para ela, impressionando-a ainda mais, ao cantar e tocar ele mesmo.

Ponderou-se que, para tanto, ele precisaria aprender o instrumento, de modo que pudesse tocar e cantar qualquer coisa que quisesse e, quiçá, que a garota pedisse. E, foi grande a altercação entre os dois. Porém, o respeito e a admiração mútua, fortaleceu-se em tal circunstância.

A querela acabou tendo uma solução quase salomônica. O pretenso professor propôs que o aprendiz fosse disciplinado na aprendizagem e, duas músicas seriam ensinadas. O aluno topou a proposta e, logo ele aprendeu Feliz Serás, música que ambos aprenderam a gostar, tendo ouvido a interpretação de Denise Cardoso – então ainda uma criança. A referida música, saliente-se, passou a ser conhecida por este narrador, a partir de sua inserção na Igreja Batista.

 

https://youtu.be/DWjz6r7FxoU

 

A segunda das duas músicas, foi aquela que o rapaz queria cantar para a menina que ele então escolhera para se enamorar. Dizia ele que aquela canção retratava bem a jovem e, que ouvindo o fazia lembrar de seu traço mais marcante: sempre trazer os cabelos em tranças. Era, nada mais nada menos do que Antônio Marcos com a belíssima interpretação da não menos magnífica: Menina de trança, que já era conhecida deste escrevinhador, claro, por meio das audições de rádio.

 

https://youtu.be/W5XS1NMhO4A

 

José Jorge Andrade Damasceno 

23 de setembro de 2021 - Primavera!

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