Um escrevedor volta a falar de memória musical – VI: com o
rádio no pé do ouvido – primeiro semestre de 1980 – O Amigo Mário
Embora pouco polido, com gestos desajeitados e bruscos, de
falar rude, duro e sêco, este escrevedor conseguira atrair para si algumas
pessoas que arriscaram a aproximação e, ignorando os coices e refugos, acabaram
por construir sólidas e duradouras
amizades, embora escassas, diga-se de passagem.
Como resultado do pedido feito a Seu Faustino, nos
princípios outonais de março de 1980, era retomada a caminhada na senda dos
estudos. A sétima série, sempre desafiadora e complexa, fora encarada por este
escrevente em nova e decisiva etapa de sua vida. Já prestes a completar vinte
anos, não teria sentido pensar em uma vida “nova”, agora pautada na leitura,
estudo e apreensão de novos ensinos para se afirmar como crente, sem, contudo,
conseguir se desvencilhar do primeiro grau.
Os seus colegas que cursaram a sétima série nas vezes
anteriores, estavam já iniciando o segundo grau, embora alguns deles fossem
mais novos. No entanto, ele estava ali, empacado na mesma série que estivera
três anos antes. Àquela altura, a distância já se fizera grande e, o que lhe
restava era procurar prosseguir a caminhada. Em uma corrida de qualquer modalidade,
equivaleria a ser um retardatário, correndo sim, mas há algumas voltas dos
primeiros colocados.
Mas, ali estava ele, em meio a meninos e meninas ainda muito
jovens e com muito mais energias, procurando acompanhar as aulas e atividades,
sobretudo, as relacionadas aos cálculos matemáticos que tanto travavam no seu
cérebro pouco afeito àqueles exercícios que não compreendia e não atinava para
a sua serventia. Tendo lançado mão de livros transcritos em Braille, como os de
Benedito Castrucci – que, saliente-se, não era o mesmo adotado pela professora
Maria do Carmo para a turma, embora ela o conhecesse -, se esforçara e muito,
para apreender aqueles conteúdos e os expressar oralmente para a professora,
conseguira ao menos, caminhar aceitavelmente, unidade a unidade, até chegar ao
final da jornada.
É assim que, certa vez, circulando pelo estadual, talvez
fosse no prédio administrativo, ouvira uma voz moça, que lhe chamara pelo nome.
Voltando-se para tentar identificar de onde vinha a voz até então desconhecida,
o rapaz lhe dissera:
- Quero lhe ver!
Ao que respondera com sua habitual rudeza e secura, embora
acreditasse estar sendo irreverente:
- Está com os olhos vencidos? Procure um oculista!
Mas, o moço não se deu por vencido e insistiu, já travando a
sua passagem:
- Estou querendo dizer que quero falar com você...
Sem ter mais como recusar a prosa, este garatujador e o
rapaz, iniciaram um a conversa bem agradável que evoluiu para uma amizade
lastreada no respeito e na empatia entre aqueles dois moços, tão diferentes, de
origens sociais tão díspares, embora ambos tendo algumas coisas em comum, tanto
no que diz respeito ao ser e pensar, quanto no que respeita a princípios e
predileções.
Era Mário, assim se apresentara e assim passou a ser tratado
por colegas e amigos, embora seus familiares o tratassem pelo segundo nome -
Cézar. Ele já cursava o segundo grau – no Estadual e no Ginásio Alagoinhas -;
era católico ativo nos grupos de jovens diocesanos e, polido, educado,
inteligente, de conversa agradável, cobiçado pelas meninas – aliás, disputado literalmente
aos tapas – Mas, sobretudo, muito Cortez, sempre se aproximara das pessoas, com
o intuito mesmo de as ter como irmãs, em uma acepção bem ampla do termo.
Este garatujador não sabe como Mário descobriu que o seu
novo amigo arranhava as cordas de um violão. O certo é que o moço cismou que
aquele poderia ensinar-lhe a manejar aquele instrumento. Ali nascera a primeira
divergência entre os novos amigos. Ele, queria aprender tocar músicas
românticas – principalmente as de Roberto Carlos. O outro, já se imiscuindo em
outro tipo de música, retrucava que não se aprendia violão para tocar
determinada música; mas, se aprendia violão, para tocar qualquer música.
Na condição de católico e partícipe dos encontros
diocesanos, o rapazinho estava enamorado por uma estudante do colégio São
Francisco e, queria cantar para ela, impressionando-a ainda mais, ao cantar e
tocar ele mesmo.
Ponderou-se que, para tanto, ele precisaria aprender o
instrumento, de modo que pudesse tocar e cantar qualquer coisa que quisesse e,
quiçá, que a garota pedisse. E, foi grande a altercação entre os dois. Porém, o
respeito e a admiração mútua, fortaleceu-se em tal circunstância.
A querela acabou tendo uma solução quase salomônica. O pretenso
professor propôs que o aprendiz fosse disciplinado na aprendizagem e, duas
músicas seriam ensinadas. O aluno topou a proposta e, logo ele aprendeu Feliz
Serás, música que ambos aprenderam a gostar, tendo ouvido a interpretação de
Denise Cardoso – então ainda uma criança. A referida música, saliente-se,
passou a ser conhecida por este narrador, a partir de sua inserção na Igreja
Batista.
A segunda das duas músicas, foi aquela que o rapaz queria
cantar para a menina que ele então escolhera para se enamorar. Dizia ele que
aquela canção retratava bem a jovem e, que ouvindo o fazia lembrar de seu traço
mais marcante: sempre trazer os cabelos em tranças. Era, nada mais nada menos
do que Antônio Marcos com a belíssima interpretação da não menos magnífica: Menina
de trança, que já era conhecida deste escrevinhador, claro, por meio das
audições de rádio.
José Jorge Andrade Damasceno
23 de setembro de 2021 - Primavera!
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