sábado, 15 de março de 2025

1985:QUARENTA ANOS DE UMA POSSE PRESIDENCIAL FRUSTRADA

Ele até que veio. Todavia, não conseguiu chegar.

 

O ano de 1984 no Brasil, em todo o seu transcorrer, foi marcado por grandes expectativas em relação ao desenlace da mais longa ditadura de caráter militar do período republicano – ditadura que alguns estudiosos classificam como “civil-militar -, tempo em que cinco generais do Exército brasileiro, ocuparam o poder executivo do país, deixando um rastro de dor, sangue e lágrimas, por todo o tempo de vigência do “regime de exceção” implantado vinte anos antes. Durante a escrita daquela “página infeliz da nossa História” – como dissera Chico Buarque de Holanda, em música lançada naquele mesmo 1984 -, alguns milhares de cidadãos, em nome de um pretenso combate a um imaginado comunismo, tiveram seus espaços de residência invadidos e pais, amigos, filhos, mães que foram conspurcados do seu interior e, posteriormente presos nos diversos espaços militares do espalhados por todos os estados e por todas as regiões do território nacional, sem quaisquer considerações no que respeitasse a idade e/ou  a condição social deles. Sobretudo – mas não só – sob a vigência do Ato Institucional Número 5 (AI5), algumas centenas ou, quiçá milhares daqueles denominados como “presos políticos”, foram tornados incomunicáveis, tiveram cerceado o direito a acompanhamento jurídico, sistematicamente torturados, seviciados – uma das vítimas, dissera em entrevista recente na imprensa, que “meteram o dedos em todos os buracos”, quando presa junto com a sua mãe, na mesma unidade onde estivera preso e fora assassinado o seu pai, contando 15 anos na ocasião do ocorrido -, outros foram mortos, em alguns casos, tiveram os seus corpos incinerados, enterrados em valas comuns ou em lugares de dificílimo acesso, lançados ao mar – em alguns outros casos, estando ainda com vida -, forçando a um grande números daqueles outros familiares que escaparam a um tal destino, a fazer verdadeiras peregrinações pelos diversos órgãos de repressão, buscando – e por vezes recebendo – apoios de várias entidades tais como “OAB”, “ABI” e, alguns setores da Igreja Católica, com o objetivo de obterem informações de seus parentes presos, de receberem indicações do que foi feito deles e, onde foram sepultados, no caso de terem sido mortos.

Era janeiro e, quase ao seu final, comemorara-se o aniversário da cidade de São Paulo e, em meio àquela efeméride, deu-se início a uma campanha, posteriormente denominada de “Diretas Já”, fazendo alusão às eleições presidenciais que se avizinhavam, que desde o golpe perpetrado em 1964, fundamentados em “Entulho” legal desde então construído, eram feitas em um “Colégio eleitoral”, formado por deputados e senadores da República, por meio do qual era legitimada a candidatura apresentada pela cúpula militar. A referida campanha, era encetada, com vistas a que se permitisse a volta do sufrágio universal para que o próximo presidente fosse eleito pelas urnas. Artistas, políticos, religiosos e civis em geral, se fizeram presentes em palanques armados em várias capitais brasileiras, no transcurso de todo aquele último ano de governo daquele que seria o último dos generais presidentes. A campanha ganha fôlego com o avançar dos dias e, um deputado acaba por apresentar um projeto que pudesse enfim, acabar com a eleição presidencial por meio do Colégio Eleitoral e, se fizesse por via direta, com participação de todos os eleitores em tão importante escolha.

Embora se soubesse que a bancada oposicionista não possuía os dois terços dos votos necessários para a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, como ficou conhecida, alimentou-se a esperança de que alguns deputados da base governista viessem a ser convencidos da necessidade daquela mudança e, para tal, mobilizou-se “a rua”, em grandes comícios como o da  Cinelândia no Rio de Janeiro, entre outros, com cada vez maior número de pessoas sendo atraídas para aquelas manifestações. Sem qualquer surpresa, a emenda constitucional foi derrotada em plenário e, só restou aceitar a realização da eleição de um homem da oposição, mesmo no Colégio Eleitoral Seria uma espécie de enfrentar o inimigo em seus domínios e com as suas próprias armas.

Desta forma, um experiente político mineiro foi o escalado para travar aquela batalha. Tendo sido um dentre aqueles que estivera ao lado do presidente deposto por aqueles militares que ora deveriam ser apeados do poder que usurparam, aquele mineiro de fala mansa e de excelente transito entre os partidos, mesmo o que dava apoio incondicional aos chefes militares do executivo por todo aquele tempo, costurara uma aliança que envolvia quase todo o espectro político do país, conseguindo enfim, reunir em torno do seu nome, os principais votantes no Colégio Eleitoral, o que se constituiu em manobra fundamental, que permitiu que o seu nome fosse sufragado, para que passasse a ser o novo presidente do Brasil, sendo o primeiro civil a ocupar aquele cargo, desde 1964, quando João Goulart fora defenestrado da presidência, por meio de um golpe promovido pelas Forças Armadas.

É assim que, depois da frustração enfrentada por aqueles todos que queriam as "diretas já", Tancredo de Almeida Neves (1910-1985) acabou eleito pelo colégio eleitoral, para suceder o último presidente general, cuja conclusão do mandato se daria em 15 de março de 1985, ocasião em que o primeiro presidente civil em 25 anos passaria a ocupar o Planalto. Ele até veio, tendo feito um discurso antológico, logo depois do resultado do sufrágio; até escolheu as pessoas com as quais queria trabalhar o processo de redemocratização do Brasil, chamando-as para compor o seu corpo de ministros; fez até algumas viagens internacionais, para se apresentar como o futuro mandatário do seu  país; e, acreditou-se mesmo que o Brasil caminharia na direção da superação do autoritarismo que lhe marcou os passos nos últimos vinte anos, onze meses e quinze dias,  completados naquele ano em que o seu governo se iniciaria. todavia, não conseguiu chegar ao local da posse, para receber a faixa presidencial, pois, na noite que antecederia a transmissão do cargo,  deu-se o internamento de Tancredo Neves no hospital de Base em Brasília, culminando com a sua morte, cerca de trinta e seis dias depois, no Instituto do Coração, em São Paulo, frustrando, uma vez mais, todas as expectativas daqueles que tanto tempo esperaram pelo fim da ditadura cívico militar, que matou, torturou, fez desaparecerem pessoas e os seus corpos, em vinte e um anos de vigência de sua nefasta subjugação da frágil e excludente democracia brasileira. 


Professor Jorge Damasceno

- historiadorbaiano@gmail.com

Um comentário:

  1. Parabéns! Seus escritos são de uma legitimidade imensa, não sou política, mas gosto de conhecer a real história do Brasil . Continue caminhando nessa linha para que mais pessoas como eu, sem muito embasamento político possa se Enriquecer cultural e politicamente.

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