Ele até que veio. Todavia, não conseguiu chegar.
O ano de 1984 no Brasil, em todo o seu transcorrer, foi
marcado por grandes expectativas em relação ao desenlace da mais longa ditadura
de caráter militar do período republicano – ditadura que alguns estudiosos
classificam como “civil-militar -, tempo em que cinco generais do Exército
brasileiro, ocuparam o poder executivo do país, deixando um rastro de dor,
sangue e lágrimas, por todo o tempo de vigência do “regime de exceção” implantado
vinte anos antes. Durante a escrita daquela “página infeliz da nossa História” –
como dissera Chico Buarque de Holanda, em música lançada naquele mesmo 1984 -,
alguns milhares de cidadãos, em nome de um pretenso combate a um imaginado
comunismo, tiveram seus espaços de residência invadidos e pais, amigos, filhos,
mães que foram conspurcados do seu interior e, posteriormente presos nos diversos
espaços militares do espalhados por todos os estados e por todas as regiões do
território nacional, sem quaisquer considerações no que respeitasse a idade
e/ou a condição social deles. Sobretudo –
mas não só – sob a vigência do Ato Institucional Número 5 (AI5), algumas centenas
ou, quiçá milhares daqueles denominados como “presos políticos”, foram tornados
incomunicáveis, tiveram cerceado o direito a acompanhamento jurídico, sistematicamente
torturados, seviciados – uma das vítimas, dissera em entrevista recente na imprensa,
que “meteram o dedos em todos os buracos”, quando presa junto com a sua mãe, na
mesma unidade onde estivera preso e fora assassinado o seu pai, contando 15
anos na ocasião do ocorrido -, outros foram mortos, em alguns casos, tiveram os
seus corpos incinerados, enterrados em valas comuns ou em lugares de dificílimo
acesso, lançados ao mar – em alguns outros casos, estando ainda com vida -,
forçando a um grande números daqueles outros familiares que escaparam a um tal
destino, a fazer verdadeiras peregrinações pelos diversos órgãos de repressão,
buscando – e por vezes recebendo – apoios de várias entidades tais como “OAB”, “ABI”
e, alguns setores da Igreja Católica, com o objetivo de obterem informações de
seus parentes presos, de receberem indicações do que foi feito deles e, onde
foram sepultados, no caso de terem sido mortos.
Era janeiro e, quase ao seu final, comemorara-se o
aniversário da cidade de São Paulo e, em meio àquela efeméride, deu-se início a
uma campanha, posteriormente denominada de “Diretas Já”, fazendo alusão às eleições
presidenciais que se avizinhavam, que desde o golpe perpetrado em 1964,
fundamentados em “Entulho” legal desde então construído, eram feitas em um “Colégio
eleitoral”, formado por deputados e senadores da República, por meio do qual
era legitimada a candidatura apresentada pela cúpula militar. A referida
campanha, era encetada, com vistas a que se permitisse a volta do sufrágio
universal para que o próximo presidente fosse eleito pelas urnas. Artistas,
políticos, religiosos e civis em geral, se fizeram presentes em palanques
armados em várias capitais brasileiras, no transcurso de todo aquele último ano
de governo daquele que seria o último dos generais presidentes. A campanha
ganha fôlego com o avançar dos dias e, um deputado acaba por apresentar um
projeto que pudesse enfim, acabar com a eleição presidencial por meio do
Colégio Eleitoral e, se fizesse por via direta, com participação de todos os
eleitores em tão importante escolha.
Embora se soubesse que a bancada oposicionista não possuía os
dois terços dos votos necessários para a aprovação da Emenda Dante de Oliveira,
como ficou conhecida, alimentou-se a esperança de que alguns deputados da base
governista viessem a ser convencidos da necessidade daquela mudança e, para
tal, mobilizou-se “a rua”, em grandes comícios como o da Cinelândia no Rio de Janeiro, entre outros,
com cada vez maior número de pessoas sendo atraídas para aquelas manifestações.
Sem qualquer surpresa, a emenda constitucional foi derrotada em plenário e, só restou
aceitar a realização da eleição de um homem da oposição, mesmo no Colégio
Eleitoral Seria uma espécie de enfrentar o inimigo em seus domínios e com as
suas próprias armas.
Desta forma, um experiente político mineiro foi o escalado
para travar aquela batalha. Tendo sido um dentre aqueles que estivera ao lado
do presidente deposto por aqueles militares que ora deveriam ser apeados do
poder que usurparam, aquele mineiro de fala mansa e de excelente transito entre
os partidos, mesmo o que dava apoio incondicional aos chefes militares do
executivo por todo aquele tempo, costurara uma aliança que envolvia quase todo
o espectro político do país, conseguindo enfim, reunir em torno do seu nome, os
principais votantes no Colégio Eleitoral, o que se constituiu em manobra
fundamental, que permitiu que o seu nome fosse sufragado, para que passasse
a ser o novo presidente do Brasil, sendo o primeiro civil a ocupar aquele
cargo, desde 1964, quando João Goulart fora defenestrado da presidência, por
meio de um golpe promovido pelas Forças Armadas.
É assim que, depois da frustração enfrentada por aqueles todos que queriam as "diretas já", Tancredo de Almeida Neves (1910-1985) acabou eleito pelo colégio eleitoral, para suceder o último presidente general, cuja conclusão do mandato se daria em 15 de março de 1985, ocasião em que o primeiro presidente civil em 25 anos passaria a ocupar o Planalto. Ele até veio, tendo feito um discurso antológico, logo depois do resultado do sufrágio; até escolheu as pessoas com as quais queria trabalhar o processo de redemocratização do Brasil, chamando-as para compor o seu corpo de ministros; fez até algumas viagens internacionais, para se apresentar como o futuro mandatário do seu país; e, acreditou-se mesmo que o Brasil caminharia na direção da superação do autoritarismo que lhe marcou os passos nos últimos vinte anos, onze meses e quinze dias, completados naquele ano em que o seu governo se iniciaria. todavia, não conseguiu chegar ao local da posse, para receber a faixa presidencial, pois, na noite que antecederia a transmissão do cargo, deu-se o internamento de Tancredo Neves no hospital de Base em Brasília, culminando com a sua morte, cerca de trinta e seis dias depois, no Instituto do Coração, em São Paulo, frustrando, uma vez mais, todas as expectativas daqueles que tanto tempo esperaram pelo fim da ditadura cívico militar, que matou, torturou, fez desaparecerem pessoas e os seus corpos, em vinte e um anos de vigência de sua nefasta subjugação da frágil e excludente democracia brasileira.
Professor Jorge Damasceno
- historiadorbaiano@gmail.com
Parabéns! Seus escritos são de uma legitimidade imensa, não sou política, mas gosto de conhecer a real história do Brasil . Continue caminhando nessa linha para que mais pessoas como eu, sem muito embasamento político possa se Enriquecer cultural e politicamente.
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