domingo, 9 de fevereiro de 2025

SEIS DIGRESSÕES SOBRE UNS TEMPOS IDOS – PARTE V.

 

 

ERAM QUASE SETE MIL ALUNOS E MUITOS OS INTERROGARES!

 

Aqui, se pretende continuar a puxar o fio das digressões sobre uns tempos idos, fio que teve o seu ponto de partida, no primeiro dia do ano de 1977, quando José Mário se dirige até a Câmara de vereadores do seu município, com o fito de tomar parte no evento em que foram empossados o novo corpo legislativo e, o novo administrador da cidade. Antes de o encontrar na expectativa da chegada de março e, com ele, a retomada do seu processo de formação escolar, voltou-se um pouco ao final do ano de 1976, para ali encontrá-lo a debater-se com uma realidade que, aliás, não lhe era desconhecida, aquela de se encontrar só em meio a ruidosa, amorfa e “alegre” multidão, enquanto ele, precisaria voltar para casa triste, silencioso e pensativo. Depois de tentar responder a alguns questionamentos em torno daquela última digressão, finalmente, alcançou-se o mês de março e o seu início de ano letivo. Ali, se procurou digressar um pouco sobre dois elementos matemáticos que se apresentaram para José Mário, como sendo o seu “calcanhar de Aquiles”, razão pela qual ele ficara estacionário em sua seriação, por pelo menos três anos, os “monômios” e os “polinômios”. Desta forma, ao tentar elaborar mais uma digressão sobre aqueles tempos idos, que ajudaram a forjar o processo de amadurecimento daquele rapaz tímido, retraído e, mesmo aos quase dezessete anos, desprovido das ferramentas que o ajudassem a discernir os movimentos, os comportamentos, bem como, os modos de pensar e de agir das pessoas ao seu redor, que lhe permitisse decifrar os enigmas que a vida lhe apresentava e, que o tornasse capaz de tomar decisões, com o maior número possível de acertos, o que o tornaria apto para o indispensável interagir com o todo social.

Dito isto, faz-se necessário salientar que, o Estado da Bahia, tanto a sua capital, quanto algumas cidades médias do seu vasto território, experimentou uma expansão rápida e bastante abrangente do processo de interiorização da educação ginasial e secundária, no período em que foi governado por Luís Viana Filho (1908-1990), que tomara posse em 1967 e, governara até 1971, quando foi sucedido por Antônio Carlos Peixoto de Magalhães (1927-2007), que assumira os destinos dos baianos em 1971, que, por sua vez, fez-se suceder por Roberto Filgueiras Santos (1926-2021), que assumira as rédeas políticas e administrativas da Bahia em 1975, tendo permanecido no Palácio de Ondina até 1979, quando devolvera o comando político-administrativo ao seu sucessor.

Aquele momento histórico foi marcado pela construção de um grande número de prédios escolares que, à época, poderiam parecer monumentais ou “faraônicos”, como se vociferava na imprensa na ocasião, mormente, a da capital. Não obstante aquelas críticas, Alagoinhas foi uma das cidades baianas contempladas pela instituição de um Ginásio Estadual, em 1968, cujo funcionamento se dera temporariamente, no espaço onde houvera funcionado a escola do Senai, à Praça Barão do Rio Branco, tendo passado para o seu prédio definitivo em 1970. Já se disse em um outro texto publicado neste mesmo espaço que, José Mário ali estivera no mesmo ano em que começara o desenvolvimento das suas atividades naquele lugar, acompanhando o seu irmão mais velho, quando ainda se podia sentir os cheiros das tintas frescas, do cimento há pouco aplicado; daquele ar de mato verde, bem como da vasta vegetação que ainda era predominante em seu derredor; as carteiras nas salas de aula e o mobiliário existente nos espaços administrativos, ainda cheiravam a novo e, grande parte da área em que fora encravado, ainda se encontrava intacta ou em fase de conclusão das edificações. Era um terreno situado em uma área em que havia um grande número de xácaras e sítios diversos, pouco habitada, situada há cerca de dois quilômetros de Alagoinhas Velha; cerca de um quilômetros do centro comercial; próxima a um lugar chamado “fonte dos Padres – para onde acorriam alguns alunos mais ariscos, com o fito de tomar banho nas tarde frias ou quentes, enquanto transcorriam as aulas às quais haviam se furtado a assistir”. Ali foi erguido um conjunto formado por quatro pavilhões de aulas e um quinto, que abrigaria o setor administrativo, uma biblioteca, um auditório, tudo em espaços bem alentados. Cravado em amplo espaço de terra, ladeado  pelo também recém-inaugurado estádio Antônio Carneiro e ofuscando aquele que até então fora o único ginásio misto da cidade, embora fosse uma instituição privada, era nele que se refugiavam os filhos daqueles que poderiam até pagar uma mensalidade, mas, não poderiam pagar e manter os seus rebentos em Salvador.

Portanto, era já março, talvez na sua segunda septena, ao se encaminhar para o “Estadual” na primeira semana letiva daquele fim de verão de 1977, o grupo formado pelos cerca de sete mil alunos, distribuídos pelos três turnos de funcionamento daquela unidade escolar, quiçá se perguntasse entre si, ou de si para consigo, quais seriam as matérias que seriam ensinadas, quem seriam os professores que estariam diante dos alunos por todo aquele ano e, com quais colegas voltariam a interagir, quer em salas, quer nos corredores. E outros, já familiarizados com a estrutura física do Centro Integrado, talvez conversassem durante o seu trajeto até as dependências do aludido espaço de formação educacional,  a respeito de saber em qual pavilhão de aulas a sua turma seria alocada. OU ainda, em quais horários, tais ou quais matérias seriam apresentadas. Em suma, desde a saída de suas casas, situadas nos diversos bairros de que era formada a cidade, passando pelo transporte coletivo que precisariam utilizar para se deslocarem até o centro da urbe alagoinhense e, por fim, enquanto completavam o trajeto a pé pelas ruas que os levariam finalmente àquele prédio monumental que os receberia por todo aquele ano, aqueles estudantes, em grupos ou em marcha solitária, talvez conversassem entre si e/ou conjeturassem de si para consigo, o que seria, o que haveria, o que enfrentariam, o que esperavam aprender e apreender e, sobretudo, qual o resultado que alcançariam naquele ano de idas e vindas por aqueles caminhos, em tempos ensolarados e quentes ou, em dias chuvosos e frios, bem como nos dias primaveris de temperaturas mais amenas, que precisariam enfrentar, por mais aquele ano que se iniciava naquele dia. E José Mário, entre eles, ansiava por chegar o momento em que poderia começar a descortinar todos aqueles interrogares, quiçá, encontrando algumas respostas para eles.

Vale salientar de passagem, a heterogeneidade que marcava aqueles presumíveis sete mil alunos que frequentaram o Centro Integrado Luiz Navarro de Brito  nos seus tempos áureos, entre as sete da manhã e as dez e quarenta da noite. Alguns daqueles grupos de alunos estariam ali pela primeira vez, para cursar a quinta série; certamente, estranhariam a rotatividade de professores, de horários em que deveriam assistir cada matéria; da imensidão do espaço que se lhe apresentava estonteante e, para um bom número deles, quase assustador, considerando-se os pequenos espaços escolares de onde eram originários; muitos deles, talvez, viessem de comunidades rurais em que as instalações escolares fossem muito precárias e os espaços onde funcionavam fossem ainda mais acanhados. Alguns outros eram formados por aqueles que não conseguiram ultrapassar aquelas barreiras iniciais da nova caminhada no processo escolar e, repetiriam as séries iniciadas no ano anterior; para eles eram abertas turmas que os agregassem, como se fosse necessário afastar aqueles grupos de “repetentes” daqueles outros que estavam iniciando a nova caminhada na nova série, baseados, sabe-se lá em tais ou quais teorias pedagógicas, ou metodologias educacionais, que presumivelmente cravassem que os “repetentes” atrasariam os “seriados” e/ou os induziriam à “vadiagem”, no sentido de minar o interesse daqueles que “queriam alguma coisa”. Um terceiro grupo era formado por aqueles que precisavam dos cursos noturnos para completar – ou mesmo iniciar – a sua caminhada escolar, em concomitância com as atividades laborais, quase sempre desenvolvidas no comércio local, uma vez que não tivera a oportunidade de estudar – ou não pudera – naquilo que se convencionou chamar de “idade escolar” ideal.

Dizia-se que, a idade escolar padrão para que se completasse o ciclo que se iniciaria aos onze anos, tempo em que se deveria ingressar na quinta série i os catorze anos, quando se deveria concluir o primeiro grau, cursando a oitava série. Este último grupo de estudantes, que ingressava na quinta série depois daquela “idade escolar” padrão, talvez seja aquele que apresenta em sua caracterização endógena, uma heterogeneidade ainda mais acentuada, visto que se diferenciava, conforme já se salientou, pela idade em que iniciava a quinta série – em tese, aos dezesseis anos, idade mínima para se estudar a noite -, insista-se, também se diversificava no que respeita à motivação que o levava a insistir em estudar em circunstâncias pouquíssimo favoráveis ao cumprimento de tarefas escolares, ao acompanhamento das atividades de classe, à realização das chamadas atividades extraclasse, além da dificuldade de conciliar os horários de trabalho, de estudos e de descanso, tanto físico, quanto mental.

Quanto a José Mário, considerando-se a maior parte dos aspectos inerentes às suas peculiaridades, talvez ele pudesse ser mais bem encaixado no terceiro grupo dos alunos há pouco examinados, tomando na devida conta a heterogeneidade de sua formação. Embora ainda não estudasse no noturno, mas estava com a idade acima do esperado, ao cursar a sétima série, visto já ter completado dezesseis anos, tempo em que já deveria estar no segundo ano do segundo grau; embora ainda não trabalhasse, possuía grandes dificuldades para fazer frente às obrigações escolares e à elaboração das tarefas correspondentes a cada uma das matérias que precisaria dar conta. Embora contasse com o apoio de alguns colegas de turma e com o incentivo de alguns dos seus professores, tais aportes não eram suficientes para mitigar a falta de acesso ao material de leitura equivalente a cada disciplina, o que reduzia bastante a possibilidade de participação nas aulas, a apresentação das suas dúvidas e ao pedido de maiores e melhores explicações de questões mais específicas relativas à exposição dos docentes. É claro que isto dificultaria – embora não impedisse – a aprendizagem, o que prejudicaria muito a consolidação dos processos estruturais de formação discente – o que mais tarde se apresentou com maior gravidade, nas etapas posteriores. Logo, foi com estes interrogares que José Mário e os seus cerca de sete mil colegas de turma e prédio, enfrentaram o primeiro dia de aulas daquele início de caminhada.

 

Professor José Jorge Andrade Damasceno – Alagoinhas 09 de fevereiro de 2025.

 

historiadorbaiano!gmail.com

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