quinta-feira, 16 de junho de 2022

Histórias e Memórias de reveses - II

Histórias e memórias de reveses de um professor em princípio de carreira – II

 

A “Santa Inquisição” moderna, pautada pelas redes sociais, que impõem o “modus” como as pessoas devem viver, pensar, agir, reagir e se comportar mediante “prescrições” de regras morais, estabelecendo severo patrulhamento individual e;/ou coletivo e, que  condena indiscriminada e diariamente, todos quantos não possam ou não se queiram enquadrar aos dogmas e aos ditames construídos e transmitidos por meio de uma grande capilaridade de fios que formam o tecido tecnológico que envolve a chamada “sociedade global”. O conjunto de tais dogmas e normas que moldam o “ser social” forjado nos últimos vinte ou trinta anos, condiciona as gerações nascidas naquilo que se poderia denominar de “Era tecnológica”, na medida em que elas se sentem obrigadas a se encaixar nos “quadradinhos” a elas destinados, sem o que, passam a ser consideradas “deslocadas”. Talvez se possa encontrar ali, explicações para se ter um número tão grande de jovens emocionalmente doentes – fobias, depressões e outros distúrbios psicossociais -, lotando as agendas de consultórios psiquiátricos e, aumentando sensivelmente o número de pessoas que precisam de atendimento psicológico e, que são submetidas a prescrição/administração de remédios cada vez mais fortes.

Entre os tais “quadradinhos” a que estas gerações precisam se encaixar, está aquele em que não é permitido fracassar, tanto no que diz respeito ao aspecto profissional, quanto no que tange aos processos relacionados à obtenção de “prosperidade” econômica e social, ascensão política e cultural “feliz no amor”... Em suma: é proibido não vencer, em tudo que fizer ou lhe for cobrado fazer. Tanto pior, se a pessoa for considerada “bonita”, “inteligente”, “competente”, “apta”. Evidentemente, tais considerações são feitas a partir de uma avaliação tão superficial quanto subjetiva, visto que, grande parte das vezes, aquela pessoa sequer foi testada, para que se pudesse chegar a tais conclusões.

É assim que, neste segundo arrazoado, serão apresentadas mais algumas memórias de reveses sofridos por este escrevedor na sua caminhada rumo à sua inserção no mundo do trabalho docente. Tendo percebido que as portas estavam mais do que fechadas no setor privado, passou a considerar a possibilidade de iniciar o processo de preparação para o ingresso no ensino público, mediante a realização de concursos, por meio dos quais ele acreditava que algumas barreiras seriam quebradas, em tese, graças à “impessoalidade” daquele tipo de avaliação.

Foi assim que se dispôs a encarar o concurso para professor na rede estadual  de ensino, realizado em 1992. Depois de ter cumprido todas as exigências burocráticas impostas ao candidato, para que ele pudesse ter o direito ao recebimento do material avaliativo em Braille, tal não foi a sua surpresa, decepção e frustração, quando ao chegar no local da realização das provas, fora informado que para lá não enviado qualquer material especial para a consecução do certame.

Como é praxe neste País e neste Estado, procurou-se “dourar a pílula”, inventando uma solução: quem fora credenciado para fiscalizar o exame, acabara convocada para realizar a leitura do material para o candidato. Nem precisa dizer que a “emenda saiu pior do que o soneto”. Apesar da boa vontade da dita leitora e, a despeito de ser aa dita, professora: era analfabeta, no que tange à leitura. Pontuação, entonação, ritmo de leitura: zero, zero, zero.

Moral: reprovado. Este escrevente precisou lidar com o fato consumado de uma avaliação não feita, malfeita, fazendo com que ele tivesse de assistir ao acesso de colegas ao magistério público estadual, tidos e havidos como “fracos” e, ele, tido e havido como “forte”, estava fora.

Procurando virar aquela página, não sem muito esforço e sofrimento - pela perda; pelo atraso no acesso ao mercado de trabalho, acesso que tanto necessitava -, passou a buscar fazer uma revisão geral daquilo que estudara na graduação, visando submeter-se a algum concurso para a FFPA. Todo o ano de 1993 fora empregado nesta tarefa. Leituras sistemáticas, metódicas e disciplinadas foram desenvolvidas durante todo aquele período, mediante a contratação de ledoras – estas sim, competentes e escolhidas criteriosamente pelo interessado.

Para fazer face aos custos de tal empreitada, contou-se com a colaboração de um bom número de colegas; teve a franquia da biblioteca particular de um outro; obteve uma subvenção em dinheiro feita por um grupo de alemães que visitara o Vale da Nova Esperança e, simpatizara com a “causa” daquele estudante. Tal subvenção foi sine qua non, no processo de aquisição de obras necessárias para reforçar o trabalho de preparação para o tal concurso, que aliás, nem se cogitava realizar.

Entre os anos de 1994 e 1995, deu-se uma série de reveses nas pretensões daquele estudante, pois conseguira perder concursos, inclusive, para ele mesmo – na Uefs, fora candidato único; fizera excelente prova escrita; tropeçara fragorosamente na aula pública.

Cabe aqui salientar, de passagem, que para este garatujador, o ingresso no mestrado, nem de longe era alguma coisa plausível para a sua “realidade” intelectual. Ele dissera a alguém, recentemente, que terminar a graduação e conseguir um lugar para ensinar, já teria sido para ele um grande feito, uma grande conquista. Mas, quase que inadvertidamente, praticamente sem qualquer noção de construção de projeto de pesquisa, arriscou uma seleção na UFBA, no final de 1994. Ali, ele perdera exatamente onde era mais frágil no seu processo de formação: na prova teórica; seu futuro orientador acertara em cheio quando lhe dissera:

- Você não leu a bibliografia.

16 de junho de 2022

 

José Jorge Andrade Damasceno 

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