Histórias e memórias de reveses de um professor em princípio
de carreira - I
Há uma pressão social exercida pela mídia e pelas redes
sociais, no sentido de fazer com que os indivíduos busquem o êxito em tudo que
diz ou faz. A “Era das realizações”, imposta sobretudo aos jovens, assevera que
um revés, ou um conjunto deles, é um sinal indicativo de incompetência e de
fracasso, não só enquanto pessoa, como também como profissional.
É assim que, dificilmente alguém relataria, publicaria, ou
mesmo daria a conhecer os infortúnios que sofrera no transcurso da vida, mormente,
àquelas pessoas que não o conhecera antes do momento vivido.
Neste arrazoado, se buscará trazer a partir da memória selecionada
por este escrevedor, alguns dentre muitos que ele vivenciara ao longo de sua
vida. Os leitores que já frequentam este espaço, já conhecem alguns deles,
relatados em outros escritos: as mortes prematuras de seus irmãos; a morte de
sua mãe, bem como algumas facetas de seu caminhar e do farfalhar de sua
genitora, no labor para lhe prover a roupa, o abrigo e o alimento.
Ao concluir a Licenciatura em História pela Faculdade de
Formação de Professores de Alagoinhas, no ano da Graça de 1991, este escrevente
precisava partir para buscar um espaço no mercado, na condição de professor há
pouco habilitado para o ensino de História. Assim, saíra a procura de escolas
onde pudesse exercer a tarefa docente, em todas recebendo recusas e escusas. Aqui
vão três exemplos.
Certo dia de setembro, chegou a informação de que uma escola
precisava de um professor de História, que pudesse atuar no turno da noite, a
fim de cumprir o calendário. Visto que o horário não mais poderia ser refeito,
o candidato já deveria ter concluído o curso e, por isto mesmo, era preciso que dispusesse de
tempo livre naquele turno. Antes de se apresentar como postulante à dita vaga,
este escrevedor asseverou aos seus colegas que, pelo fato de ser cego, a escola
não o contrataria. Diante da “incredulidade” dos colegas, se dispôs e se
dirigiu até o espaço de “educação” e “ensino”.
Saliente-se de passagem, que o dito candidato fizer contato
telefônico com a direção do estabelecimento, para se certificar que a vaga
ainda não houvera sido ocupada. Em resposta A tal pedido de confirmação, o diretor que atendera o telefone,
respondera que a necessidade de professor ainda não houvera sido atendida.
Não sem surpresa, ao chegar e se apresentar como postulante
à vaga de trabalho anunciada, teve como resposta uma negativa e um comboio de
caminhões de desculpas e escusas, tão vagas quanto inverossímeis.
Em um outro estabelecimento de ensino de prestígio na
cidade, teve-se o cuidado de não se apresentar diretamente; fez chegar o seu curriculum
à direção da escola, por meio de um amigo em comum. Nada de novo: as mesmas
escusas; o mesmo palavrório inútil, insosso, insípido e inodoro: “inteligente”,
“competente”, mas, incapaz de conduzir uma sala de aulas, cujos adolescentes
podem sair e deixá-lo falando só, sem que ele sequer perceba. “Isto nos
acarretaria um custo adicional, no sentido de contratar um outro funcionário,
que viesse a desempenhar a tarefa relacionada ao controle da classe”.
O terceiro e último exemplo que aqui se poderia trazer como
ilustrativo da dificuldade de um professor cego encontrar espaço no mercado do
ensino privado, pode ser relatado em dois casos vividos fora da cidade de
residência deste garatujador.
Em 1991/1992, a imprensa soteropolitana declarara uma “guerra”
às escolas privadas da capital, pegando o mote dos altos preços das
mensalidades cobrados, considerados abusivos, por uma pretensa classe média,
que se via afogada nos custos para colocar e manter os seus filhos nos
prestigiados colégios da cidade. Em meio àquela dita “guerra”, como uma
possível solução para ela, surge uma cooperativa educacional, que se propunha a
prestar serviços educativos, com preços justos e acessíveis. Para tanto,
precisaria contratar docentes.
Ao chegar para postular uma daquelas vagas, na condição de
professor de História, logo fora inquirido pela funcionária que organizava a
fila, se estava ali para “matricular os filhos”. Ao ouvir que estava ali para
postular uma vaga de professor, ouviu a resposta incrédula, quase desdenhosa: “a
fila é aquela ali”, apontando para que o cego insolente, se dirigisse ao balcão
onde se estava procedendo o cadastramento.
Tendo recebido a ficha, saiu; preencheu; voltou e entregou.
Até hoje, no momento mesmo que se escreve estas linhas, espera-se a resposta,
quanto à contratação.
Caso semelhante se deum, quando postulou uma vaga em uma
famosa fundação educacional da região. Daquela vez, também fez uso de
terceiros, que levaria o currículo do postulante até o setor de recrutamento. Inadvertidamente - ou talvez não -, a pessoa colocou no envelope em que se encontrava a documentação: “deficiente visual”. Igualmente, até hoje se espera a resposta, acerca da
contratação.
12 de junho de 2022
José Jorge Andrade Damasceno – historiadorbaiano@gmail.com
É meu irmão. Mas a vitória veio. Porque Deus é fiel 🙏
ResponderExcluirLi com reverente respeito todo o relato acima descrito, me emocionei e me indago, alguma coisa mudou ou a dor, o preconceito a frustração e decepção a despeito de toda a luta ainda permanece?
ResponderExcluir