Histórias e memórias de uns tempos vividos em salvador – III
– Duas travessas de lasanha: uma era só para Edimar
Não é sem razão a má querência que este escrevedor nutre
pela cidade de Salvador. Além de ser uma cidade muito pouco acolhedora para
aqueles que não enxergam, e/ou precisam de auxílios mecânicos para se
locomoverem, os seus administradores têm pouquíssimas preocupações com a
criação e a manutenção de espaços que possam ser usados pelos pedestres que não
vejam ou que tenham mobilidade reduzida por algum motivo. Os espaços urbanos da
soterópolis tem como premissa básica o automóvel de uso individual. Estes, por
sua vez, são colocados sobre os poucos passeios e, mesmo estes, sempre estão
esburacados e sujos; são estreitos ou estreitados pela presença de barracas,
bancas de camelô, entre outros obstáculos que dificultam a circulação de pessoas
cegas e/ou pessoas com dificuldades de mobilidade, indicando a falta de atenção
do poder público, bem como da população em geral, com aqueles que não se
encontram no padrão social, econômico e físico tido como normal pela elite
pensante responsável pelas políticas públicas visando o funcionamento da metrópole.
E, como se disse antes, quanto mais os espaços públicos estão afastados do
centro da cidade e dos espaços culturais/turísticos; quanto mais estão
localizados nas periferias, tanto mais difíceis as condições de passeios,
pavimentos, arruamentos, bem como de sua manutenção/organização.
Conforme já se disse, os casais formados por este
garatujador e sua consorte e, dona Nair e seu Edimar, se visitavam com
regularidade para conversas regadas a boas refeições e prolongadas conversas. O
deslocamento do casal Nair e Edimar até a residência do primeiro casal, era
facilitado pelo fato de ser feito no mesmo sentido de quem se dirigia para o
Centro Administrativo da Bahia. O problema para eles, era o retorno para casa:
ou voltavam andando enfrentando passeios irregulares, maltratados, mal
construídos, malcuidados, ou atravessariam as pistas da avenida Paralela,
aventurando encontrar quem desse informações sobre o ônibus que eles precisariam
utilizar para os levar até o Trobogy, que, como já se disse, era onde eles moravam.
Em um agradável domingo de sol na “capital de todos os
baiano”, recebeu-se a visita do casal do Trobogy, para mais um memorável
almoço, cujo prato seria lasanha.
O grupo foi reforçado por dois amigos dos casais, que,
diga-se de passagem, eram exímios “bons de garfo”, conforme se diz em relação a
pessoas cujos apetites estão sempre abertos, diante de uma mesa farta.
Enquanto a massa era preparada, os quatro cidadãos
conversavam animadamente sobre os assuntos mais diversos e descontraídos, quase
sempre concluídos sobre abundantes gargalhares.
Anunciada a conclusão do processo de preparo e
cozimento da lasanha, cujo cheiro abrira
ainda mais o apetite dos famintos comensais, este escrevedor dispôs-se
imediatamente a servir os pratos de todos.
Duas travessas foram trazidas para a mesa e, claro, seis
pratos fundos, como a ocasião exigia. Tendo feito cada prato, este servidor não
economizou na distribuição de conteúdo, alertando aos dois visitantes que faria
um prato ainda mais generoso para seu Edimar, observando se ele ainda
repetiria...
Ah, cabe salientar que uma das duas travessas fora
deliberadamente separada para o marido de dona Nair.
Assim, todos comeram o alimento que fora generosamente colocado
nos recipientes, bem medidos, sacudidos e recalcados..., inclusive as duas senhôras.
Terminada a rodada, todos foram perguntados se ainda
repetiriam. Todos, ou melhor, quase todos responderam negativamente. A exceção
de seu edimar.
Diante do que, o “garçom” improvisado, logo o atendeu,
colocando no prato do vizinho, a outra metade da travessa a ele destinada. Ele,
por sua vez, não se fez de rogado: para o espanto e estupefação de todos que
ali se encontravam e, de todos que depois vieram a saber do caso, seu Edimar devorou
mais aquele prato cheio, sacudido e recalcado, sem a menor dificuldade.
Talvez seja preciso lembrar aos leitores que aquele comer
abundante, também se fez acompanhar dos líquidos indispensáveis àquele tipo de refeição!
José Jorge Andrade damasceno - 27 de julho de 2021.
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