Quando a rádio era “emissora” e
as ondas eram “médias” – 1974-1979.
O “trabalho da memória” está sempre em consonância com as
escolhas realizadas por quem se dispõe a lembrar e, sobretudo, quando o que é
lembrado sai do silêncio dos anos e salta no presente de quem lembra. Este
lembrar, saliente-se, é marcado pelas escolhas de quem lembra e pelas
ressignificações do presente, o que equivale dizer que, a memória trazida por
quem lembra, o é, de acordo com os escavares das camadas do passado que se quer
lembrar, não deixando de observar o esquecimento como sendo parte do rememorar
que é trazido à superfície, mediante a “reconstrução” de um passado cujo
presente se apresenta como elemento subjacente ao lembrado. Assim é que o
“esquecimento” aparece como o fio por onde se pretende conduzir o “rememorar”,
uma vez que o esquecer é parte intrínseca do esforço de lembrar.
A Rádio Emissora de Alagoinhas é o tipo de memória que
sempre vem a lume, quando se quer falar de um tempo em que o rádio era quase o
único meio de comunicação popular, na medida em que se tornava a companhia
daqueles que permaneciam em casa, grande parte do tempo, em um “tempo” em que
as oportunidades de entreter-se era muitíssimo escassa. A audição de músicas,
possibilitadas pelas emissões radiofônicas, portanto, era o que mais facilmente
chegaria a grande parte das residências dos alagoinhenses. Afinal, os
toca-discos – fossem portáteis ou móveis instalados em algum espaço da casa –
eram caros e, fazia-se necessária uma constante renovação dos acervos de discos,
o que encareceria um pouco mais o processo de atualização deles, uma vez que,
já naquela época, era grande o volume de gravações e ainda pouco organizada a
distribuição discográfica no Brasil dos anos 1970, dificultando o
acompanhamento daquela já larga e variada produção, com o fito de adquirir
pessoalmente as muitas opções que eram apresentadas ao consumidor fonográfico.
Neste sentido, era a audição de rádio que permitia o contato
com um maior número de, diga-se, lançamentos. No caso da Rádio Emissora de
Alagoinhas, parte de seus ouvintes acreditava que assim era: as músicas que
lhes chegava aos ouvidos através da sua programação, eram aquelas que estariam
em evidência no instante mesmo que eram levadas ao ar e chegavam aos seus
receptores. Com o passar do tempo e com a inclusão de outras emissoras
radiofônicas ao escopo de sua “arte de ouvir rádio”, constatou-se que as coisas
não eram bem assim. Ficava cada vez mais nítido o descompasso entre a produção
discográfica e a composição do acervo da discoteca da rádio Emissora de
Alagoinhas.
O distanciamento entre o que se
ouvia nas emissoras de Salvador, por exemplo, e o que era ouvido por cá, foi
ficando mais evidente, com a posterior percepção de que, grande parte dos
discos tocados na Rádio Emissora, sobretudo aqueles que estavam mais em
evidência no momento de sua execução, pertencia aos seus apresentadores. Não
eram raras as vezes que “pedidos musicais” não podiam ser atendidos, porque a
“peça” em causa não fazia parte da discoteca da emissora. Também não eram raras
as vezes em que os “pedidos musicais” envolvendo gravações mais pretéritas,
eram mais facilmente encontráveis, do que outras que estavam no mercado há
pouco tempo.
Neste sentido, é possível
arriscar aqui uma premissa de que há uma relação estreita entre a emissora e os
seus ouvintes, sobretudo aqueles que ouvia apenas ela, no sentido de uma
espécie de “manipulação de um determinado público”, com o objetivo de que ele
seja forjado de acordo com as possibilidades e limites da programação da rádio.,
Assim, é muito provável que o “programador” induzia os seus ouvintes no sentido
de “ter” um determinado “gosto musical”, sempre de acordo com o material que
ele dispunha na “discoteca” da emissora ou no seu acervo pessoal. É, igualmente
claro que, o ouvinte que não possuía contato com a programação de outras emissoras,
desconhecia a existência de outras músicas, que não aquelas tocadas na única
rádio de sua audição, a Emissora de Alagoinhas.
Isto ficou bem evidenciado, pelo
fato de que por um grande período de tempo, a Rádio Emissora de Alagoinhas fez
uso de programas “enlatados”, que eram produzidos quase sempre no Rio de
Janeiro ou em São Paulo e eram distribuídos para todo o Brasil. Tais programas
podiam ser “novelas radiofonizadas”, ou outras adaptações no campo da
dramaturgia, que eram patrocinados por marcas como “Gessy Lever”, bem como por
produtos mais específicos, como era o caso das lavadoras, dos refrigeradores e dos
fogões “Frigidaire”; ou poderiam ser os musicais que trariam aos ouvintes os
mais recentes “sucessos” do disco.
Se apresentam bem nítidos na
memória deste escrevente, programas como o “Nissei Musical”, apresentado pela
voz inconfundível de Oliveira Neto, bem como um outro, o programa patrocinado por um dos
produtos de higiene bucal, “Música e Alegria Kolynos”, apresentado por Estevam
Sangirardi, gravado nos estúdios da gravadora Odeon e, reafirme-se, distribuído
para inúmeras emissoras de todo o País. Mesmo assim, certamente havia um grande
hiato entre a produção de tais programas e o momento em que eram distribuídos e
executados nas diversas emissoras das várias cidades brasileiras, uma vez que a
sua veiculação estava sujeita a uma logística envolvendo grande variedade de elementos,
caminhos e descaminhos a serem percorridos, até chegarem ao seu destino final:
às rádios e aos seus ouvintes.
Este panorama muda substantivamente, a partir da chegada de dois
novos apresentadores de programação musical, cujo perfil era mais aproximado do
público composto por aqueles ouvintes que estavam na faixa dos quinze aos vinte e cinco, trinta anos, cognominados de
“jovens”., Os apresentadores em questão, trouxeram um formato de programação já
bem avaliado em outras emissoras do Brasil, sobretudo, aquelas estabelecidas no
eixo Rio/São Paulo, além das suas congêneres de Salvador.
Está se falando de locutores que aparecem desenvolvendo
novos programas na rádio Emissora de Alagoinhas entre 1978 e 1979, trazendo
novidades no modo de conduzir os programas, abrindo para a participação dos
ouvintes através do telefone, que aliás, era uma das grandes novidades da cidade
àquela época, uma vez que a urbe alagoinhense fora alcançada pela expansão dos
serviços telefônicos propiciados pela Telebahia. Além de mudanças que permitiam
a realização de chamadas interurbanas, também colocava à disposição dos cidadãos,
um grande número de telefones públicos, conhecidos popularmente como “orelhões”,
com uma distribuição pelos bairros adjacentes aos centro da cidade, o que
permitira a implantação da novidade trazidas para o campo da participação dos
ouvintes, agora de forma direta, na programação musical da emissora.
Conforme entende este escrevinhador, este foi o grande
legado dos locutores e “Disc Jóckey” Jorge Oliveira E Aloísio Santana, visto que a
passagem daqueles dois apresentadores pela Rádio Emissora de Alagoinhas, indicava
uma mudança substantiva no modo de fazer rádio com a interação direta com a
audiência, que deixava de ser passiva, ainda que em parte, para se tornarem
mais próximos dos seus programadores. Grande parte das vezes, o trabalho deles
no sentido de renovar o acervo musical da programação, só era possível mediante
os seus investimentos pessoais na compra de discos, sobretudo, aqueles de
lançamento mais recentes e, parece que era o caso de Aloísio Santana, a posse
de grande variedade de discos de todos “os tempos”, talvez em maior quantidade
do que os existentes na própria discoteca da emissora.
Este escrevedor gostaria de construir um arrazoado mais demorado
para tratar de Jorge Oliveira e Aloísio Santana, no que tange ao legado que
ambos deixaram na radiofonia de Alagoinhas, uma vez que, embora tivessem tido
grande êxito em levantar a audiência da Rádio Emissora de Alagoinhas, hoje são figuras
relegadas ao completo esquecimento, exceto na memória daqueles que o ouviram e,
daqueles que privaram do contato e/ou do convívio pessoal/profissional com
eles.
Magnífico texto - como todas as suas publicações - e enriquecedor.
ResponderExcluirSou seu admirador mesmo antes de a ter como mestre e a tenho como inspirador pela sua trajetória de vida e acadêmica. Exemplo de persistência, força de vontade e determinação. Jamais desistiu de seus sonhos e objetivos mesmo quando tudo à sua volta tentava impor-lhes obstáculos quase que intransponíveis.
Parabéns, meu amigo.