quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Quando a cidade era mais lenta


Quando a cidade era mais lenta

 

JOSÉ JORGE ANDRADE DAMASCENO              



 

 

Talvez se possa aqui dizer, que, uma das mais profundas transformações ocorridas nas cidades brasileiras em geral e, baianas em particular, nos cem anos transcorridos entre meados dos séculos XIX e XX, foi o aumento gradual e contínuo, da diferença entre a velocidade das pessoas e animais, em relação aos meios de transportes que surgiam, à medida em que o tempo passava e o ritmo da “vida” era artificialmente implementado, mediante intervenções urbanas cada vez mais exigidas pelos munícipes, desde o advento do “trem de ferro”, até a introdução de equipamentos automotores cada vez mais potentes e que exigiam ainda mais espaços e intervenções nos leitos “carroçáveis.

Tomando os anos da década de 50, na Bahia, como parâmetro, sabe-se de ter se dado naquele período, as primeiras e mais audaciosas intervenções do poder público soteropolitano, no sentido de dotar Salvador de características “modernas”, que permitissem a introdução de veículos e meios públicos de transportes mais velozes, com maior capacidade de transportar passageiros, que por sua vez, exigiam maiores espaços físicos nos leitos carroçáveis da cidade, originalmente íngreme e com traçados irregulares de suas ruas, sobretudo, nas áreas centrais da velha urbe de “dois andares”.

Em “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água”, o narrador mostra que os principais trajetos feitos pelos protagonistas de sua história, eram percorridos a pé, incluindo-se o cortejo fúnebre, que levaria o funcionário público aposentado até sua última moradia. Os parentes do morto, embora de si para consigo, salientavam, os imensos custos que adviriam de um traslado do féretro, do Tabuão para Itapajipe, considerando entre outros dispêndios, o maior deles, o que resultaria de aluguel de automóveis para o acompanhamento até o cemitério.

Conforme Jorge Amado, em novela publicada na revista Senhor, lá pelos idos de 1959, também foi a pé, que Quincas e os amigos que foram lamentar sua morte, percorreram os caminhos que iam desde a Ladeira do Tabuão, onde se localizava a “pocilga” na qual se reunira com seus companheiros de bebedeiras e arruaças. Dali, passando pelo “largo” no qual algumas mulheres reuniram-se ao grupo inicial, arrumando portentosa briga no “bar de Cazuza”, dirigiram-se até a  “rampa” onde tomariam o saveiro em que “arraia nadava no caldo amarelo”, para ali se deliciarem com a música cantada e a moqueca preparada por “Maria Clara”, em caldeirão que ainda “fumegava”, para no alto mar, em meio a inesperada borrasca, impor aos orgulhosos familiares, a última das suas vontades: se fazer sepultar como quisesse.

Maria Feijó, ao falar das diversas idas de Luísa Peixoto, de Alagoinhas  para Salvador, informa que sua personagem, uma vez chegado à cidade da Bahia, inúmeras vezes fez trajetos, razoavelmente longos, em caminhadas, por meio das quais, podia observar e admirar as paisagens que se descortinavam aos seus olhos interioranos, imagens que ela acabou por transformar em magníficos versos, dedicados aos seus amores afogados nas ilusões de uma professora primária.

Tudo isto refletia um ritmo de vida das pessoas, ainda marcado pelos mesmos princípios norteadores dos finais do século anterior, tendo os animais, trens e bondes, como os que detinham as maiores velocidades de deslocamento entre os diversos pontos da cidade, para ou dos quais as pessoas precisassem realizar suas idas e vindas.

É a partir dos finais da década de 1950, que estes cenários começam a mudar, sobretudo, na percepção das pessoas. Como se disse linhas acima, é naquele momento que os principais projetos de modernização urbanística da capital baiana, se fazem implementar, impulsionando o alargamento de ruas; construções de avenidas, viadutos,  pontes e túneis; abertura dos grandes vales, bem como outros tipos de equipamento, que vão permitir a circulação dos automóveis que, pouco a pouco começam a ocupar aqueles novos espaços urbanos.

Assim, aumentando-se drasticamente o ritmo da vida urbana, substituindo-se, em larga medida, a tração animal, até então a mais utilizada, para realizar os deslocamentos das pessoas, em seus trajetos mais longos e em maiores velocidades, para os pontos mais distantes das cidades, de modo artificial, acabava por encurtar as distâncias entre os pontos de saída e de destino.

Tais alterações urbanísticas, abriam e preparavam o caminho para que se tornasse viável, a opção que viria a ser feita daquele final de meio século em diante. Sobretudo, a partir da implementação das metas Nacionais preconizadas por J. K., a prioridade dos investimentos financeiros e tecnológicos, passava  a ser o transporte rodoviário em contraposição ao ferroviário e, promovendo o incentivo a massificação do uso do transporte individual em automóveis, em detrimento daquele que possibilitasse o ir e vir de um maior número de pessoas, em um número menor de equipamentos.

Trazendo a referida lógica para espaços menores e menos desenvolvidos, exemplifique-se Alagoinhas que, naquele mesmo período, tinha um número bem pequeno de vias pavimentadas com paralelepípedos, circunscrito aquelas ruas que circundavam a área central da cidade, conforme memorialistas e cronistas descrevem em seus relatos. Os logradouros dotados de pavimentação asfáltica eram em número ainda menor, talvez não chegando a dezena deles, apresentando-se as demais artérias da cidade, com ruas cascalhadas ou em sua configuração original, arenosa e/ou argilosa, dependendo como se localizasse em terreno afeito ao tipo de material de sua composição.

Isto implicava em dizer-se que, a cidade tinha um ritmo ainda marcadamente ditado pelo andar das gentes e dos animais, tendo os poucos veículos automotivos que se moldar as condições de trafegabilidade existentes. A maior velocidade e versatilidade dos poucos carros já circulantes na Alagoinhas dos anos 50, eram limitadas pela existência de vias carroçáveis, pelo ritmo da vida, ainda não tão frenético como viria a ser paulatinamente vivenciado algumas décadas à  frente.

 É neste sentido que, a partir de relatos orais, de leituras de cronistas, memorialistas e periódicos que tomam alagoinhas como objeto de suas observações e análises, pode-se encontrar alguns registros de atropelamentos, envolvendo tanto pessoas ainda não afeitas aos novos ritmos que a vida moderna impunha, quanto animais que não se encaixavam nos limites espaciais que os meios de transporte mais pesados e velozes os circunscreviam.

 As conseqüências advindas destes choques provocados pelo distanciamento entre velocidade, peso e limite espacial, se apresentam das formas mais variadas, desde lesões leves, quase sempre nos membros inferiores, até mutilações mais graves envolvendo pessoas e animais, bem como avarias e;/ou destruição de automóveis, aparecendo até mesmo, relato de morte de pessoas.

Salomão Antônio de Barros (1899-1986), em sua obra memorialística (Vultos e Feitos do Município de Alagoinhas), menciona uma destas mortes, quando relata o atropelamento sofrido por um dos fundadores da Alagoinhas pós chegada da ferrovia”,  e, um dos seus intendentes, cuja gestão se deu nos primeiros anos da elevação da Vila, a condição de cidade. Conforme Barros, “PEDRO RODRIGUES BASTOS faleceu aos 25 de junho de 1910, vítima de um acidente (ao atravessar a linha férrea, em busca de sua residência à rua 15 de novembro), quando procedia do seu Empório Comercial, sendo apanhado por uma locomotiva em manobras”.
historiadorbaiano@gmail.com

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