quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Histórias e memórias — para além de quinhentos e dezenove anos!

Histórias e memórias — para além de quinhentos e dezenove anos!

Grandes são as dificuldades que todos enfrentamos, ao empreender um exercício de imaginação que ultrapasse, e muito, o tempo da nossa existência contada em dias, meses, décadas e anos. O exercício torna-se ainda mais difícil, se o esforço imaginativo precisar remontar a pouco mais de cinco séculos. Assim, gostaria de poder recuar ao ano de 1492, quando se fez o primeiro registro oficial da chegada do elemento europeu nestas plagas continentais, primeiro denominadas "Índias" e, posterior e definitivamente, América.
Neste sentido, talvez me seja possível inferir que a população autóctone era substancialmente nômade ou seminômade, podendo ser encontrada no vastíssimo espaço geográfico, que se estende desde o Alasca, passando por todos os acidentes geográficos entre as margens oceânicas, até a “terra do fogo”, o que permitia uma constante variação de lugares a serem temporariamente ocupados e explorados, no sentido de prover-se de elementos para a subsistência, além de produtos que viesse a mitigar o frio, onde fosse o caso.
A exceção a esta regra geral fica por conta dos aglomerados pré-urbanos, esparsos e incipientes, que se formaram entre o golfo do México e as zonas andinas, termos onde já se desenvolviam rudimentos de sedentarização, caracterizadas por algumas construções de canais de irrigação, templos, palácios, além de alguns rudimentos de atividades agro-pastoris, quando da chegada dos espanhóis nas caraíbas.
Na costa leste brasileira, onde o registro oficial da chegada do europeu é um pouco mais tardio, este nomadismo grupal fica mais evidente, por conta do "estágio civilizacional" dos povos autóctones com os quais os portugueses e os franceses tiveram contato.
É possível que houvesse grande variação dos lugares temporariamente ocupados, de acordo com as necessidades e hábitos de cada grupo tribal, sempre tendo como referência a existência, em maior ou menor quantidade de recursos naturais que permitissem a sobrevivência coletiva.
A existência de rios e/ou outros cursos d’água nos quais pudessem dessedentar-se, banhar-se e prover-se de peixes e outros tipos de elementos aquáticos que pudessem servir como alimento; a existência de florestas de onde pudessem prover-se de madeira e outros vegetais para utilizações diversas; abundância e diversidade de animais para caça e outros fins, era fundamental para os constantes deslocamentos de pessoas e/ou grupos de pessoas. Essa migração provavelmente obedecia aos ciclos de reprodução e recomposição daquelas áreas onde estiveram, em busca de outros lugares que viessem a satisfazer suas necessidades, uma vez que, substancialmente, dependiam daquilo que pudessem encontrar no ambiente com o qual se confundiam e, talvez, entendessem ser parte dele, visto pouco ou nada intervirem, no sentido de modificar aquilo que a natureza já lhes provia “in natura”.
Ao ser ocupado lenta e gradativamente pelos europeus, o continente americano foi passando por vertiginosas transformações em todas as formas organizativas de sua incipiente ocupação, forjando uma degradação contínua de hábitos, modos de ser e pensar, culturas e formas de prover a subsistência, até chegar aos níveis de urbanização produzidos pelo tipo de modo de produção implantado, promovendo uma degradação ambiental “in extremes”, bem como uma desigualdade social, uma desorganização das relações humanas e, sobretudo, o estabelecimento de uma desmedida relação de distanciamento entre o homem e os demais sujeitos do “eco-sistema”.
Antes essenciais para a vida do homem nativo, todos os elementos que coexistiam entre si, na construção e reconstrução da vida, são transformados pelo ocupante moderno do continente, em “objetos”, coisificados e caracterizados como sendo de “propriedade privada”, sujeitos aos desígnios de seus donos, transformados, em última instância, em mercadorias, sujeitas às leis do “todo poderoso” mercado, pouco importando, quais venham a ser os resultados de tais decisões.
A desertificação de vastíssimas áreas de terra degradada — tanto pela ação erosiva natural, quanto pela atitude humana — e o desaparecimento de diversas espécies animais e vegetais, que antes eram abundantes em toda extensão do continente “encontrado” pelo genovês Cristóvão Colombo há cinco séculos, apenas reflete parte dos muitos danos que tal “encontro” produziu e, continuará produzindo nestas paragens inter-oceânicas do planeta.

JOSÉ JORGE ANDRADE DAMASCENO, é professor de história na Universidade do Estado da Bahia, Campus II, Alagoinhas.
Historiadorbaiano@gmail.com

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