domingo, 2 de outubro de 2011

Histórias e memórias de uma imprensa viciada

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE UMA IMPRENSA VICIADA
Sem eleições presidenciais desde aquela que conduziu Jânio Quadros ao Palácio do Planalto, o Brasil se reencontra com esta modalidade de escrutínio no ano de 1989, após os 21 anos de regime civil-militar e pouco mais de um ano após a promulgação daquela que foi decantada como sendo a “Constituição cidadã”.
Marcada pela presença de nomes já consagrados na política brasileira, como os de Ulisses Guimarães e Leonel Brizola, para citar apenas dois, a primeira eleição presidencial após as grandes mobilizações sociais e políticas do início da década de 80 do século XX, se apresenta como tendo sido aquela na quais os meios de comunicação de massa, sobretudo a Televisão, tiveram efetiva participação na construção de uma espécie de “vontade popular”. Driblando as restrições legais relativas à exposição dos candidatos e, aproveitando-se de sua quase absoluta penetração em todos os recantos do País, mesmo os mais longínquos, a Rede Globo de Televisão – associada os outros setores da imprensa -, jogou papel decisivo na pavimentação da estrada que levou ao segundo turno, o candidato filiado ao inexpressivo PRN, Fernando Collor de Melo, até então, um obscuro governador de Alagoas, embora de família politicamente tradicional, cuja raiz remonta aos anos 30.
Seu contendor, era o metalúrgico e ex-deputado Constituinte, Luís Ignácio Lula da Silva, cuja origem política é encontrada nas mobilizações operárias, que tinham como berço o ABC paulista, desencadeadas a partir do final da década de setenta daquele mesmo século. Em um pleito amplamente polarizado, enquanto por um lado, Collor de Mello representava uma proposta de manutenção do status quo das “elites” políticas e empresariais brasileiros, que tinham como porta voz principal o complexo sistema de comunicação de massas capitaneado pelas organizações Globo, por outro, Lula da silva, representava o ideal de mudança social preconizada pelo Partido dos Trabalhadores, agremiação nascida da confluência de diversos movimentos sociais, que encontravam lastro e ressonância em uma considerável parcela do setor “progressista” da sociedade civil brasileira.
Longe de ser um elemento neutro na formação da opinião pública, neste e em diversos outros episódios da história recente, a imprensa brasileira em geral e a televisiva em particular, vê-se como instrumento de persuasão e/ou convencimento, a partir do qual, se apresenta com a finalidade de desempenhar papel relevante, que expressasse na prática a vontade de uma massa formatada para responder positivamente aos anseios sócio-políticos de uma facção dominante do setor comunicacional brasileiro e, internacional.
Já em 1982, incomodado com a possibilidade de ver no comando do Estado fluminense um político que não fosse afinado com seus interesses empresariais, para dizer o mínimo, o núcleo dirigente das Organizações Globo, empreendeu esforços no sentido de evitar a eleição de Leonel Brizola para governar o estado do Rio de Janeiro.
O rumoroso caso “procunsult” deu uma dimensão daquilo que seria atuação dos meios de comunicação de massa, algumas décadas mais tarde, quando empreendeu um gigantesco esforço para evitar que vencesse as eleições presidenciais de 1989, um seguimento político partidário que representava perigo à hegemonia comunicacional do império comandado por Roberto Marinho. Um dos episódios mais obscuros daquela campanha eleitoral, sem a menor sombra de dúvidas, foi o último debate entre os candidatos ao segundo turno, Collor de Melo e Lula da Silva.
Cheio de lances espetacularizados, nos quais o candidato das organizações Globo apresentou fatos da vida pessoal/privada do candidato Lula da Silva, amplamente explorados no momento de editar para a última edição do principal jornal da emissora, colocando em grandes dificuldades o candidato prejudicado, visto que não haveria mais tempo para exigir direito de resposta e/ou de reparação, pois faltavam apenas algumas horas para o processo eleitoral ter início.
As manipulações do último debatem entre os postulantes ao Planalto e as repercussões das “denúncias” trazidas a público pelo candidato global, foram decisivas para a definição do pleito em seu favor, pois, embora tendo cometido o mesmo erro de que acusara o candidato Lula da Silva, não houve tempo nem competência da organização da campanha Petista, para desmascarar a hipocrisia sócio-religiosa, lançada pela campanha de Collor de Melo para desmoralizar seu opositor.
Prevalecendo-se do falso moralismo coletivo de que se ufana grande parte da sociedade brasileira, principalmente suas elites cultural/religiosas, as organizações Globo, os organizadores e condutores da campanha de Collor de Melo, associados aos seus demais apoiadores na imprensa Nacional, viram exitosa sua trama maquiavélica contra o PT e seu candidato, no sentido de vê-los derrotados nas urnas e fazer subir a rampa do Palácio do Planalto o candidato que apoiavam aberta e despudoradamente.
Logo que assume a mais alta magistratura do País, o ex-caçador de “marajás” mostra toda sua empáfia e despreparo para o cargo que ocupava, se apresentando mais como um “pop star”, do que propriamente como um presidente da República, cônscio de seus deveres constitucionais. Desprezando elementos-chave característicos de um Chefe de Estado, despindo-se inúmeras vezes da “liturgia do cargo”, colecionando fama mediática, mas também ódio de uma parcela daqueles mesmos que contribuíram com sua eleição, por conta das medidas econômicas que adotara, a mais rumorosa e polêmica delas, foi, sem dúvida o tal “confisco dos ativos financeiros”, o que provocou entre outras coisas, uma onda de suicídios e desorganização de diversos compromissos já previamente assumidos, por um número considerável de pessoas físicas e, até mesmo, de pessoas jurídicas.
A partir dali, se faz sentir o início do declínio de seu meteórico “boom” político/mediático, embora as organizações Globo e seus outros aliados, tenham envidado grandes esforços para não deixar transparecer o já perceptível desgaste social, político e o mais grave deles, o institucional.
Começam a espocar os escândalos, os desvios de conduta, as “carteiradas”, os jeitinhos, os deslumbramentos de ministros, assessores diretos e indiretos, além de esbanjamentos de diversas ordens, a despeito das restrições impostas pela equipe econômica, que só atingiam àqueles “menos iguais” perante a lei e a sociedade.
Até que, menos de dois anos de seu mandato, explode a maior, mais complexa e decisiva das crises políticas que aquele governo e de resto todo o País tivera que enfrentar: o rumoroso caso PC Farias. Enquanto as denúncias apareciam na “periferia” do jornalismo dito “revanchista”, ganhava pouco a pouco outros setores da mídia até que três reportagens publicadas pela revista ISTO É, abalam de vez a pseudo solidez do governo Collor e rompe o “cordão sanitário” no qual fora envolto. As entrevistas de Pedro Collor, irmão do Presidente; a entrevista de Egberto Batista, motorista diretamente ligado à cúpula paralela do Presidente, além da entrevista/depoimento da secretária Sandra, foram os estopins que, uma vez acesos, implodiram irremediavelmente o governo patrocinado pelas organizações Globo e virou o jogo em favor dos outros setores da mídia, contrários e alijados do processo político, precisamente por ter um posicionamento diferente daquele preconizado pela referida organização mediática.
Depois de consumada a votação no Congresso que permitiria à abertura do processo de impeachment do presidente Collor, a imprensa Internacional, mais precisamente, a BBC de Londres afirmava em seu noticiário, alguma coisa mais ou menos que, “este é o dia em que as outras emissoras derrubaram o presidente brasileiro, que a Globo ergueu”.
Nos governos seguintes, Itamar Franco, Fernando Henrique (dois mandatos), Lula da Silva (dois mandatos) e Dilma Rousseff (primeiro ano de mandato), esta imprensa viciada em erguer e defenestrar, empenha-se em derrubar ministros, assessores diretos; também se empenha em emplacar auxiliares diretos para atuar junto aos mandatários republicanos. É um vício que ela traveste de “vigilância” democrática, para passar ao público a idéia de um quarto poder, capaz não só de fiscalizar, mas também de se impor enquanto formadora de opinião e sustentada por princípios e valores morais e éticos, a partir dos quais pautam suas reportagens, denúncias, campanhas contra corrupção e pelo zelo da coisa pública.
Com este chavão tão agradável aos olhos dos leitores e telespectadores e aos ouvidos dos que ainda apreciam o rádio, eles torcem e destorcem a realidade, impondo a verdade que interesse ao órgão no qual esteja prestando serviço. Mas se posiciona como formador de opinião pública e, ao mesmo tempo, porta voz desta mesma opinião, por ele engendrada pouco antes.
Até quando? Qual será o próximo alvo?Ao juízo do autor destas linhas, neste momento em que elas estão sendo escritas, a imprensa está enveredando por uma linha de conduta arriscada. Ela está escorregando para uma Partidarização perigosa! Dúvidas, caro leitor? Dê-se ao trabalho de fazer uma incursão pelas publicações que antecederam e precederam à eleição da Presidente Dilma Rousseff; dê-se uma rápida garimpada no noticiário publicado entre sua posse e a sua histórica participação na abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em setembro, na cidade de Nova York e, tire suas próprias conclusões.
José Jorge Andrade Damasceno é Doutor em História social pela Universidade Federal Fluminense e Mestre em História Social, pela Universidade Federal da Bahia; professor adjunto no Colegiado de História, do Departamento de Educação, Campus II da Uneb, Alagoinhas, Ba.

professordamasceno@gmail.com
@JorgeDamasceno1

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