quarta-feira, 17 de julho de 2024

Um "Diário Tardio" Parte II

Histórias e Memórias de um convite surpreendente: um diário tardio – segunda parte. Sábado, 20 de maio de 2023 – Era por volta das dezessete horas, quando aquele recém chegado à capital sergipana, volta a estar ao lado daquela senhorita tão perfumada e encantadora, quanto especial, depois de algumas horas de deslocamento e de grande expectativa. Depois de se reencontrarem no portão do seu prédio, trocarem cumprimentos e se deixarem envolver por aquela atmosfera de um fim de tarde outonal, ela, confiante e resoluta, o acompanhara até o veículo que os aguardava há poucos metros, para nele se dirigirem ao local que ela sugerira que fossem, para sentarem e desfrutarem da companhia um do outro. Distava poucos quarteirões do seu lugar de residência, o espaço que ela escolhera para efetivar aquele reencontro, onde poderia confortavelmente conversar e frente a frente, depois de longos anos que as conversas deles só se puderam desenvolver mediante aparatos tecnológicos. Foi assim que eles se fizeram conduzir à uma mesa situada um pouco mais reservada, para que pudessem vivenciar aquele momento tão ímpar, de modo a poderem permutar ideias e impressões de forma um tanto mais privativa. Aquele desejo há muito alimentado por ele e, soube depois, também por ela, por fim se fazia concretizar, em meio à xícaras de café expresso, sorrisos e sentires que penetrava profundamente em seu ser. Aquele momento fora por ele vivido, como tendo sido uma parte de sua vida elevada à uma condição de uma espécie de “romance” já lido, porém, nunca escrito. A leitura era feita ali, no instante mesmo do seu desenrolar. Sentados lado a lado, sentindo o aroma que vinha de sua agradável companhia, ele sequer se importava com a marcha do tempo que passava indiferente a eles; chovera torrencialmente, conforme a estação em que se encontravam; mas eles sequer se deram conta disto, a não ser quando foram arrancados de seu enlevo e precisaram interromper aquelas horas tão fulgurantes que ali passaram, abrigados que estavam naquele ambiente, guardados das intempéries do clima lá de fora. Seria inútil tentar reproduzir em um diário assim, tão simplório e tardio, o que e o quanto eles conversaram. As palavras lhes fluíam; principalmente, aquelas que brotavam dos lábios dela, pois se sentia bem solta e descontraída, ao contrário do seu interlocutor, que ela até o percebera, estava tenso e procurava sorver cada sílaba que pronunciara, para não perder nenhuma das profusões de um tão mavioso falar. Era de fato aquela menina que ele conhecera dez anos antes: desprendida, tranquila e segura do seu falar, fruto de um pensar rápido e comedido, embora firme e sensato. Era aquela “menininha”, que dez anos antes fugira dele, talvez para que pudesse amadurecer e fortalecer os seus pilares em bases sólidas, com cimentação robusta, de maneira que pudesse dar o passo que viesse a dar, em solo firme e bem compactado. Ela fugira do alcance das mãos daquele homem maduro que pretendera lhe conquistar a cidadela bem fortificada, sem porém, sair da fortaleza que ele malgrado erguera com o objetivo de se resguardar dos assaltos de alguém que lhe quisesse expugnar as defesas contra o querer. Ela, embora lhe tenha fugido ao alcance, deixara porém, dentro dele, as suas marcas, as suas pegadas; vitoriosa por ter quebrado os escudos e neutralizado as defesas por ele interpostas, se vai fortalecer, no entanto, levando consigo as chaves que lhe arrebatara das mãos, sem que ele as pudesse recuperar a posse. E, assim, ela se movimentara com a segurança de quem possuía o pleno domínio do terreno e, talvez por isto, guardou para si, a surpresa com a qual pretendia impactar o seu interlocutor naquela noite inesquecível e lugar aprazível. Aproximava-se a hora em que teriam que se fazerem dirigir aos seus respectivos lugares de estada naquele dia, que fora tão maravilhoso. Era hora então de pensar o que fariam no dia seguinte; onde iriam, se encontrariam para almoçar, ou para jantar? E ela, como sempre, confiante e segura, arremata a conversa e, desfaz a incógnita: - Amanhã a gente vai almoçar em algum lugar, depois, ficamos no apartamento; passaremos a tarde lá! Que susto! Mas, ao mesmo tempo: que alegria foi receber daquela garota um tão claro gesto de confiança naquele a quem acabara de convidar para que ficassem juntos em seu espaço privativo. Ali se fez sentir o tamanho da responsabilidade que lhe era colocada sobre os ombros! Mas, nunca foi tão leve uma noite que antecedera o receber tamanha confiança de uma pessoa tão sincera e especial quanto aquela “menininha” que ocupara um coração já quase sem querer que o fosse;. A alegria daquela maravilhosa dádiva, nem pode ser contida” Alagoinhas – 17 de julho de 2024 – José Jorge Andrade Damasceno

sábado, 13 de julho de 2024

Um Diário Tardio - Parte I.

Histórias e Memórias de um convite surpreendente: um diário tardio – Primeira parte. Sábado, 20 de maio: a noite foi de sono entrecortado; as horas custavam passar e a manhã demorava chegar; os pássaros pareciam não querer despertar para chilrear em uma manhã fria e chuvosa, afim de esperar os raios de sol que os aqueceria por todo o dia. Preguiçosamente a alvorada se fazia presente, com os seus aromas inconfundíveis às narinas de quem tão impacientemente a aguardava ansioso para se levantar e iniciar a viagem que o levaria ao reencontro daquela com quem há dez anos se encontrara pela primeira vez. Ele se levanta e prepara o seu café; o seu sentido estava inteiramente voltado para aquela garota que por todo aquele tempo, não mais encontrara pessoalmente; apenas se falaram por meio de diversas ferramentas comunicacionais que foram surgindo no transcurso daquela década. A escolha da roupa a usar; a seleção do perfume para a agradar; o barbear-se; tudo fora feito com o intuito de fazer uma apresentação a altura daquela garota, visto que ele desejava que o reencontro fosse mais do que um mero reunir de duas pessoas que há muito tempo não se tocavam as mãos; mas o seu profundo anseio era que aquele se tornasse o encontro de dois corações que guardava cada um, bem no recôndito de seu ser, um segredo e, quiçá, pudessem - ao menos ele - ter a oportunidade de o revelar. Abordo de um Versa, dirigido por um seu amigo de tantas outras viagens, inclusive para aquela cidade praiana, por volta das nove da manhã, parte naquela direção. Noite longa, quase interminável, mal dormida, fora aquela que antecedera àquele início de trajeto. Um café trivial e os preparativos logísticos marcaram aquele início de manhã outonal. Sem o menor traquejo para arrumações e escolhas, guardou em uma valise o necessário para uma estada de duas noites e, na hora aprazada, saíra da cidade, sem mais poder esperar. Já marcada há cerca de quinze dias, aquela viagem proporcionara a ele uma alegria indizível; uma ansiedade indescritível; um arroubo quase juvenil, apesar do viajante já haver passado a marca dos sessenta verões. À medida em que a estrada era percorrida e, enquanto os amigos trocavam ideias, conversavam os mais diversos assuntos, aquele viajante só pensava no quanto a queria perto de si; mas também, o que lhe diria que não fosse “clichê”, como ela mesma dizia; no que estaria ela pensando; o que ela estaria a esperar dele; qual gesto lhe poderia fazer, indicativo do seu querer, do seu sentimento há muito represado; qual seria a reação dela, se ele acidentalmente deixasse escapar alguma palavra que a fizesse perceber o quanto ele a queria para si, para ser parte de sua vida... E ela, por outro lado, como se encontrava? O que se passaria naquele cérebro verdejante, pleno de capacidade cognitiva, veloz como os “pássaros de prata”, que singram os céus, em busca de vencer as distâncias e de alcançar os mais longínquos lugares? O que pensaria ela a respeito daquele sujeito que tanto persistia no desejo de que ela o recebesse e se sentasse ao seu lado, em algum lugar? Ah, isto ele sequer poderia cogitar. Ele talvez até desejasse que ela pensasse nele; mas, temia que ao menos suspeitasse dos seus desejos e afetos a ela inteiramente dedicados; que ela ao menos fizesse caso do seu coração, embora despedaçado pelas agruras vivenciais, a ela pertencia desde que nele se instalara. Isto era o que ele cogitava; mas, nenhuma certeza poderia ter de absolutamente nada. Ela não se deixava “ler” em suas “linhas”, escritas de si para consigo; ela não permitia que se penetrasse nos seus suspirares; sequer os externara!; sequer permitira saber se eles teriam existido! Tudo isto desfilava em seu cérebro, tão veloz quanto se deslocava aquele veículo em que viajava; as vezes ele se confundia com os seus próprios pensamentos, conforme se desenrolavam dentro de si; por vezes ele temia o fato não ser efusivo e caloroso, deixar a impressão de indiferença; outras vezes, acreditava que se fosse excessivamente prolixo – característica sua, indisfarçável -, ela o pudesse interpretar como um galanteador desmedido e vulgar; ah, quantas eram as proposições que surgiam e, do mesmo modo, desapareciam em sua cabeça, já quase atordoada com tantas projeções... do que seria, do como seria... E a viagem seguia o seu curso; as mensagens; a parada para o almoço; a chegada na cidade e o acomodar-se no hotel; o banho; a expectativa... Enfim, chegava o momento de outra vez trocarem abraços; de se tocarem as mãos; de ouvirem a voz um do outro, sem quaisquer outras mediações; o sentir os perfumes: ela trazia um aroma envolvente, um perfume que logo fizera aflorar todo o sentimento que nele estava retido, reprimido, guardado por todos aqueles anos; anos passados por outras vivências; vivências infrutuosas e desgastantes; agora, ela estava ali, ao seu lado; ao seu alcance; permitindo que o seu cheiro lhe assomasse o cérebro e lhe trouxesse tão deliciosa sensação de indizível alegria! Ah, senhorita: como foi reconfortador ter sido por ti recebido naquela tarde chuvosa, à frente do teu prédio; sob aquelas árvores que gotejavam sobre nós aquela água por elas retidas, quiçá, para nos brindar por aquele momento! Não tens ideia do quanto aquele teu aceitar receber este viajante em tua cidade naquela tarde, lhe revigorou não só o espírito; não só o corpo já vergado pelo peso da idade e dos viveres; mas, lhe revigorou a capacidade de acreditar ainda haver gente que se comporta como gente; que fala como gente; que recebe como gente; que trata como gente aqueles que como tu, é feita de carne, osso , sentimento e sensibilidade – por vezes aflorada e exacerbada -; e não, conforme ele mesmo vivenciou em grande parte de sua vida , como máquinas de moer gente... Alagoinhas 13 de julho de 2024 - José Jorge Andrade Damasceno