terça-feira, 28 de maio de 2024

Uma homenagem ao Apolinho

O Rádio ainda mais pobre: morre o “Apolinho”. Em escritos pretéritos, já se disse que este escrevedor teve o rádio como sua escola, sua revista, seu jornal, seu dicionário, sua gramática; que para ele o rádio atuava como professor de política, sociedade, economia, de comportamento; que funcionara enfim, como o meio que lhe forjara o modo de ler o mundo e, grande parte do seu modo de pensar. No rádio se aprendeu a gostar de música, a falar bem, a refletir a respeito das coisas à sua volta; também aprendera com o rádio o que viria a ser cultura, uma vez que o acesso aos livros e outros materiais de leitura lhe eram extremamente restritos, tanto do ponto de vista da possibilidade de os comprar, quanto do ponto de vista da possibilidade de os ler, de modo independente e autônomo. Pois bem. Ao longo dos sessenta e três anos até aqui vividos, ele ouviu grandes vozes, grandes locuções realizadas por repórteres, apresentadores de programas de entretenimento; noticiaristas e comentaristas que traziam o cotidiano do “Brasil e do Mundo” para os seus ouvintes. AS guerras, os conflitos, as crises sociais e econômicas eram dados ao conhecimento daqueles que, em grande medida, só o alcançariam mediante as audições de programas de rádio. Algumas daquelas emissoras em transmissões na faixa de “Amplitude Modulada (AM)” ou em ondas curtas, se fizeram memoráveis para este escrevente: rádio Jornal do Brasil – com “O Jornal do Brasil Informa”, que era ouvido por este radioescuta, nas edições das 18:30h e das 00:30h, com Maurício Figueiredo (1944-2011) e Márcio Seixas (1945-) -, rádio Globo 1220KHZ, Rádio Eldorado, rádio Tamoio, rádio Mundial, e rádio Tupi, entre outras, Rio de Janeiro; rádio Bandeirantes, rádio Cultura, rádio Capital, entre outras, São Paulo; programas como Haroldo de Andrade (1934-2008) – programa que contava com o seu “Bom-Dia”, com a sua “Pesquisa do Dia” e com os seus “Debates Populares”, onde se pôde ouvir grandes temas debatidos por gente como Artur da Távola (1936-2008, Carlos Bacelar (1944-2005), Lúcia Hipólito (1950-2023), João Pinheiro Neto (1928-2003), Edgar Flexa Ribeiro (1940-), entre outros -; aos domingos , logo depois do “Domingo Mobral”, a partir das onze e quinze da manhã, se poderia ouvir “Mário Luiz é uma parada”, vindo a seguir o “Enquanto a Bola não Rola”, apresentado no início da tarde, por importantes nomes da crônica esportiva carioca como Loureiro Neto, Eraldo Leite, Cleber Leite, Sergio Noronha, Washington Rodrigues, Gerson “Canhotinha de Ouro”, Francisco Horta, Luiz Mendes, entre outros -, O Seu Redator Chefe, as edições de “O Globo no Ar” e do “Correspondente Globo”, na rádio Globo Rio – que ainda contava com vozes marcantes como as de Edmo Zarife (1940-1999), o já mencionado Mário Luiz (1929-2009), Guilherme de Souza (1929-2019), Sérgio Nogueira (1947-2010), Roberto Figueiredo (1933-2021) -; na rádio Nacional do Rio de Janeiro, também era possível ouvir o “Tabuleiro do Brasil”, com Geraldo do Norte, o programa “Alô Daisy” na agradabilíssima apresentação de Daisy Lúcidi (Daisy Lopes Lúcidi Mendes 1929-2020) – uma das seções do programa era o “Agora que são Elas”, com excelentes debates mediados por ela, cuja mesa era formada apenas por mulheres; também havia aquele outro debate, desta vez, com uma mesa formada só por homens e, também mediado pela própria apresentadora -, programa MusiShow, com Cirilo Reis, programa Luiz Vieira- alientando-se que parte da programação da rádio Nacional do Rio de Janeiro só era possível ser captada a partir das suas ondas curtas de 31 metros -; o Pulo do Gato, com José Paulo de Andrade, Jornal Primeira Hora e Jornal da Bandeirantes Gente, na Rádio Bandeirantes, jornal Ouça com Heródoto Barbeiro na rádio Excelsior, foram basilares na construção cultural e na formação do linguajar deste que ora traça estes escritos de nostalgia. No entanto, o rádio – principalmente o rádio AM - nos últimos anos vem perdendo importância e protagonismo no campo da comunicação de massa, pelos motivos os mais diversos. Entre os tantos, este escrevente apontaria a baixa qualidade daqueles que passaram a compor a “ala moça” do setor, fazendo cair vertiginosamente o nível da linguagem, muitos deles demonstrando pouquíssima capacidade de fazer simples leituras de textos. Prenhes de técnicas comunicacionais, grande parte está vazia de domínio do vernáculo, se diria, semianalfabetos no que respeita ao uso daquela ferramenta tão essencial na tarefa de comunicar, não mais propiciando aos ouvintes uma firmeza no campo da articulação entre transmissão e recepção de mensagens. Além do desligamento daquela faixa de propagação que permitia o rádio ser ouvido a longa distância – submetendo os ouvintes às emissoras de frequência modulada (FM”, de menor qualidade e, felizmente, também de menor alcance -, desde a pandemia de Covid19 tem-se assistido a morte daqueles locutores mais bem formados e mais talhados para um rádio versátil e diverso. Alguns deles poderiam aqui ser mencionados, como foi o caso de José Paulo de Andrade (1942-2020), já aludido acima, que fora tragado pela Covid19; radialista esportivo Gilson Ricardo (1948-2023), que por muitos anos apresentou o seu “Panorama Esportivo” e, em 15 de maio de 2024, o rádio e a radiofonia brasileira perdem um dos seus maiores representantes, no que respeita à cultura, a elegância e ao trato com o vernáculo, âncoras tão necessárias para se fazer um bom rádio. Morre o “Apolinho” ou o “Velho Apolo”, Washington Rodrigues (1936-2024), homem de rádio por mais de sessenta anos. Primeiro como repórter esportivo, passando a comentarista – chegando a ser dirigente e treinador do seu clube esportivo de coração, o Flamengo -, o Apolinho foi ouvido por quem ora escreve estas páginas, desde sua tenra idade, ainda quando ele fazia dupla com Deni Meneses (1939-), formando a dupla que tornou célebre o jargão “Os Trepidantes”. Desde então, o ouviu nos diversos espaços que ocupou no rádio, inclusive o último deles, o de apresentador de programa de variedades e entretenimento – o Show do Apolinho na rádio Tupi por quase 25 anos -, sempre com competência e qualidade de locução e domínio das formas de falar. É assim que o tempo implacável e o câncer, um dos seus principais aliados, vai levando os grandes nomes que atuaram no rádio por todo o tempo de vida deste garatujador, deixando cada vez mais paupérrimo o meio de comunicação que sempre lhe foi por escola: o rádio. Fiquem com a emoção de Luiz Penido, ao anunciar a morte do companheiro e amigo, em plena transmissão do jogo do Flamengo, no Maracanã. https://youtu.be/2IcVH-J_Hjk?si=25p-SdTHguWES7s0 José Jorge Andrade Damasceno – professor Titular na Universidade do Estado da Bahia, lotado no colegiado de História, Campus II, Alagoinhas. E-mail: historiadorbaiano@gmail.com